569-A DEUSA DE MAKAPÁ - Mistérios da Amazônia - 1a. parte

01 – Os Domínios da Deusa

Amazônia, terra de mistérios, de lendas e de mitos. Coberta por florestas de enormes árvores, é um mundo desconhecido e cobiçado por muitos. As riquezas, os animais, as plantas, tudo é motivo de cobiça. Tribos que jamais tiveram contato com o homem branco, ainda vivem nos recônditos mais profundos da floresta. Nas grimpas e topos inacessíveis das montanhas remotas, espécimes de animais pré-históricos ainda sobrevivem, alheios à evolução e à adaptação das espécies. Amazônia, pulmão verde do mundo, interesse máximo dos cientistas e pesquisadores do mundo todo. E junto com os bem intencionados, vêm os aventureiros, os larápios, bandidos, marginais de toda espécie.

As autoridades não conseguem controlar o desmatamento ilegal, os garimpos proibidos, o saque da natureza. Mas existe uma mulher que, com sua agilidade, força, habilidade e beleza, vive nos mais recônditos sítios da floresta. É Linda Flor, mestiça, filha de missionário branco e de índia da tribo dos Macapás, que, proscrita da tribo por sua origem, vive na selva, vigilante e justiceira, sempre atenta aos movimentos tanto dos animais, quanto dos índios e dos brancos que se aventuram pela “inferno verde”.

É uma morena alta, de longas pernas e corpo atlético e elegante. O rosto, muito bonito, de feições mestiças, é emoldurado pelos cabelos compridos, negros como a noite sem luar. Protege-se com uma roupa justa e curta, feita de pele de onça, que protegem os volumosos seios e o corpo escultural, deixando as pernas nuas para facilitar sua movimentação pela selva. Em cada braço usa braceletes de metal, nos quais se vêm símbolos de sua tribo nativa. Na cintura, uma faca e fina e aguçada, e um laço feito de fibras trançadas.

A mãe foi abandonada pela tribo e Linda Flor nasceu numa cabana da missão religiosa onde seu pai era o pastor. Recebeu o nome indígena de Aran-meli-ran, que significa Linda Flor. Cresceu mais dentro da floresta do que fora. Mas estudou com os brancos, formou-se em antropologia e foi trabalhar numa ONG que ajudava os índios da floresta.

Durou pouco a sua dedicação à ONG. Viu que o trabalho ali pouco rendia, era burocrático e de poucos resultados. Abandonou tudo, vestiu sua roupa de selvagem e embrenhou pela mata, onde vive sozinha, mas em constante atividade. Tornou-se, em pouco tempo, um mito. A misteriosa guardiã da justiça em toda a região misteriosa da Amazônia virou logo uma lenda e os índios a mencionam com respeito, chamando-a de Deusa do Macapá e procurando-a sempre que precisam de ajuda. As aventuras se sucedem, muitas vezes na companhia de Alan. O rapaz fazia parte de uma expedição de cientistas, a qual abandonou para viver com Linda Flor as mais perigosas aventuras das selvas.

É verão na floresta. As chuvas caem todas as tardes, a natureza fica mais exuberante (como se fosse possível...) e os rios aumentam de volume. A manhã é calma, os animais enchem a floresta de sons e cores. Linda Flor e Alan caminham por um trecho claro, um local onde as árvores são mais esparsas. Conversam animadamente. Ela olha com cuidado por onde andam. Parece procurar alguma coisa.

— Vejo que você está inquieta, Linda Flor. — Diz Alan. — Acho que você viu algo estranho, mas eu não consigo ver nada diferente.

— Vejo sinais por toda a parte. — Linda Flor diz e vai mostrando ao rapaz o que observa. — Olha, essas pegadas no terreno. São recentes. Também há muitos galhinhos quebrados nos troncos das árvores, à altura de ombros de humanos. Tudo me diz que um grupo de caçadores ou exploradores passou por aqui. E foram seguidos por duas onças novas. Veja os rastros ao lado.

— Hummm... — resmunga o rapaz. — Não sei se devo interpretar essa sua observação como uma reprimenda ou como uma aula — “como caminhar na floresta de olhos abertos...”

— Seu bobinho. — Ela responde, com um sorriso que revela os dentes muito brancos e absolutamente alinhados. — São três homens e dois índios. Vem, Alan, vamos encontrar esse pessoal. Já sinto falta de conversar com outras pessoas, além de nós dois. E podem estar correndo perigo, pois as onças devem rondar bem de perto.

