Rastro da mente

O relógio marcava 13:00 horas, ultimo domingo do mês, eu estava no ponto de ônibus, com uma mochila nas costas a pressionando contra a parede de vidro do ponto. As mãos descansavam nas alças da mochila, um joelho dobrado com o pé posicionado na parede de vidro. O sol esquentava o asfalto e fazia meu corpo reagir liberando pequenas gotas de suor que escorriam sobre minha testa e se escondiam atrás dos óculos de sol com lentes negras e espelhadas. Eu retirei a mão direita da alça e ajeitei o fone de ouvido que estava escapando, depois voltei a mãos para a alça. Com os olhos fechados eu mergulhei na musica, Hanging on de Ellie Goulding, e movia lentamente a cabeça seguindo o ritmo. De repente senti um toque no ombro, arregalei os olhos e girei a cabeça jogando meu corpo para a direita. Ao meu lado estava um homem de aproximadamente 26 anos, pele bronzeada, de estatura baixa, olhos claros e cabelo raspado, vestia uma calça de moletom de cor cinza, uma blusa de frio preta, e chinelos de dedo com detalhes azuis. Ele inclinou seu corpo para cima ficando na ponta dos pés para dar a impressão de ser mais alto que eu, arregalou seus olhos e sussurrou entre os dentes.

- Isto é um assalto, me passa a bolsa.

Eu levantei uma das sobrancelhas e o encarei por alguns segundos, deixei meu corpo escorregar no vidro me afastando de seu corpo quente movido pela adrenalina até que sai totalmente do ponto de ônibus e caminhei até a parede atrás de nós, ele me seguiu e repetiu ainda mais alto, jogando o corpo diante do meu.

- Me passa a bolsa, ou eu te mato aqui e agora.

- Não – reagi – não vou te passar porra nenhuma.

Por um segundo ele fraquejou, certamente não esperava minha resposta, nem eu esperava. Eu retirei os óculos e forcei um confronto visual, arregalei meus olhos e tentei me aprofundar em sua mente confusa. Ele enfiou a mão debaixo de meu braço e agarrou a alça da mochila, eu apertei meu braço contra sua mão e meu corpo, depois passei meu pulso por baixo de seu cotovelo agarrando o músculo de seu braço e subi a outra mão aberta contra seu rosto. A parte inferior da minha mão se chocou contra seu nariz jogando a cabeça pra trás e espirrando sangue sobre minha blusa. Soltei seu braço e joguei meu corpo pra trás me esbarrando na base do ponto. De repente senti uma pressão se chocar contra mim me jogando outra vez contra o ponto, meu cérebro pareceu apertar dentro de meu crânio, levei as mão a cabeça e apertei os olhos soltando um gemido de dor. A pressão desceu empurrando meus órgãos internos para o lado, joguei meus olhos para cima e gritei, minha visão ficou turva, uma dor terriveu surgiu em minha nuca e se espalhou por toda minha cabeça.

- Não, agora não. Mais de vagar, vai me matar.

Meu dom consiste em entrar na mente de outra pessoa deixando meu corpo em coma. Se eu entro na mente de alguém, logo, seu corpo também se torna meu, desta forma posso falar, mover os braços e as pernas, mover o rosto, os olhos, e assim por diante. As pessoas com o mesmo dom tendem a se encontrarem por acaso e se tornarem amigas, neste caso você tem que se preocupar tanto em entrar na mente de alguém, quanto em entrarem na sua. Eu tenho a opção de fechar a porta de entrada para essas “visitas”, mas como faz aproximadamente 5 anos que não uso esse dom, apenas deixei de me preocupar com isso. Quando alguém força a entrada por desespero, minha mente não consegue se preparar, o efeito colateral é esmagador. Porem a pessoa não precisa ter o dom para que eu possa entrar em sua mente.

Senti algo duro se chocar contra meu queixo . Minha visão estava um tanto turva, mais pude ver o assaltante sobre mim empurrando meu corpo pro chão enquanto se preparava para me golpear outra vez, levantei meu braço esquerdo para me proteger, mais de fato esta reação não foi minha, e sim de quem estava dividindo minha mente comigo. Deixei meu corpo chegar ao chão me deitando, levantei as duas mão sobre o rosto e senti um chute no estomago, me encolhi e apertei os braços contra minha barriga sentindo o gosto amargo de sangue.

- Sai.

