Uma Luz na Escuridão

Franz Vogler parou uma frase no meio, caneca de café na mão.

- Ouviu isso?

Egon Reiniger, mecânico, lanterna na boca e metade do corpo enfiado no motor aberto de um Albatros C.VII convertido em cargueiro, resmungou alguma coisa em resposta.

- De novo. Está voando em círculos - analisou Vogler, olhos no céu encoberto, preto como tinta nanquim.

Reiniger emergiu do motor e tirou a lanterna da boca.

- Alguém escolheu uma péssima noite para voar.

- Melhor ligar as luzes antes que caia - decidiu-se Vogler. E saiu correndo para a sala de controle do campo de pouso.

Reiniger ficou parado ao lado do Albatros, lanterna apontada para o alto, como se aquele ponto luminoso pudesse ser visto por alguém lá em cima. E então o sistema de iluminação do campo Tempelhof ganhou vida: uma grande placa de vidro grosso, enterrada no centro da pista de aterragem, acendeu-se e projetou um facho de luz branca para as nuvens. Cerca de 75 m à oeste do projetor central, uma lâmpada vermelha piscando no solo indicava a direção do vento. Só restava agora aguardar que o avião descesse o suficiente para discernir os sinais luminosos.

- Lá vem ele - murmurou Reiniger, mão em pala sobre os olhos.

Um biplano solitário emergiu das nuvens, baixando em direção ao campo de pouso. Vogler estava voltando da sala de controle e trazia uma carabina nas mãos.

- Não é dos nossos - observou.

- Não é inglês, nem francês. Muito menos russo - opinou Reiniger.

O biplano, equipado com flutuadores para amaragem, parecia não estar apto para o pouso num campo de grama, parcialmente coberto de neve, mas a manobra foi realizada de forma precisa e elegante. O aparelho fez uma curva e parou com a hélice apontada para a sala de controle da base aérea. Reiniger e Vogler, com a carabina engatilhada, aproximaram-se, enquanto o piloto preparava-se para descer da carlinga.

- Identifique-se! - Gritou Vogler.

- Tenente Anton Bjarnesen, Corpo Aéreo do Exército Dinamarquês! - Respondeu o piloto num alemão irrepreensível.

- Você veio da Dinamarca com um tempo desses? - Admirou-se Reiniger.

- Assim é - respondeu Bjarnesen. E voltando-se para Vogler:

- Importaria-se em baixar essa arma? Meu país manteve-se neutro durante a guerra.

Após um momento de hesitação, Vogler travou a carabina e pendurou-a no ombro.

- O que está fazendo aqui, dinamarquês? - Inquiriu.

- Vim buscar uma passageira, uma representante da Cruz Vermelha. Precisam dela em Copenhague.

- Devem precisar muito, - ponderou Vogler - para mandar alguém vir buscá-la no meio da noite. Enfim, toma um café conosco?

- Naturalmente! - Retrucou Bjarnesen, pulando da asa do biplano para o chão.

Vogler estendeu a mão e fez as apresentações:

- Eu sou Franz Vogler, encarregado do turno da noite. E este é Egon Reiniger, mecânico.

Apertaram-se as mãos.

- Espero que tenha seus papéis em mãos, tenente Bjarnesen. Como deve saber, a situação aqui em Berlim ainda está um pouco tumultuada. Acabamos de sufocar uma intentona comunista...

- Estou ciente, mas tenho todos os papéis comigo - respondeu o dinamarquês, enquanto caminhavam para a sala de controle.

- Ótimo! Darei uma olhada neles, antes que a sua passageira chegue.

- E como conseguiu pousar num campo coberto de neve com esses flutuadores? - Indagou o mecânico.

- Ah! É um truque dinamarquês - riu-se Bjarnesen. - Colocamos esquis sob os flutuadores, assim podemos pousar tanto na água quanto na neve.

- Muito engenhoso! - Aprovou Reiniger.

E com Vogler à frente, entraram na sala de controle do campo Tempelhof.

[07-12-2013]