375-A PRINCESA IMORTAL- 2a. Parte

— Senhor, Senhor. Acorda!

De longe, é como que uma música suave que chega até o homem deitado sobre a relva úmida. Ajoelhada ao seu lado, uma figura feminina procura despertá-lo. A delicada mão passa pelo rosto do homem deitado na relva úmida. Ele abre os olhos, piscando ante a crua luz da manhã tropical.

— Hummm! Que foi?

Ao ver a extraordinária beleza da moça que tenta reanimá-lo, Milton recupera-se num átimo e senta-se.

A moça se põe de pé, expondo ainda mais sua figura esbelta.

— Quem é você? — Ele pergunta, a voz quase num grito. Levanta-se num salto. A câmara digital, pendente de seu pescoço por uma faixa larga de tecido forte, balança de um lado para outro.

Ela sorri, exibindo os dentes alvos entre lábios vermelhos, sensuais. Sem movimentar os lábios, envia uma mensagem de tranqüilidade. .

— Calma. Fique tranqüilo.

— Mas...onde é que já vi esta moça? — pensa Milton.

Ela se afasta alguns passos, exibindo o porte magnífico. Esbelta, tem a altura de Milton, que a olha diretamente nos olhos negros e profundos. Com gestos, o convida a seguí-la. Nada fala mas, para Milton, é como se tivesse dito: Venha Comigo.

— Espere um momento. Quem é você? — Sua voz soa de modo estranho. Um silêncio profundo envolve os dois. Observa atentamente a estranha e linda mulher. Lembra-se da câmara. Pega-a e comprime os botões. Em seguida, começa a tirar fotos.

O porte esbelto, o corpo esguio, moreno, coberto por uma leve túnica de tecido muito fino, que permite ao médico entrever as curvas suaves e acentuadas. Os cabelos negros de noite sem lua emolduram o rosto e escorrem pelos ombros. Uma tiara amarela sobre a cabeça dá à jovem um toque de realeza. O rosto é evidentemente de uma mulher da raça maia, cujas ilustrações e esculturas o médico já viu, nos últimos meses, em mais de uma centena de representações.

Sem obter resposta à sua pergunta, Milton segue a moça, que entra pela mata por uma estreita trilha.

— Espera aí! Aonde pensa que vai? — grita o médico.

Ela se vira. Silenciosamente, mantém o sorriso sedutor, focando Milton nos olhos, e envia a mensagem, que chega clara à mente do homem:

— Siga-me. Vou te levar ao Grande Sacerdote.

Milton assusta-se ao perceber, num flash de intuição, o que está ocorrendo. — Ela está me mandando mensagens telepáticas. Não fala e entretanto compreendo o que ela quer.

Tenta desesperadamente descobrir onde e quando já viu a moça. Um lampejo em sua mente traz a memória da princesa cuja reprodução está no sarcófago na tumba sob a pirâmide.

— Você é a Princesa Kalax...Kalax — esquece-se do nome completo, revelado pelo Dr. Carson.

Ao ouvir as palavras de Milton,. A moça volta-se e, sempre sorrindo, “responde” à sua maneira, isto é, telepáticamente.

— Sim, sou a Princesa Kalax-Malpek-Petel.

O médico assusta-se. Mas...como pode. Se ela é a Princeza Kalax... Tem mais de quinhentos anos! Que pesadelo é este? E para onde estamos indo?

Ele tenta segurá-la pelos ombros, mas ela se esquiva, escapa e corre. Ele a segue em passo acelerado.

Após uma curta caminhada, a picada termina abruptamente e desembocam numa vasta área, ocupada por construções bizarras: pirâmides, colunas, fileiras de muros com aberturas como se fossem portas. Muitas pessoas transitam pelos caminhos calçados, ruas retas muito limpas.

— Onde estamos? Que lugar é este? Os pensamentod vêm naturalmente à sua mente. Respondendo sempre silenciosamente a princesa o informa:

— É a cidade de meu pai, o Grande Sacerdote.

Tomando-o pela mão, avança com determinação por uma das ruas. Passando por entre os moradores do lugar, Milton verifica-se que guardam uma semelhança impressionante com os Maias, vistos nas esculturas.

A rua termina em uma praça, em cujo centro está uma pirâmide. Ao redor, monumentos em forma de serpentes, águias, cavalos alados, tartarugas e jacarés.

— Um jardim zoológico feito em pedra. — O medico permite-se uma brincadeira.

A ausência do doutor Milton Guedes é notada logo ao amanhecer, quando se iniciam os trabalhos dos cientistas e seus auxiliares.

— Mas estivemos conversando ontem à noite até pelas nove horas,. — comenta o Professor Medeiros.

Um dos auxiliares reporta a falta de um dos jipes.

— Onde será que se meteu o doutor Milton?

— Ele estava muito interessado nas ruínas de Malpexe. Será que foi pra lá de madrugada? — O palpite é de Berenice, que se preocupa com o colega de modo particular.

