Saqueadores do deserto

No meio do deserto de Sahali havia um oásis. A água quente daquele pequeno lago no meio da areia aquecida pelo sol foi a salvação de vários peregrinos vindos do sudoeste em sua jornada para a cidade do deserto, Quirum. Aquela cidade solitária era o ponto de comércio entre os dois reinos nas extremidades da grande massa de areia. Ao lado do oásis, sob a sombra de uma árvore, Krannak sentava sobre o resgate de um rei.

Ao lado de seu lado estava um dos cavalos. A cimitarra estava semienterrada na areia, de forma a não ser vista de longe, mas que pudesse ser pega rapidamente. Não era sábio confiar nos nômades do deserto.

Do horizonte vinham dez sombras brancas. Quatro delas eram seus companheiros. Karum, Niram, Ruam e Kran, saqueadores do pequeno reino de Sarn, a oeste do deserto. Ruam, filho bastardo de uma refugiada dos nômades do deserto, conhecia a língua aquele povo. Karum, o mais velho do bando, ouviu de seus contatos sobre o carregamento sendo levado a Amitra, a leste. Amitra estava em guerra, e como mostra de amizade, e como uma tentativa de não ser um próximo alvo a ser invadido, um baú das mais finas joias foi enviado acompanhado de uma pequena comitiva, para servir como pagamento para o resgate de um membro da família real. Mais informações sobre isso eram irrelevantes. O que de fato importava era que o baú e sua comitiva passariam por Quirum e, para evitar atenção, a comitiva seria composta por alguns poucos soldados. Naquela manhã, doze saqueadores deram início à emboscada. Cinco sobreviveram. Com cavalos roubados, carregaram o baú até aquele oásis. Os nômades eram conhecidos por serem traiçoeiros, então os saqueadores consideraram sábio não levar o baú ao ponto de encontro. Ao invés disso Krannak ficou vigiando o tesouro naquele oásis, enquanto seus companheiros se dirigiam ao ponto de encontro e trariam somente alguns poucos nômades. Agora, somente aquelas onze pessoas sabiam do paradeiro do baú.

Após a chegada dos dez homens, os grupos se separam e ficaram frente a frente, os quatro saqueadores e os seis nômades. Krannak continuava sentado no baú, atrás de seus companheiros. O jovem Ruam deu um passo à frente dos saqueadores, abrindo o dialogo no dialeto nômade. Os nômades pareciam querer intimidá-lo, mas o bastardo não recuou perante o tom acusativo daqueles seis estranhos. Podia-se ver o brilho nos olhos verdes, peculiaridade dos nômades do deserto, pela fenda das suas túnicas, grossas e ocultando seus rostos. Ruam respondia com o mesmo brilho decidido em seus olhos, de um verde mais escuro.

_ Ruam, o que eles estão dizendo? – perguntou Kran, sua mão prudentemente próxima ao cabo de sua cimitarra, embainhada e presa pelo cinto, de forma que a arma ficava às suas costas ao invés da lateral de sua cintura.

_ Eles não querem dividir os espólios. Em vez disso querem todo o baú e em troca vão deixar que atravessemos o deserto. – respondeu Ruam.

Karum olhou para os seis dromedários nos quais os nômades vieram. Sabia que os cavalos nunca conseguiriam chegar ao fim do inferno de areia, mas com aqueles dromedários, pacificamente matando sua sede, eles conseguiriam escapar, se tivessem a sorte de não cruzar com outros nômades.

Uma curta troca de palavras entre Ruam e o líder nômade e as cimitarras foram desembainhadas. Com um rápido movimento com a perna, Krannak chutou o cabo da espada em direção a sua mão esquerda, a direita puxando a adaga que trazia na cintura.

Os nômades passam a vida viajando de um ponto a outro do deserto. Por uma questão de portabilidade, suas cimitarras são apenas um pouco maiores que o antebraço de uma pessoa, em comparação às portadas pelos povos à margem do deserto, com cimitarras mais longas e finas, quase da extensão de uma perna. Se a diferença de envergadura traria dificuldade aos guerreiros nômades, seria compensada pela velocidade, resistência e maneabilidade que tais cimitarras curtas permitiam, como puderam constatar os velhos olhos de Karum.

