FRAGMENTOS DO TEMPO - DUQUE E JANDIM
Apesar de não ser um gato de raça pura, Jandim era mimoso, e muito bonito com seu pelo abundante e rajado de preto com cinza. Às vezes me irritava bastante porque ele dormia demais, muito embora não fosse chegado à vida noturna, visto que as gatas não lhe apeteciam, vítima que fora dos caprichos de Mãezinha, que decidira torná-lo eunuco, castrando-lhe o órgão sexual logo que nascera. Jandim não morria de amores por Duque, cachorro vira lata, muito esperto, amoroso e ciumento, o qual não aceitava dividir o amor de sua dona com aquele gato pretensioso. Não obstante graças as nossas intervenções, havia uma trégua entre ambos.
E foi nesse clima que Jandim e Duque foram protagonistas de uma emocionante história. Essa história aconteceu em uma época em que devido não haver frigoríficos nos bairros, pessoas compravam carne e miúdos de gado, e saíam montados sobre um cavalo a vender de porta em porta. Mãezinha constantemente comprava uns miúdos para fazer na janta, era uma mistura de fígado, coração, rins e livro, ficava uma delícia! Só não gostava quando ela saía e me deixava olhando tal guisado, pois normalmente eu esquecia e deixava queimar, visto que aproveitava o tempo que ela não estava, para pular de corda com outras meninas em frente de casa, e para não sofrer uma bronca ou medidas mais severas, por conta da desobediência e negligencia, retirava a parte queimada, lavava tudo e retemperava, pois nesse caso ela apenas se surpreendia com o sabor aguado, segredo esse, que trago até hoje debaixo de sete chaves.
Mas, voltando à narrativa acima. Vale relatar que o vendedor dos miúdos, observando que Jandim ficava ansioso em ganhar algo, e começou a brindá-lo com um pedaço de bofe, a princípio toda vez que era chamado, porém, com o passar do tempo, sempre que passava na rua, visto que o gato normalmente o estava a esperar. Curioso é que a essas alturas já não era só Jandim que o esperava, notadamente porque Duque, observando o movimento, resolveu também participar do benefício, e se postava do outro lado, pronto para receber o seu quinhão, e teve sorte com sua estratégia, pois o caixeiro vendedor arremessava-lhe um pedaço de garganta do boi, e assim, os dois saiam satisfeitos com as suas iguarias.
Porém na vida, tal como nós, os animais também estão sujeitos a contratempos, e foi assim que sem mais nem menos, o vendedor sumiu, e a espera de ambos passou a ser infrutífera. Dava pena vê-los diariamente atentos a estrada, donde esperavam surgir o patrocinador de seus lanches, só largavam o posto de vigília após o por do sol, abatidos e desanimados. Mas eles perseveraram durante muito tempo, até que resolveram desistir.
Um belo dia, já transcorrido aproximadamente uns dois anos, gato e cachorro, ao ouvir uma batida de caixão, correram precipitadamente para o portão da rua, e nós também. Ele voltara, aquele caixeiro moreno, do sorriso bonito, com um dente de ouro estava ali a nossa frente, que alegria para todos nós, falou que estivera enfermo a ponto de ficar internado por um bom tempo em um sanatório de uma cidade vizinha, Porem agora, por está já recuperado, voltara as suas atividades normais.
Mira Maia 04/05/14