O Historiador
Márcio era um jovem questionador e sem pensamentos ambíguos. Estava sempre certo do que queria, de suas ideologias, e do que achava melhor para sua sociedade. Ele, claro, era um historiador. O questionamento era intrínseco a ele. Pesquisar, estudar, buscar conhecimento. E quanto mais o fazia, mais se arrependia. Não por não gostar de estudar e de ler, mas por sentir que seu esclarecimento lhe agonizava de forma aguda. Olhava ao redor e se via rodeado de ignorantes, pessoas que não buscavam conhecer o mundo e a história como ele o fazia, de forma que não eram nada além de simples sujeitos - somente isso. E Márcio era um sujeito historiador.
Seu grande sonho, como de todo bom rapaz, era mudar o mundo; porém se recolhia à sua insignificância – assim ele se via. Era um estudante de uma cidade pequena, sem contatos, de poucos amigos, um Zé ninguém. Seu sonho lhe esmagava os ombros, pressionava suas articulações e fazia suas pernas fraquejarem. Ele não se via, jamais, capaz de mudar o mundo da forma que gostaria. Pois, como qualquer historiador que se preze, vivia de passado; e lhe era mais satisfatório pensar na mudança do passado que agir no presente para alcançar o futuro desejado.
Mas isso mudou. Márcio, certo dia, abriu um livro antigo e empoeirado, e dele saiu um gênio – assim, do nada – concedendo-lhe um único desejo. E Márcio, não obstante, escolheu poder viajar ao tempo passado sempre que quisesse, em qualquer lugar do mundo. Ele poderia escolher dinheiro, mas não o faria, afinal de contas, caso realmente se preocupasse tanto com dinheiro, não seria um historiador numa pacata cidade interiorana. Poderia escolher um amor, mas amar era um empecilho para estudar a história, e algo que nunca aprendera com livros fora a história do amor. Então seu pedido foi-lhe concedido. E Márcio, agora, poderia voltar no tempo e mudar a história passada para criar um presente incrível.
Seu primeiro passo foi visitar a Grécia antiga. Márcio queria avisar ao Rei Leônidas que os espartanos seriam traídos por Efialtes e seriam massacrados na batalha das Termópilas. Sua estimativa de tempo estava correta e ele foi parar exatamente na cidade espartana, todavia ele era um estranho ali. Suas vestimentas eram estranhas, os homens lhe olhavam de maneiro desconfiada e o pior: ele não falava a língua local. De forma que foi tido como louco, não conseguiu mudar nada e teve que viajar no tempo novamente para não ser morto pela guarda Hoplita.
Márcio, então, viajou para Jerusalém. Ele, como um bom historiador, gostaria de ver se Jesus realmente havia existido ou se era somente uma história passada de geração em geração até se tornar uma verdade. Márcio, mais uma vez, não falava a língua local, se perdeu na cidade, não encontrou nada e nem ninguém, e quase foi espancado por meia dúzia de pessoas que achavam que ele era um lunático falando uma língua demoníaca. Frustrado, ele viajou mais uma vez no tempo.
Márcio fez inúmeras viagens até perceber que ele não conseguiria mudar um passado tão distante. Apesar da alegria de ver de perto o que ninguém de sua época jamais viria, estava frustrado por saber que não poderia mudar nada ou comprovar de fato a história. Resolveu, então, viajar no tempo e mudar o cenário político mais recente de seu tempo, pois lhe irritava ver seu país sendo destruído por políticos corruptos. Viajou para a Republica Velha. Ele gostaria de falar com Floriano Peixoto e avisá-lo dos problemas que ocorreriam nos anos seguintes e o que ele poderia fazer para mudá-las – afinal, Márcio adorava a república e queria mudar o Brasil nos primórdios desta -, mas novamente, sem conseguir se encontrar ou falar com alguém importante, foi chamado de lunático e até mesmo de Monarquista! Ele, com muita raiva, viajou no tempo para o início da década de 60, pois queria falar com Jango sobre o futuro golpe militar. Não deu certo novamente.
Márcio então, depois de mais de cem viagens no tempo extremamente frustradas, percebeu que jamais conseguiria mudar a história, fosse muito distante ou nem tanto, pois para ser ouvido, precisava estar engajado, precisava – de fato – ser ouvido; e como um homem perdido em lugares e épocas diferentes com teorias conspiracionistas, fosse em qual tempo fosse, jamais o seria. Então Márcio se tornou um grande sujeito historiador em seu tempo, pois percebeu que a história era imutável, e caso quisesse um futuro desejável, precisaria agir em seu presente. E o resto de sua história, somente o futuro poderia contar.