02 – Encontro com a expedição do professor Bruno.

Não longe dali, um grupo de três homens brancos e dois índios caminham por uma trilha na floresta. Os homens estão trajados a rigor, e trazem fuzis a tiracolo. Usam chapéus de abas largas e parecem figuras de um filme de aventuras nas selvas. Um dos brancos, de cerrada barba negra e aparência soturna, tem em cada mão uma corda que prende duas pequenas onças semi-domesticadas. Os dois índios carregam pesados fardos, naturalmente, a tralha de acampar dos brancos.

— Vamos, gente! — Um dos homens brancos anima os companheiros do grupo. — O caminho até o templo das amazonas é longo. Precisamos chegar lá sem demora, não é mesmo, professor Bruno?

O outro homem, evidentemente um intelectual, pela aparência e pelo modo desajeitado de andar no meio das árvores, responde:

— Você deve saber, Carlos. Gastei muito dinheiro no equipamento e no seu salário para que você me levasse às ruínas do Templo das Amazonas, que você diz que descobriu no meio da floresta.

— Sim, claro... — Olhando por entre as árvores, vê o movimento causado pela chegada de Linda Flor e Alan. — Mas, veja quem está chegando. Quem são eles, Tiago?

O homem de barba preta e que leva as duas oncinhas presas, que atende pelo nome de Tiago, responde:

— É Linda Flor e seu companheiro. Ela é a Deusa do Macapá.

Os dois índios jogam a carga no chão e correm para Linda Flor. Ajoelham-se aos seus pés e exclamam:

— Salve, Deusa! Salve!

Linda Flor manda os índios se levantarem e se dirige aos três brancos:

— Olá, amigos! Quem são vocês? — Decidida, aproxima-se do grupo. — Quero conversar com vocês...

Carlos, conhecido como Carlos Valente, que é o chefe da expedição, fala entre os dentes com Tiago:

— Caramba! Que pedaço de índia! Não a conheço, mas vou ter o máximo prazer em conversar com ela. — E mostra os dentes num sorriso zombeteiro e malicioso, sob o bigodinho de galã de terceira categoria. A adiantando-se, tira o chape e diz:

— O prazer é todo nosso, belezinha. Que morena! Meu nome é Geraldo.

Alan, notando as intenções do chefe da expedição, vai explicando:

— O nome dela é Linda Flor. E o meu é Alan. Somo companheiros e...

Geraldo estende a mão para cumprimentar a moça, dizendo, sarcasticamente:

— Muito bem, queridinha...Meu nome é Carlos...Carlos Valente. Você não me perece nada má. Porque se esconde na floresta, com esse...esse seu companheiro?Você é um pedaço de garota! Seu lugar não é aqui.

Alan sente o sangue ferve-lhe nas veias e não se domina. Ao mesmo tempo em que lhe esmurra o queixo, diz:

— E você é um pedacinho de gente, seu atrevido...

Geraldo cai e tenta se levantar. Alan completa a frase

— ...talvez isto lhe ensine a respeitar a Deusa do Macapá.

Alan não vê, mas quando desferiu o murro em Geraldo, o barbudo Tiago libera as onças e uma delas salta sobre o amigo de Linda Flor.

A Deusa já estava lutando conta uma onça, e imediatamente atira contra uma moita, de onde ela foge para dentro do mato. Em seguida, pula para agarrar a outra onça, que estava já com a bocarra procurando o pescoço de Alan. Em questão de segundos, graças à sua agilidade, e usando a afiada faca, coloca também a segunda onça fora de ação.

Voltando-se para Geraldo, Linda Flor o agarra pelos colarinhos e chacoalhando como se fosse um boneco, diz:

— Você me disse que se chama Carlos Valente. Mas pra mim, deveria se chamar Escoria da Floresta! Que está fazendo aqui nos meus domínios? Acaso veio aqui para me insultar?

Livrando-se da moça, Carlos gagueja:

— Peço desculpas...Eu não quis lhe ofender... Estamos a caminho das ruínas do Templo das Amazonas

O velho professor se adianta e esclarece a situação, dizendo:

— Permita-me explicar tudo...Deusa...ou Linda Flor...Sou o professor Bruno. Sou pesquisador italiano e estou procurando as ruínas do Templo das Amazonas. Carlos Valente é guia e foi ele quem me vendeu o mapa para chegar ao Templo. Peço que nos deixe passar e...

