UM PALMO DE LÍNGUA

UM PALMO DE LÍNGUA

Estava eu na esquina da minha rua, da minha vila, numa tarde muito tranquila, aguardava a chegada da piazada para uma pelada. O campo era amplo, havia apenas nele algumas casinhas, barracos mesmo, um depósito de postes para instalações elétricas, bem na ponta a casa do Maneco, que diziam era ladrão de galinhas, a gente via algumas penas por ali, mas ninguém sabia de nada, às minhas costas um casario, cerca de quatro ou cinco casas, eram boas residência, incluindo onde eu morava, à frente, outro casario, a casa do brigadiano, (1)as casas dos carroceiros, a ferraria onde muitas vezes fazíamos algum bico durante as ferragens urgentes das rodas das carroças, o cabaré da Mariazinha, muito discreto, para encontros fugazes de homens que vinham de longe, do lado da minha casa morava uma família que brigava muito, eram o pai, a mãe e dois filhos, um da minha idade e outro já grande e rengo de uma perna, do outro lado da minha casa outra família, uma mãe e seu filho adulto, mas que não saía de casa, a não ser claro, aos sábados para o bailão. Parado ali esperando pelo futebol, comecei a ouvir uma gritaria na casa do lado direito da minha, na família de quatro pessoas, a gritaria aumentava, ouvi soluços, novos gritos, essa gente bebeu muito hoje, pensei, mas não me envolvi, ao contrário disso fui ao encontro do meu pai, também, mas quando ele viu que a gritaria era muita, resolveu dar uma olhada. Fui junto, chegamos próximo de uma área na frente e o pai estava sobre o filho mais velho, apertava muito o pescoço dele e olha, não demoraria para o cara morrer se deixássemos a situação como estava, porque estava, sem exagero ,com a língua para fora da boca, mais ou menos um palmo(2), parem com isso vizinho, disse meu pai e, quando ele olhou para nós, puxamos um de cada lado, rápidos, mandamos que saísse dali e puxamos o filho para a porta e dali até um beco estreito que havia atrás da nossa casa e que não tinha contato com a residência, havia ali uma sombra de alguns arbustos, deitamos o moribundo no solo, verificamos que estava vivo e então o deixamos descansando, esse cara bebia muito e estava acostumado a deitar-se em qualquer lugar quando bêbado, mesmo assim botamos um pouco de água na sua boca, bem de leve. Cerca de uma hora depois fui olhar e o homem já havia saído dali, o pai dele desapareceu, como sempre fazi, por dias, depois ele retornaria.Isso também acontecia em Vila Sem Nome.

1-brigadiano= nome dado no Rio Grande do Sul aos policiais militares componentes da Brigada Militar.

2-Palmo= medida de comprimento obtida com a mão estendida, do polegar ao dedo mínimo, cerca de 22 cm.

Luiz Carlos, Set.2014.

drmoura
Enviado por drmoura em 05/09/2014
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