O Dragão de Antcítera (final)
Continuando a ladainha...
Um impasse, entre destruir o dragão e a sua descendência, e conseguir cair nas graças do oráculo, ou salvar um ser ainda inocente, pelo amor de uma mãe, ainda que essa mãe queira comê-lo bem passado! E perder a chance de obter a informação tão importante que só o oráculo poderia lhe dar...
É, mas essa é uma história sobre heróis, senão eu nem estaria aqui a contando. E foi com a sua espada mágica que correu em direção aos canais de água e a ergueu, tirando do seu leito úmido, como mil braços prateados que serpenteavam entre as árvores, milhares de litros de água que se suspendiam no ar! Porque a sua espada controlava os elementos, e era imprescindível que ele controlasse a água, e com ela extinguisse o fogo que ardia sem saber a quem.
Num só gesto, uma descomunal quantidade de água dos canais, vindas na forma de um grande vórtice dançante, jorrou as suas bênçãos úmidas sobre a indócil chama ardente.
A fumaça do fogo extinto subiu como uma fabulosa onomatopeia de aliviado frescor. O pequeno dragão parou de chorar, e ao ceder da fumaça, o grande rosto do dragão mãe surgiu diante do cavaleiro! Os olhos grandes da criatura pareciam carregar uma ternura que o cavaleiro não percebera num primeiro momento. Olhando assim de perto, sem a tensão inicial e o medo terrível, o grande monstro até cativava, apesar do tamanho e dos dentes enormes.
Os dois, curiosos, se entreolhavam, como se só agora tivessem sido apresentados. Pareciam se estudar mutuamente, e de uma certa forma, gostaram do que viram.
E se o oráculo havia lhe pedido uma pena da asa do dragão, por que não levar a asa inteira?
E então, alçou voo o gigante alado, diante do céu púrpura da tarde daquele dia, levando às costas um deslumbrado novo amigo, que mal se continha de tanta satisfação. E o dragão, contagiado, frente à alegria do que carregava, rodopiava no ar, mergulhava em rasantes vertiginosos, e subia em espirais de tirar o fôlego... Para depois, e só depois de mil peripécias, planar suavemente ao leve bater de suas asas em direção ao horizonte distante.
E assim foi, e os dias da viagem de volta se transformaram em horas da mais linda experiência que já teve, pois que o mundo houvera se esquecido da última vez em que um homem voou nas costas de um dragão! Lá de cima assistiu ao mundo, e ao transcorrer de seus vales e montanhas. Dos castelos e palácios que visitou, e dos que não visitou, também. Rios correndo como espelhos chão afora... Lagos ocultos entre as montanhas... Pradarias douradas e bucólicas, que se apertavam num único abraço. Durante as cinco horas da viagem, não se ouviu um pio.
A montanha do grande dedo surgiu diante deles, mais cedo do que realmente desejavam. E o dragão de Antcítera pousou com as suas enormes garras no topo do lar do oráculo, abalando o ar com as suas enormes asas coloridas, e colocando no chão o seu mais novo amigo.
O oráculo aproximou-se, mas não estava surpreso, como o cavaleiro esperava encontrá-lo. Serenamente, aproximou-se do dragão, e a criatura declinou a sua cabeça para receber um atencioso afago do misterioso homem da montanha. Os olhos de oráculo sorriam, e ele disse:
-Sabe a quanto tempo um homem não voa sobre um dragão?... Você viu cavaleiro, o que ninguém mais podia ver...E continuou:
-Você provou que pode ver além das aparências, e viu na estranha criatura, a bondade que ela trazia dentro de si. Agora eu posso dizer-lhe o que veio saber, porque cabe só a você saber, e guardará com honra esse segredo, pois só quem tem um grande coração pode guardar grandes segredos. E você provou que pode. O seu coração é grande! Pois a sabedoria dos dragões consiste em enxergar e testar o coração de um homem, por isso o enviei lá!
E assim a história continuou. E aquele fora o primeiro passo para a reconciliação entre os homens e os dragões. E não tardaria o dia em que todas as pessoas daquela terra voariam nas costas de seus amigos dragões. Como oráculo eu já sabia disso, centenas de anos antes dos dragões e dos homens existirem...