— Vejo que o senhor confia no Valente...que nem é tão valente assim. — Diz Linda Flor. — Eu não confiaria tanto. Mas, vai, professor. Que os Espíritos da Floresta te guiem.

Carlos Valente se aproxima de Tiago e cochicha:

— Ainda bem que o velho amansou a morena. Caso contrário, a gene iria ter de voltar daqui.

— É, mas eu perdi minhas duas oncinhas...Elas já estavam até bem acostumadas com a gente.

03 – A ameaça paira sobre a expedição.

A expedição segue seu rumo. Carlos Valente e Tiago conversam em voz baixa, a fim de não serem ouvidos pelo professor Bruno.

=Você não devia ter dito à Deusa aonde estamos indo. Carlos. = Diz Tiago. = Ela pode não gostar da idéia, e nos impedir de chegar até às Ruínas do Templo.

=Tem razão, Tiago. Foi um descuido meu. Mas não se preocupe. Ela parece que não deu muita atenção à explicação do professor. E ele está em nossas mãos.

=Bom negócio este que você fez com este italiano idiota. Vendeu-lhe um mapa falso por bom preço e ainda conseguiu arrancar um bom dinheiro para organizar esta “expedição”.

=É, ele mordeu a isca. Mais fácil do que aquela vez que trouxemos o doutor Alameda, da Espanha. Lembra-se?

=Este ídolo que você tem é mesmo mágico. = Diz Tiago.

=Pois é. Comprei numa lojinha de artigos feitos pelos índios Carajás. Ele ajuda enganar os trouxas...junto com o mapa...hi!hi!hi! = Carlos ri baixinho.

=Os índios que vieram com você na expedição do Dr. Alameda...eles foram todos eliminados? = pergunta Tiago.

=Claro. Teve um, chamado Kuname-Lelê que se atirou no rio. Mas o rio estava infestado de jacarés. Não escapou vivo, com certeza.

=E o equipamento do professor Bruno é muito caro. Vale um dinheirão. Vamos obter milhares de reais na venda...quando despacharmos o professor. = Disse Tiago.

Alguns dias se passaram após o entrevero entre Carlos Valente, Alan, Linda Flor e Tiago. A Deusa e seu amigo estão pescando de canoa, acostada à margem de um rio sereno, tranquilo. Procuram arrancar do rio algo que lhes sirva de almoço.

=Oôôôôps! Beliscou minha isca! = A moça diz, em voz baixa, para não espantar os peixes. E dando um puxão repentino na vara, fisga um peixe.

=Ora, muito bem, Linda Flor! Que belo piau!

O peixe se debate na ponta da linha, até que, puxado para a canoa, é tirado do anzol.

=Vamos descer um pouco o rio. Mais embaixo tem um lugar bom pra gente assar. = Ela diz.

Ao descerem pelo rio de suave corredeira, passam em frente a uma choça rústica, construída rente à margem do rio.

=É a casa de Nhá Kereme, a curandeira. = Ela explica ao rapaz.

=Veja. Linda Flor, tem um jacaré subindo a margem. Ele vai entrar na choça.

=Sim. Vamos, depressa, rema com força! Temos de espantar este bicho.

Um jacaré-guaçú, o maior que existe em toda a Amazônia, rondava a casa da velha solitária.

=Não vai dar tempo.= Ela grita. = Vou nadar até lá...

Antes de terminar de falar, já tinha mergulhado no rio. Outras cabeças ameaçadoras apareceram. Sacando da faca, Linda Flor mergulha e se atraca com o jacaré mais próximo. Aplica uma facada bem funda no ventre do animal, que estrebucha e afunda. Os outros jacarés, sentindo o cheiro do sangue, vão em busca do “irmão” morto por Linda Flor.

Mais algumas braçada e a Deusa chega à margem. O grande jacaré já tinha metido o focinho na entrada da cabana quando é atingido mortalmente, no topo da cabeça, pela faca que Linda Flor atirou de longe. A çpontaria ´[e certeira e o animal revira-se, batendo a cauda para todos os lados.

Quando fica imóvel, A moça começa arrastá-lo para o rio.

=Vai, bicho feio, vai servir de comida para seus irmãos.