Com a cimitarra à frente, de forma a permitir uma rápida estocada, Karum preparava, jogando o peso na perna de trás, uma estocada certeira no nômade mais rápido, vindo em sua direção enquanto os outros nômades avançavam contra os outros saqueadores. O nômade vinha em velocidade constante e então, faltando um passo para entrar no alcance de Karum, o nômade curvou seu corpo e num rápido impulso avançou em velocidade maior. Pego de surpresa, Karum atacou, mas a estocada veio tarde demais. Quando a cimitarra entrou em movimento, a cimitarra menor já vinha em sua direção. Num rápido ataque lateral, o nômade desviara a espada do saqueador para o lado. Em outro rápido ataque lateral, dessa vez no sentido oposto, a ponta da cimitarra atingiu o pescoço de Karum. O corte não foi profundo, mas foi o suficiente para ser fatal. Com a mão esquerda na garganta, sua mão direita fazia cortes desesperados no ar, enquanto dava passadas para trás. O moribundo caiu pra trás, engasgado com o próprio sangue, sem perceber que o nômade já se afastara e avançava agora em direção a Ruam, que enfrentava sozinho dois inimigos.

Do outro lado do oásis outro nômade rumava em direção a Kran, afastando-se da contenda com passos laterais. Antes que o nômade o alcançasse, Kran jogou areia em direção ao seu rosto. Com a mão livre o nômade tentou proteger os olhos, com sucesso, mas havia perdido velocidade e agora o truculento saqueador era quem avançava, com grandes e rápidos golpes. O nômade podia ver os golpes, mas com sua arma curta não podia contra-atacar, limitando-se a recuar em direção à palmeira onde estavam amarrados os dromedários.

Poucos metros dali, Ruam parecia um rato, fugindo dos ataques dos nômades vez em pé, vez com o braço apoiado no chão, tentando a todo custo não deixar que o cercassem. Conseguiu puxar com o braço esquerdo a manga de um deles, empurrando-o em direção ao outro. Aproveitou a brecha e correu em direção aos cavalos. Teria que utilizar o que conseguisse para vencê-los. Principalmente agora que, ao agarrar a manga do nômade, ferira o braço na lâmina inimiga.

O nômade que assassinou Karum não chegou a alcançar Ruam. Percebendo uma movimentação pelo canto do olho, virou o rosto para averiguar e por apenas centímetros não foi cegado pela adaga de Krannak. Com a outra mão Krannak fez um grande ataque circular visando decepar a cabeça do nômade, que dobrando as pernas e se inclinando pra trás, fez com que o golpe atingisse somente a parte da túnica que cobria a sua cabeça. A esquiva improvisada fez o nômade cair pra trás. Krannak levantou a cimitarra para o golpe final, mas antes que o golpe viesse o nômade abriu um corte em sua perna, fazendo com que o saqueador perdesse o equilíbrio. O golpe que deceparia a cabeça do nômade no chão acabou atingindo o braço. O nômade virou-se e disparou desajeitadamente em direção à água, o braço, ferido até o osso, junto ao peito. Atrás dele vinha mancando Krannak. O corte em sua perna não era tão profundo, mas agora o saqueador não conseguia fixar o pé direito no chão.

Niram parecia nem sequer respirar. O nômade a frente circulava-o devagar, procurando uma brecha. O saqueador estava de lado, cimitarra baixa, em direção oposta ao do nômade. O adversário sentia que poderia atacar, mas temia um rápido contra-ataque do adversário.