Meu grito foi tanto para quem estava em minha cabeça, quanto para o assaltante. O segundo chute empurrou meu corpo para trás e eu senti o poste bater em minhas costas e parar meu corpo. Estava claro que eu teria de dominar a situação, fixei meus olhos nas pernas do assaltante, ele levantou a perna direita a empurrando para trás, eu me apoiei no chão e joguei minha perna direita atrás do joelho esquerdo dele retirando seu equilíbrio. Ele caiu sobre a perna e tentou girar o corpo para amenizar o impacto. Joguei minha perna pra cima e joguei meu calcanhar contra a virilha do assaltante, depois empurrei meu corpo pra cima e cai de joelhos ao lado de seu corpo, ele jogou as mãos pra cima na tentativa de me parar, eu usei suas mãos de apoio para me colocar em pé. Joguei meu pé direito para trás e com toda força que consegui chutei seu nariz, ele colocou a mão na frente mais não conseguiu parar meus próximos chutes. O chutei até que ele perdeu a consciência. Então levei minhas mãos a cabeça, apertei meus dedos próximos ao ouvido, me inclinei para frente apertando meus membros ao corpo, depois empurrei meu corpo para frente sentindo a pressão ser lançada pra fora de mim. Cai sobre os joelhos, inclinei meu corpo para frente encostando minha testa no chão, gotas de sangue escorriam de meu nariz e explodiam no chão diante de meus olhos formando uma poça que não parava de aumentar.

Senti algo se aproximando de meu rosto, abri os olhos e dois pés se posicionaram diante de mim, levantei o tronco e a cabeça, um homem de meia idade, roupa social e óculos de armação transparente me encarava boquiaberto, arrastando seus olhos de mim para o assaltando, e depois para mim de novo. Desci o corpo para frente e girei a cabeça olhando para trás, o assaltante estava ainda inconsciente .

- Assalto

Sussurrei com o pouco de força que ainda me restou, depois senti meu corpo desmoronar no chão e tudo escureceu.

Retomei a consciência e meu corpo voltou aos poucos, abri os olhos e me vi em um quarto que presumo que seja de hospital, eu estava deitada sobre uma cama com o rosto voltado para cima, ao meu lado uma poltrona e atrás dela uma janela lacrada com grades. Diante de mim uma televisão se destacava na grande parede branca e sem graça, acima de mim um lustre tímido escondia uma pequena lâmpada acesa que pouco importava já que o sol lançava sua luz de forma agressiva para dentro do quarto. Do lado oposto da minha cama havia uma porta entre aberta que revelava um corredor igualmente iluminado e repleto de passos, vozes, e sons de coisas sendo arrastadas. De repente a porta se abriu e um homem de jaleco branco adentrou, me examinou rapidamente e chamou algumas pessoas, um policial, uma mulher de vestido com uma prancheta escrito “psicologia”, minha mãe e o homem de social e óculos que vi antes de desmaiar. O policial se aproximou de mim e se inclinou sobre meu rosto.

- Não se preocupe, ele já assaltou o rapaz ali – disse apontando para o homem de social e óculos – Erick vai ficar muito tempo na cadeia, assim que acordar.

Depois de algumas horas eles saíram e me deixaram sozinha com a minha mãe, que por sua vez tem o mesmo dom que eu.

- Foi você?

- Claro que não filha, eu teria usado o celular.

Virei os olhos enquanto ela ria de sua própria piada. Fechei os olhos e puxei a pressão de volta para mim, não para trazer a pessoa, mais para seguir o rastro. Quando uma pessoa sai de sua própria mente e entra na minha, ela não pode deixar totalmente seu corpo, então fica um rastro, o qual não é completamente apagado quando ela retorna para seu corpo de origem. Mais há uma exceção, se a pessoa tiver algum trauma em usar seu dom, ele apagará imediatamente o rastro por precaução.

- Não tem rastro.

- Se a pessoa sabe o quanto é incomodo forçar a entrada – disse minha mãe apoiando seus ombros no encosto da poltrona – ela só pode estar muito desesperada.

De repente senti a pressão novamente em minha cabeça, eu relaxei o corpo e deixei a pessoa entrar em minha mente, meus olhos se moveram sozinhos de um lado para outro, senti uma dor no peito, lágrimas desceram em meu rosto, apertei os punhos no lençol e senti meu corpo estremecer, senti dores pelo corpo, meus lábios se abriram e a pessoa sussurrou em minha boca.

- Socorro, eles vão me matar.

A pressão sumiu e eu perdi o rastro outra vez. Virei meu rosto para minha mãe e ela me observava com seus olhos arregalados. De repente ela saltou sobre mim e apertou meus braços.

- Quem era? Como vamos ajudar?

Ela gritou sobre meu rosto.

- Eu não sei – senti gosto de sangue e deixei com que as lagrimas encharcarem meu travesseiro – Eu não sei.

Ela estava muito ferida e temia a morte, com os olhos fechados ainda consigo sentir suas feridas, suas dores, seus medos, seus pesadelos, um gosto estranho escorrendo de minha boca. As pistas que ela me deixou que são difíceis de ser decifradas, mais são as únicas que eu tenho. De repente senti uma dor na virilha, tão forte que arrancou um grito da minha garganta, ela estabeleceu uma conexão entre nos, e vou sentir tudo que ela estiver sentindo, até que ela não esteja mais em perigo.

- Precisamos ajudá-la – gritei desesperada sentindo a dor aumentar – não importa como.

Continua...

Ashira
Enviado por Ashira em 15/04/2015
Reeditado em 21/04/2015
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