Lobos

Eu e os lobos gostamos da mesma parte da serra. Subo até ao alto pela suavidade da encosta e vou descendo pela escapa mais agreste. Ali as pedras mostram-se sem qualquer vegetação e definem grutas, cabeços que apontam o céu ou a aldeia, redondos em suavidade rara. Inacessível, este é o caminho dos que amam a solidão ou se protegem nela. Quando ouvi o latido tive de apurar o ouvido para perceber em que parte do abismo estava o cachorro e, a seguir, descer até ao fundo de uma vala que recebia os calhaus que rolavam das alturas e paravam nela. Depois, raspando o ventre, esfolando pés e mãos, recuperei o animal e regressei à pedra onde apanho o sol e cheiro o perfume da alfazema que enche os campos até ao limite dos caminhos e das hortas. A princípio não os vi mas percebi a sua presença. Naquele local estaria sempre a salvo mas quando se trata de lobos as cautelas só pecam por escassas. Talvez não estivesse a alcateia completa, mas senti vários animais a correr à beira da falésia. Reivindicando a cria? Afaguei o filhote, meti-o entre o peito e a camisa e decidi que se o abandonasse por ali em breve cairia, de novo, na vala dos calhaus. Dois dos lobos, agora parados mas inquietos, olhavam a cena do alto da escarpa a poente. Para por a cria a salvo, teria de a erguer até ao lugar onde sabia que estavam e pousá-la em zona onde fosse limitado o risco de nova queda. Sem pensar no perigo, subi até tocar o começo da erva e, delicadamente, coloquei o lobinho em segurança. A loba correu para o filhote, abocanhou-o e desapareceu sob os arbustos. Regressei a casa apreensivo. O melhor seria não contar a história a quem tanto se queixa dos lobos mesmo sabendo que o medo mata mais ovelhas que a própria realidade.