Nisto, chega Alan, que a ajuda puxar o bicho. Quando se voltam, na direção da baixa cabana, uma mulher aparentando ser muito idosa, está de pé à porta da casa.

= Os jacarés estão ficando cada dia mais atrevidos. = Diz a velha. = Eu estava ocupada lá dentro, nem senti quando este bruto chegou perto da cabana.

=A gente ia passando e...

=Que bom que vocês chegaram. Poderão me ajudar.

=Que está acontecendo? = indaga Linda Flor.

=Faz pra mais de mês que recolhi um índio aqui na beira do rio. Ele tava muito machucado e nem sabia quem era. Puxei ele pra dentro da choça, tão fraco ele estava. Dei uns chá e passei ervas-de-curar nas suas feridas. Ele sarou, mas não quer se levantar nem sair da palhoça. E fica o tempo todo resmungado coisas que não entendo. Já fiz até mandinga despacho pra espantar o coisa-ruim de seu corpo, mas num adianta. Ele ta muito destrambelado da cabeça.

=A gente pode ver ele? = Pergunta Alan.

=Pode, sim. Vamo entrando. Ele ta lá no fundo da palhoça, no lugar mais escuro. Tem medo de tudo quanto é coisa...

Linda Flor e Alan abaixaram a cabeça para poder entrar na palhoça, baixa e escura. Demoraram alguns instantes para a vist se acostumar com a escuridão do interior. E viram.

04 – O encontro com Kulamê-lelê

Meio que sentado, meio que deitado, as faces encovadas e aparência doentia, o índio balançava a cabeça de um lado para o outro. Os olhos estavam fixo no teto de palha da cabana, mas parecia que nada viam. Murmurava coisas. Liknda Flor ajoelhou-se ao seu lado e passo a mão defronte seus olhos. O índio nem piscou.

=Está em estado de choque. = Disse a Deusa. = E fala a língua dos krome-akuã, que a senhora de certo não conhece. A tribo fica a muitas luas de distância.

=É, sim, mia fia, num entendo nada do que ele fala.

=Posso entender o que ele está murmurando. = Linda Flor põe seu ouvido perto da boca do índio, e vai falando o que escuta:

= Chama-se Kunamê-lelê...fala de emboscada...todos os índios mortos...ele caiu no rio...muitos jacarés...só ele escapou...

Valente, chefe da expedição...

=É Carlos Valente, que nós encontramos há alguns dias. = exclama Alan.

= Sim, ele estava com o grupo de Carlos...Valente!

=Só uma coisa eu não entendo. = Disse Linda Flor. = Como é que este índio, Kunamê-Lelê estava com Carlos Valente, que encontramos há apenas uma semana, está aqui com Nhá Kereme há mais de um mês, como ela disse.

=Ele sofreu muito e está traumatizado. As poções e outras “terapias” da negra velha de nada adiantam.= Disse Alan.

=De qualquer forma, acho que devemos levá-lo para a expedição de Carlos Valente. O professor deve ter algum medicamento que possa curar Kunamê. = falou a moça .

=Sim, vamos fazer isto. = Concordou Alan = Mas não tenho a menor vontade de encontrar-me com Aquele Carlos Valente..

=Ora, Alan, creio que você está com ciúmes. E vamos nos apressar para alcançar a expedição antes que eles subam pela serra do Karapó, pois a trilha subindo a serra é muito difícil. Ainda mais com Kulamê neste estado de fraqueza.

Passaram o resto do dia junto á cabana de Nhá Kerene, preparando-se para a longa caminhada. Kumanê-Lelê, ainda que muito abatido, mostrou-se mais animado e à tardinha, saiu de seu marasmo, caminhando um pouco ao redor da choça. Entretanto, não se lembrava de quase nada e nem quando a emboscada acontecera.

Na manhã seguinte, puseram-se a caminho. O índio passara bem a noite e parecia estar bem. Animado, ajudou Linda Flor e Alan nos preparativos para a viagem. Partiram quando os primeiros raiso do sol iluminava as mais altas copas das gigantescas árvores da floresta amazônica.

continúa...

ANTONIO ROQUE GOBBO

Conto # 569 da SÉRIE 1.OOO HISTÓRIAS

Belo Horizonte, 15.10.2009

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 10/12/2014
Código do texto: T5065413
Classificação de conteúdo: seguro