547-PIRATAS NO PORTO DE ARGOS-História
Eram homens e mulheres que chegaram aos milhares do Oriente, das terras além dos desertos, além da Babilônia. Vieram da costa do Oceano Índico, onde eram hábeis pescadores e conhecedores dos mistérios do mar. Viveram anos de tormenta e desespero, fome e sede, através de desertos, de terras desconhecidas, passando por mil perigos, para chegar às margens de um outro mar, de águas azuis e tépidas, cujas praias, estendendo-se para o norte e para o sul, perdiam-se no horizonte.
Um povo cujo nome se perdeu nas cinzas do tempo. Estabelecido na nova terra, ficou sendo conhecido como Fenícios.
Marujos e pescadores por hábito e necessidade, escolheram as margens do mar, que se estendia para oeste, e se estabeleceram. As colinas e montanhas cobertas por florestas e bosques, vales verdejantes e campos férteis e, principalmente, o mar plácido encantaram os viajantes.
— A região é propícia para nossa gente. Temos de tudo para sermos de novo um grande povo de navegadores. — Afirmou o grande líder que os guiara durante os muitos anos da longa caminhada.
Estabelecidos em diversos locais, logo se revelaram a força e o valor dos novos colonos. Os povoados se transformaram, com o correr do tempo, em cidades: Sidon, Tiros, Biblos, Beritus (Beirute atual). Nas areias brancas fabricaram barcos e navios, e sobre as pedras da costa, portos foram construídos.
Em poucos séculos, os fenícios se firmaram como hábeis navegadores marítimos e suas embarcações, cheias de produtos de sua própria terra, do Egito, da Assíria e de regiões vizinhas, percorriam todo o mar Mediterrâneo, estabelecendo postos e portos em regiões remotas: Cartago, Cadis (Espanha), Palermo (Itália), Sicília (Itália), Tunis (atual Tanger, no Marrocos).
Heródoto, primeiro historiador universal, fala de uma possível viagem dos fenícios ao redor da África, o que está ainda para ser provado.
Não muito distante das praias da Fenícia, encontra-se Argos. Lugar mitológico no Istmo de Peloponeso, é um dos berços da civilização grega. Situado em região propícia ao comércio, seu porto era freqüentado por navios que cruzavam o mar Egeu, rota de embarcações vindas do mar Negro, ao norte, de Creta e Rodes, ao Sul, e da Fenícia, ao leste e até mesmo do distante porto de Alexandria, na África.
Os fenícios eram os mercadores mais constantes no porto de Argos. Aguardados com ansiedade pelos habitantes da cidade e da região, pois traziam mercadorias cobiçadas pelas mulheres e valorizadas pelos homens, como tecidos, vinhos, metais preciosos ou menos nobres, necessários para a fabricação de artefatos de guerra, jóias, perfumes, incenso e mirra e uma centena de outros artigos que já se tinham tornado necessários à vida diária das pessoas daqueles tempos.
Os mercadores fenícios chegavam com barcos abarrotados. Colocavam as mercadorias à vista dos compradores, espalhando-as pelo porto e até pelas areias adjacentes, numa verdadeira feira ao ar livre. Durante quinze, vinte dias, faziam do porto uma festa. Os marujos arrecadavam de dia o que de noite gastavam nas casas de diversão e com as belas mulheres da cidade portuária.
Aportou em Argos, certo dia, um navio maior do que aqueles que costumavam encostar-se no cais de pedra e suas mercadorias foram estendidas pelo porto. A quantidade e a qualidade dos produtos ofertados chamaram a atenção dos habitantes de Argos, e a notícia foi para longe.
Uma tarde clara e tépida, a filha do rei Inaco, por nome Io, foi, com seu séqüito de mais de vinte moças da corte, visitar a feira.
As mercadorias já estavam quase todas vendidas, e na praia restavam poucas. Os marinheiros já se aprestavam para a partida, quando as moças chegaram.
Foram abordadas pelos marinheiros, que as convidaram para entrar no navio, onde ainda havia lindas jóias e tecidos maravilhosos, que, na certa, agradariam às belas e exigentes mulheres.
Adentraram-se todas ao navio, alegres e despreocupadas. Sequer desconfiaram dos malignos desígnios dos hábeis comerciantes e inescrupulosos aventureiros.
Seduzidas pelos marujos, que exibiam algumas mercadorias e mostravam uma lábia irresistível, as moças foram conduzidas para lugares recônditos na embarcação. Só se deram conta da armadilha quando as pranchas foram estendidas sobre as aberturas de acesso ao porão, onde ficaram presas.
A tarde caia, e ninguém no porto notou que as moças não haviam saído do navio. Velas içadas e remos rápidos afastaram a embarcação do porto, levando em seu bojo Io, a princesa e as lindas mulheres da corte do rei Inaco.
Ajudado por ventos favoráveis seguiu rápido o navio, desaparecendo na escuridão, rumo ao sul. Nos portos do Egito, de Cartago ou de Tunis, as lindas mulheres renderiam milhares de moedas de ouro, vendidas como escravas aos sultões e aos chefes de tribos berberes do deserto.
Mais tarde, no palácio real, quando foi constatada a ausência da princesa e de suas aias, ninguém sabia do paradeiro delas, bem como ignoravam que elas tinham ido à feira do porto.
A saída do grande navio fenício do porto de Argos era um indício de que as moças haviam sido raptadas. O rei Inaco mandou que a pequena frota de Argos se fizesse ao largo e vasculhasse os portos onde poderia ser encontrado o navio suspeito.
Inutilmente, pois além da rapidez do navio, a celeridade com que os piratas dispuseram da “mercadoria” invalidou qualquer esforço do comandante da frota do rei Inaco. A princesa Io e seu séqüito foram vendidas e desapareceram completamente, como que tragadas pelas areias do grande deserto.
Registrado por Heródoto, esse foi o rapto de maior sucesso na história do mundo antigo.
ANTONIO GOBBO
Belo Horizonte, 10 de maio de 2009.
Conto # 547 da série Milistórias