Sem moto e sem mote

O nome mais popular é o largo da cruz, mas nos letreiros e nas

referências oficiais ela é a praça São José. Em formato retangular, num

suave declive, ela é cercada de casas, nenhuma delas imponente ou tão diferente, mas todas com a vista para a capelinha, bem antiga,

renovada, e a cruz, já mais abaixo, quase de todo despojada.

Essa cruz, de sólida e encorpada madeira de lei guarda ainda uma placa

já bastante patinada pelo tempo, contudo se pode ler numa plaquinha metálica que a encima: Santas Missoens,1879. Éramos império ainda quando lá ela se erigiu, rija e soberana.

As abelhinhas que lá habitam entre suas rachaduras, terão vindo bem depois. Parecem formar uma colônia estável, e vai ver até que se converteram ao cristianismo, pois não há registro de que tenham

picado. Nem pecado.

Outrora, coisa de uma poucas décadas, esse espaço entre a capelinha e a cruz era repleto de palmeiras, esguias, altaneiras e fotos mais

antigas, em preto e branco, revelam o charme aprazível daquele

logradouro. Cheguei a ver as últimas palmeiras, umas 3 ou 4, já decadentes, solitárias, irem entregando os pontos, até que a última

delas se foi, deixando aquela terra vermelha, escalavrada, onde a

criançada e a rapaziada se reunia em torno de um bate bola, um vôlei. Mas de longe, uma "pelada" é que atraia a macacada. Fiz meus gols por lá, que acho, nem o Romário Faria.

Nos dias festivos, homenagem a São José se fazia, com a ereção de

uma barraquinha em frente à capelinha e na novena que se seguia, da

reza ao flerte, tanta coisa acontecia - ou ao menos prometia. Para

melhor capturar os olhos das morenas ou das loiras apenas, ganhar

uma maçã no jogo da roleta - de 8 números era uma tentação, cercada, naturalmente, sete vezes mais, de frustração.

Mas valia um coração, aquela maçã cheirosinha, argentina, embrulhadinha no papel encerado, saída da caixa de Manzanas del Rio

Negro. Quanta Eva não gostaria de dar a primeira mordida... Outras formas de sorte se tentava, de pescar na serragem à roleta de

50 números. Os ganhos eram parcos - e havia enganação de montão -

mas ao sorriso da sorte, há coisa que mais conforte?

Das rezas, cuidavam os mais antigos e as crianças que tinham mais fé e

menos distrações. Mas dava graça olhar nas parede despojadas da

capelinha de São José aquela gravura-quadro de um venerável Frederico Ozanan, que não era santo ainda, mas, por todas as aparências, candidato sério, das excelências. Advertiam tias e catequistas que ainda não se podia rezar para ele, mas sim, por ele.

Numa dessas quermesses fez-se um sorteio de u'a moto - usada -

daquelas antigas Jawa 350, em que muito padre viajor terá montado, e

cortado estradas, caminhos e pastos distantes. Estava em bom estado e em estado de concentração estava eu com o bilhete na mão,

mergulhado em fervorosa oração. Três dígitos apenas. Chance havia e eu a via.

Primeira extração: 8. Coincidia com meu bilhete. Dos 999 iniciais,

éramos agora só uma centena a disputar aquele prêmio. Suei - mas de

orar não deixei. Segunda extração: 2. Eu tinha 7. Estava fora, do

sorteio, e de mim. Será que por quê rira daquela cara grotesca do beato

Ozanan?

Ao final do sorteio ganhou a moto um Jair, moço decente, simpático,

saxofonista, que já tinha também sua namorada e seu emprego de fábrica, longa data. E vai ver que plano nenhum para se exibir na moto. Tanto é que a vendeu sem montá-la. Mas preservou a noiva.

Infeliz na roleta sorte, pensei na fortuna do amor. Que me entreabriu um sorriso, mas que é de que eu tinha coragem - ainda - para levar um

papo com aquela morena moçoila que me sorrira? Sem moto, sem mote?

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 29/03/2015
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