Paz Podre
Chegava a coberto da noite e assim se mantinha, no escuro. Via pelos dedos, sentia na pele a vontade de ambos e ficava, noite dentro a amar vivendo tudo, das pausas aos silêncios. Raras palavras chegavam a ser ditas e o amor ia até ao sono e regressava aos seus corpos insaciáveis até que o dia, ao clarear, definisse a porta mostrando as frestas do aro à sua volta. Vestia-se sem acender o candeeiro a petróleo e saía para a manhã de trabalho feliz mas exausto. Daquela vez, porém, foi diferente. Tardou a encontrar o caminho por estar ainda escuro. Adivinhou a proximidade do rio pelo barulho da água nas pedras e arrepiou-se com o riso das hienas a recolher à mata. Ao longe o ruído do comboio de minério de cobre do Katanga e o jato das faúlhas da locomotiva a lenha precisavam a hora. A tabela ali era cerca das cinco da manhã. Dizia-se na rádio, emitida em francês a partir do Congo Belga, que a URSS fotografara a Lua através do Lunik 3 e que andavam dois cães em órbita terrestre. O triste desfecho da experiência só muito depois seria conhecido. Em Angola, no entanto, não acontecia nada. Mudar a cor da pintura na Estação Ferroviária era uma notícia de monta, assim como fora, nos festejos da Vila, eleger a Natália como a Miss daquele ano. Adriano seguiu caminhos conhecidos, cruzou a estrada e no momento em que abria a cancela de cana da sua casa de adobe, amarraram-no. Vi-o, depois do almoço, no pátio da Administração. Já tinha as mãos inchadas e o rosto ofendido de pancadas. Olhei-o bem dentro dos olhos, rodei a chaves do cadeado na mão e deixei-a cair no lugar onde estava. Quando escureceu, senti-o a unir-se ao muro, ganhar a guarita provisoriamente sem guarda e sumir na noite. A guerra começaria a seguir.