O cavaleiro prateado

Arond abriu os olhos e viu uma poça de sangue e lama. Estava caído. Não sabia o que havia o atingido, mas sua cabeça rodava e seu corpo parecia não responder direito. A cabeça ardia. Passou a mão formigante na cabeça e olhou para a palma. Sangue. Algo o atingiu. Não sabia se o golpe fora inimigo ou amigo. Ninguém mais sabia que lado era o que. Lembrou-se da conversa de horas antes. Estavam reunidos em acampamento, a beira da floresta. Os inimigos haviam se escondido e feito sua última linha de defesa lá dentro. Caçando-os estava Harte Vanstaal, o glorioso cavaleiro de prata, sentado em frente a um mapa em toda a majestade da tradicional família Vanstaal. Ser um comandado dos Vanstaal tinha duas garantias, o de uma empreitada segura para os de alta patente, pois uma família poderosa e aristocrática nunca colocaria um de seus membros em uma vanguarda suicida, e a de que as missões seriam cumpridas da forma mais esplendorosa possível. A vitória não era a prioridade de um Vanstaal, histórias que divulgassem seu brasão eram a prioridade. Arond já havia servido a seres do tipo. Sabia que isso significada missões relativamente simples cumpridas ineficientemente a um custo de recursos e vidas. Felizmente, Arond era um simples arqueiro, e as vidas desperdiçadas costumavam ser a dos guerreiros mal equipados que eram postos à frente da tropa.

Cuspiu um pouco da água suja da poça na qual caiu de cara, tateando o chão, tentando erguer o corpo já pesado. Ouvia o barulho da carnificina. As risadas que ouvira naquela mesma manhã pareciam distantes, como algo ocorrido em outra vida. Aguardavam então em frente à floresta. Harte Vanstaal à frente. Sua armadura prateada, adornada com filigrana, reluzia ao sol. Ao redor de Arond os soldados riam. Preparavam-se para invadir a floresta e matar os traidores. Ninguém sabia a quem haviam traído, e ninguém se importava. Um cavaleiro tinha sido enviado para matar inimigos, e inimigos seriam mortos. Arond não se importava com isso, se importava com a floresta. A furtividade do arqueiro o manteria incógnito se aventurando sozinho, mas uma tropa nunca poderia se esgueirar por entre as árvores efetivamente, e invadir levianamente a floresta, como estavam fazendo, era pedir para cair em uma emboscada. Não ousou comentar. Um arqueiro qualquer não se dirige a um cavaleiro aristocrata. Um arqueiro qualquer luta e morre como o ordenado. Parecia ser esse o desfecho disso tudo.

Ouvia, em meio a gritos, um riacho em algum lugar. Não sabia aonde, tudo parecia rodar. Devia ser o mesmo riacho que ele viu ao adentrar a floresta. Naquele momento ele já percebera que a mata fechada impossibilitava ver à distância. A experiência dizia a Arond que um arqueiro experiente e bem escondido eliminaria meia dúzia de soldados antes de ser localizado. Deuses, Arond já havia matado mais gente sem ser localizado. Vasculhava com os olhos galhos grossos com muitas folhas, boas camuflagens para um arqueiro a postos.

Onde estava o poderoso Harte Vanstaal agora, afinal? Adentrando a floresta, ele tomou a frente. Antes disso preferiu a invasão a um sítio. Por fim jogou a tropa em uma emboscada. Arond não viu de onde veio a primeira flecha, só ouviu um grito vindo de algum lugar. Os inimigos haviam pacientemente esperado até que a tropa do cavaleiro prateado estivesse no lugar certo. Arqueiros começaram a atirar das árvores mais altas. Guerreiros cobertos de lama e folhas se levantaram e partiram para o ataque. A gloriosa tropa de Harte Vanstaal estava cercada. Um bando rebelde estava chacinando um grupo três vezes maior. Onde estava o poderoso Harte Vanstaal agora?

Começou a se arrastar em direção ao riacho. Se conseguisse chegar até lá, poderia usar o riacho para escapar, com sorte sendo confundido com um cadáver boiando rio abaixo. Foi se arrastando lentamente, não tinha interesse nesta batalha, não importa quem vencesse. Percebeu algo brilhando em meio às árvores. Finalmente localizou Harte Vanstaal.

O sol passando pela folha das árvores reluzia em sua armadura prateada. Seu elmo já não estava em sua cabeça e seus longos cabelos loiros haviam se desprendido, voando furiosamente à medida que o nobre estocava e defendia. Parecia um deus se comparado aos inimigos, cobertos de lama e folhas usadas como camuflagem. Um após outro seus adversários caiam frente sua fúria.

Então de uma árvore veio a flecha. Harte Vanstaal deu um passo em falso com o impacto. Ao tentar virar o rosto para ver de onde vinha a dor, seu rosto roçou no cabo da flecha alojada em seu pescoço. Um novo adversário tentou aproveitar a abertura. Harte Vanstaal cuspiu sangue ao rechaçar o ataque. Deu passos vacilantes para o lado. Suas pernas fraquejaram e ele caiu sob um joelho. À sua volta seus comandados morriam. Sua cabeça foi levemente se abaixando. Seu braço foi levemente perdendo a força. Os inimigos recobraram a coragem. Arond fugiu.