— Pode ser. Jonas, pegue o outro jipe e vamos até lá. — Determina o Professor.

Chegando ao sítio arqueológico de Malpexe, são recebidos pelo arqueólogo.

— Good Morning, good Morning! Ainda bem que você chegaram. Gostaria de saber o que está fazendo o jipe vazio aqui nas ruínas.

— Estamos procurando o Dr. Milton. Ele sumiu do acampamento ontem à noite ou nesta madrugada. Saiu com o jipe. Deve estar por aí.

— Não o vi. O único lugar em que pode estar é na tumba sob a pirâmide. Vamos lá.

Foram os três. Rapidamente, chegaram ao salão principal, local de depósito dos sarcófagos Maias.

— Vejam! — Habituado com a disposição dos objetos no interior da tumba, o arqueólogo vai logo notando as coisas fora do lugar. — A tampa do sarcófago da Princesa Maia está for do lugar!

Ao se aproximarem, o arqueólogo tropeça com uma lanterna elétrica.

— Epa! Esta lanterna não é do meu acampamento.

— É do Doutor Milton. — Informa Berenice.

— Então ele está aqui.

A procura resultou-se infrutífera. Nenhuma pista, nenhum traço, nada do médico.

— Cruz credo! — Exclama Jonas. — Parece que o Dr. Guedes foi para outra dimensão!

As notícias que chegam ao acampamento dos médicos brasileiros pela Internet são desalentadoras.

— A peste já está em Nova York! — Um dos auxiliares informa ao professor Medeiros, assim que ele regressa, com Jonas, do sítio arqueológico. — Como não há meios de detectar os portadores do vírus, foram cancelados todos os vôos do México para os Estados Unidos.

— Mas é impossível fiscalizar todos os vôos de pequenas aeronaves. São milhares de vôos a cada dia. — Comenta o chefe do acampamento. — Sem falar nos ilegais que atravessam a fronteira, muitos provavelmente infectados.

— E o doutor Milton?

— Desapareceu. Sabemos que ele entrou na tumba dos Maias. A pista termina lá dentro. O Professor Carson e seus ajudantes estão todos envolvidos na procura.

— Tenho palpite eu ele foi levado para outra dimensão. — Diz Jonas, entre sério e brincalhão.

— Para com isso, Jonas. Me admira você, um médico de formação estritamente científica, falando em coisas descabidas, não provadas. — Medeiros se mostra irritado com toda a situação, aparentemente fora de controle.

Milton e a Princesa Maia aproximam-se de uma edificação mais imponente, cuja frente se estende por todo o lado leste da imensa praça. Uma construção de pedras sobrepostas, ajustadas em encaixes perfeitos, dispensando qualquer tipo de massa entre as juntas. A técnica, rudimentar mas usada com perícia, é a mesma aplicada em todos os edifícios, inclusive para a alta pirâmide que se ergue ao centro da praça.

— Venha. Aqui é a casa de meu pai, o Grande Sacerdote. — Informa a Princesa, sempre de modo telepático, ao mesmo tempo em que aponta a entrada e atravessa o largo portal. Milton a segue. As botas de tacões altos fazem suas passadas no chão de pedra lisa ecoarem pelo imenso recinto. Faz uma avaliação do recinto. O salão retangular teria a largura de vinte metros por uns cinqüenta de profundidade. Muitas pessoas no recinto, a maioria sentada nos bancos construídos ao longo das paredes laterais. Algumas, de pé, mantêm-se em grupos, conversando. São homens, evidentemente, todos guardando grande semelhança com as figuras humanas gravadas em pedra. São os Maias em carne e osso! — pensa Milton.

Os que estão de pé se viram para observar a moça acompanhada do estranho indivíduo. Alguns que estão sentados se levantam e se aproximam.

No fundo do salão, uma escada com vinte degraus (Milton, observador, conta rapidamente) leva a uma plataforma onde um num trono, também de pedra, assenta-se um homem com porte de rei ou imperador.

A princesa se detém ao pé da escadaria. Abaixa e levanta a cabeça três vez, enquanto se dirige, numa linguagem sincopada, mas com voz melodiosa, ao homem que ocupa o trono. Este lhe responde, na mesma língua, em voz profunda, forte e impostada. A seguir, a moça olha para Milton. Sem dizer-lhe uma palavra sequer (mesmo por que ele nada entenderia daquela estranha linguagem), lhe comunica:

— Este é meu pai, o Grande Sacerdote. Diz que você é bem-vindo. Quer saber quem é você.

Milton compreende que terá de se comunicar através da princesa, e percebe que nem precisa falar com ela, pois a força telepática da moça é tão grande que consegue “ler” os seus pensamentos.

— Sou o Doutor Milton. Mas onde estou? Quem são vocês? Como vim parar aqui? — As perguntas ecoam, urgentes em seu pensamento.

