A tribo das sequoias
Na enorme floresta de sequoias vivia uma tribo de bárbaros que não se davam bem com qualquer pessoa de fora. Sua floresta era dividida por uma imensa cadeia rochosa em elevação pela qual passava um rio submerso que desembocava numa enorme queda d’água alguns quilômetros dali. A enorme tribo selvagem estava sempre vigiando as rochas com atenção à qualquer movimento suspeito. Ficavam de guarda em cabanas nos topos das grandes árvores, de forma que conseguiam ver qualquer coisa que se aproximava. Eram exímios arqueiros e raramente erravam seus tiros.
Kryrt era um desses bárbaros. Praticamente sua vida inteira havia sido em cima das árvores olhando para o além. Havia cinco anos que ninguém diferente aparecia naquela cadeia de rochas – o que fazia de sua vida um terrível martírio. Jovens não costumam confabular com o ocioso tédio. Kryrt queria mudar... Procurou seu pai, um dos líderes da tribo, e pediu para ser encaixado no grupo de caçadores que buscavam comida para os bárbaros em outros territórios que não trespassavam a cadeia de rochas. Era um trabalho muito mais valoroso que aquele que fazia há anos, todavia, o pai do rapaz dizia que a proteção das fronteiras era exercício de extrema valia para a proteção e manutenção daquela secular sociedade, além de ser uma das profissões mais antigas – desde a fundação da aldeia aquelas fronteiras eram guardadas com esmero.
O jovem arqueiro, nas horas vagas, resolveu pesquisar sobre as fronteiras e ver o que se sabia a respeito do além-rochas. Ouvira de tudo um pouco, porém a história e lenda mais recorrente era a de que ninguém que se aventurava para lá voltava, e os que voltavam eram mortos antes que chegassem à floresta. “Por quê?” perguntou Kryrt, e a resposta era sempre a mesma. A de que haviam demônios dissimuladores para além daquelas rochas e qualquer um que fosse para lá perderia o espírito, de forma que voltavam em serviço de outros, visando o mal para a tribo das sequoias – era necessários matá-los antes que transformassem os outros.
Era uma história e tanto – até assustava -, mas Kryrt era cético quanto a isso. Achou que se descobrisse o que havia em além-rochas, poderia sanar os problemas envolvendo a crise de fome pela qual a tribo passava. E, n’uma noite escura, quando a lua estava tampada pelas nuvens acinzentadas, ele partiu em disparada no breu da noite. Parou em algum lugar no além-rochas e descansou, pois nada via.
Ao amanhecer, notou que era uma floresta de pequenas árvores que se estendiam para os cantos até perder de vista. Resolveu seguir em frente, desbravar aquele território, ver o que achava por lá. Caminhou por quarenta minutos e se deparou com algo que ele não conhecia: o mar. Pulou na água, nadou, regurgitou o que bebera achando ser como do lago no qual a tribo pescava, e ficou impressionado com a quantidade de peixes que viu debaixo d’água, mais do que jamais poderia contar. Olhou para aquela infindável imensidão aquática e viu a solução para o problema da fome. Pescou um peixe, comeu-o cru e percebeu que nada de estranho havia com aqueles peixes. Então resolveu voltar para a aldeia, semear o que descobrira no além-rochas, e o fez com um sorriso no rosto. Chegando lá, foi recebido com flechas, as quais, por muita sorte, não lhe acertaram.
Gritou “O que há com vocês? Tenho a solução para a escassez de comida!”, para qual foi respondido “Não tente nos ludibriar, fera do além-rochas!”. E Kryrt permaneceu ali, por uma semana, tentando convencer seus colegas tribais que não havia nada de errado com ele – senão ter adquirido conhecimento – até desistir e voltar para a pequena floresta e viver ali por alguns anos.
Após esse tempo, resolveu mais uma vez voltar à cadeia de rochas e ver se conseguia retornar para casa. Ao chegar lá, notou que não havia movimento dentro das cabanas nas sequoias. O que poderia ter ocorrido? Desceu o morro e nada. Era muito estranho. Entranhou-se na floresta de sequoias e percebeu sinais de combate antigos e recentes por todos os cantos, ossadas e armas. O que poderia ter ocorrido? Ao chegar no coração da tribo, viu algumas pessoas que se assustaram com sua aparência e que notaram rapidamente que ele não era daquele lugar. Os antigos familiares e amigos, agora em ínfimos números, pegaram em armas e correram atrás dele. Kryrt estava bem alimentando, em melhores condições físicas, e deixou todos para trás, voltando para o além-rochas. Chegou à triste conclusão que sua tribo havia se digladiado por comida em algum momento e frequentemente se matavam por isso. A prosperidade de outrora, baseada na força, agora era decadência, esta baseada na ignorância. E Kryrt percebeu que sábios eram aqueles que foram para além-rochas e loucos os que os julgavam.