O adversário de Kran trombou com as costas na palmeira. Ao seu lado os dromedários começavam a se agitar, pressentindo perigo. Com um golpe violento, Kran tentou aproveitar que o nômade não podia mais recuar e disparou um golpe vertical utilizando as duas mãos. O impacto foi tal que tudo o que o nômade pode fazer foi erguer sua própria cimitarra para tentar rechaçar o golpe. Conseguiu evitar o golpe fatal, fazendo com que o golpe desviasse e atingisse a corda atrás de si, porém a cimitarra voou de sua mão, caindo na areia ao seu lado. Afastando a perna de trás, Kran desferiu um novo golpe, dessa vez na diagonal, indo de baixo para cima. O impacto foi tamanho que atravessou diversas costelas do nômade, tirando seu corpo inteiro do chão por um momento, para seu corpo inerte cair em seguida com o rosto voltado para o chão.

A alguns metros dali os cavalos se agitavam. Ruam tentou usá-los como barreira, buscando enfrentar um nômade de cada vez. Porém, um golpe inimigo visando o braço com que o saqueador segurava a cimitarra atingiu um dos cavalos. Com um relincho, o animal disparou, fazendo com que os outros cavalos fizessem o mesmo. O estouro dos cavalos derrubou Ruam na areia do deserto. Antes que percebesse que havia caído, sentiu uma dor no peito. Ergueu a cabeça e encontrou a curta cimitarra de um dos nômades enterrada em seu corpo. Seus olhos cruzaram com os do nômade, e não viram mais nada. Com um salto, o nômade pegou a cimitarra do segundo adversário de Ruam, que não conseguiu se desviar dos cavalos vindos em sua direção, sendo pisoteado.

Krannak não chegou a notar os cavalos passando às suas costas. Finalmente alcançara o nômade e agora estava sobre ele nas águas do oásis. Com o braço ferido o adversário tentava afastar o punho de Krannak, que tentava enterrar a adaga em sua garganta. O suor escorria pelo rosto do saqueador enquanto a sua arma lentamente se aproximava do pescoço inimigo. Os olhos do nômade se arregalaram quando este sentiu a fria lâmina penetrando em seu pescoço. Seu braço falhou. A adaga por fim atravessou sua garganta, tingindo a água de vermelho.

Os cavalos passaram em disparada atrás de Niram, tendo um deles atingido a ponta da sua longa cimitarra. Surpreso, o saqueador desviou o olhar por um segundo. Um segundo foi tempo o suficiente para a estocada. Niram percebeu o ataque, mas não rápido o suficiente para que pudesse fazer algo a respeito. A cimitarra o atingiu no pescoço. O saqueador caiu para trás, agonizando na areia que fora pisada pelos cavalos. Não houve golpe de misericórdia. O nômade disparou em direção a Kran, de costas para ele e distraído com o assassino de Ruam.

Krannak tentou interceptar o ataque, mas sua perna ferida não o permitiu correr. Tudo o que o saqueador pôde fazer foi assistir seu último companheiro vivo ter o tronco trespassado pela cimitarra. Em choque pelo ataque repentino, Kran nada fez enquanto o nômade com quem acabara se distraindo fincasse a cimitarra em sua barriga.

Um segundo se passou com aquelas três pessoas ali paradas. Então Kran segurou o braço com que o nômade a sua frente segurava sua arma. Com o braço livre, o saqueador, com um último e violento golpe, decepou sua cabeça. Ainda com as duas cimitarras enterradas em seu corpo, virou-se para o último inimigo. Deu dois passos pra frente. Seus olhos demonstravam uma persistência que seu corpo não podia mais acompanhar. Tudo o que pode fazer foi esboçar um sorriso ao ver que o nômade, impressionado por o saqueador ainda estar em pé, não notara a chegada de Krannak pelas costas, utilizando o mesmo ataque surpresa que atingiu o gigantesco saqueador, que agora morria.

Mancando, Krannak se sentou no baú. Olhou para o corte em sua perna. O sangue escorria até chegar a seu pé. Olhou em volta. Só pôde ver o horizonte. Os cavalos fugiram e os camelos acabaram sendo soltos em algum momento da contenda, provavelmente voltando aos seus donos. Os mantimentos estavam com os cavalos. Estava sozinho. Ao seu redor só havia os mortos. Sob ele estava o resgate de um rei.