— Você está no palácio do Grande Sacerdote. Ele é a autoridade máxima. Chamamos este local de Malpe-Xe. É a maior reunião de edifícios de toda a região. O Grande Sacerdote, meu pai, chama-se Malpe-xe-Itax. Eu sou a Princesa. Única Filha de Malpe-Xe-Itax.

O Grande Sacerdote interrompe a “conversa” entre os dois. Novamente um dialogo entre pai e filha, que “traduz” ao estupefato visitante.

—“ Doutor” significa curandeiro?

Querendo simplificar as informações, Milton “responde”:

— Sim, sou uma espécie de curador.

Após conversar com o pai, a princesa volta-se para Milton:

— É bom você ser curandeiro. Precisamos de ajuda. Muitas pessoas estão morrendo, doentes da misteriosa doença. Meu pai ordena que você as faça sarar.

O Grande Sacerdote dispensa a Princesa. Pegando Milton pelo Braço, leva-o para uma das portas laterais.

O desaparecimento do doutor Milton Guedes, além da preocupação geral, foi causa de grande desanimo entre os médicos e auxiliares que compunham a equipe. As autoridades foram alertadas e num determinado momento havia um verdadeiro batalhão de soldados vasculhando a região, para desespero do professor Carson.

— Hei! Esperem ai! Não entrem com o jipe nessa área! Estão destruindo meu trabalho. — Gritava constantemente com os homens fardados que, no afã da procura, não respeitavam nada. Mas, batidas todas as trilhas, examinados todos os locais possíveis onde o médico poderia ser encontrado ou, na pior das hipóteses, onde um corpo pudesse ter sido ocultado, nada foi encontrado.

O projeto sofreu com a ausência do médico, pois ele era o maior animador da equipe, e sua competência era incontestável. Alguns da equipe concordavam com sua teoria, segundo a qual a origem da estranha doença tinha ocorrido com a abertura da tumba na pirâmide do sítio arqueológico.

— Já aconteceu coisa parecida com arqueólogos no Egito. — O professor Carson explicava. — Na abertura da Pirâmide de Queops, vários arqueólogos certamente foram infectados com algum organismo, vírus ou bactéria. Pelos menos seis colegas meus morreram atacados de estranho mal, sem diagnóstico na ocasião.

— Quanto tempo o senhor acha que a tumba permaneceu fechada? — pergunta o professor Medeiros.

— Pelo menos mil e quinhentos anos. O desaparecimento da civilização Maia ocorreu entre os anos quinhentos e quinhentos e cinqüenta de nosso tempo. A construção de pirâmides coincidiu com o ápice daquela civilização. Por isso, essa tumba deve ter sido uma das últimas construídas pelos Maias.

— É pouco provável a conservação de um organismo vivo por tão longo tempo, neste ambiente tropical. — Pondera o médico.

— Sim, pouco provável...mas não de todo impossível. — Concluiu o arqueólogo

Apesar de todas as emoções (ou talvez, por isso mesmo), Milton sentiu fome. A princesa percebeu, sem que ele nada precisasse falar. Mudando a direção que tomavam inicialmente, ela o levou, através de corredores compridos, iluminados por aberturas nas paredes laterais sem qualquer proteção, para um outro salão. Era uma sala para refeições. Ao redor da mesa posta, inúmeras pessoas, homens e mulheres, sentados, se serviam dos alimentos. Frutas coloridas, estranhas, olorosas. Algumas travessas e pratos grandes com alimentos preparados. Várias jarras de barro contendo bebida. Ambiente era de cordialidade, as pessoas conversando e servindo-se com as mãos. Não viu talheres nem pratos. Pequenas taças de cerâmica ou de metal eram usadas pelos comensais, que bebiam entre um bocado e outro.

Houve um momento de silêncio quando o casal entrou no recinto. Ela falou alto, sem se dirigir a ninguém em especial. Todos ouviram e voltaram ao banquete.

— Contei que você é curador, veio para salvar nossos doentes.— A mensagem entrou cabeça adentro em Milton. — Agora, vamos comer.

A moça indicou um lugar vago no banco que circulava a enorme mesa, onde os dois se assentaram. Milton reconheceu, no meio das frutas exóticas, alguns abacates e bananas, das quais se serviu sem receio. A moça colocou à frente dele outras frutas, desconhecidas. Percebendo a sua estranheza, passou ela mesma a comer dos frutos, e ele acompanhou-a.

— Hummm. Bom. Muito bom mesmo — Telepaticamente, ele aprovava.

Ela pegou uma espécie de bolo redondo, maior que sua delicada mão, partindo, ofereceu ao visitante. Milton provou um pequeno pedaço. Era uma massa assada, feita de milho, que lembrou as broas de fubá que sua avó fazia. Sempre guiado pela jovem princesa, experimentou todos os pratos. Gostou de alguns, outros achou insonsos e até com gosto de terra. Puxa, matei minha fome! — pensou, e a princesa lhe respondeu com um sorriso.

Conto # 375 da Série Milistórias

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 21/08/2014
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