Ping Heng - A Ordem Capítulo VI

Reconciliação

Já era sexta-feira e Arthur acordou determinado a fazer as pazes com o irmão. Não que isso lhe agradasse. Simplesmente não aguentava mais ficar sem atazaná-lo. E, embora não quisesse admitir, talvez ele precisasse de informações que Andrew talvez tivesse. Informações sobre o pingente.

Fazer as pazes, porém, não queria dizer que Arthur quisesse pedir desculpas. Significava, apenas, que ele iria voltar a falar com ele, da forma pouco agradável que sempre fazia. Andrew, porém, não parecia tão disposto a aceitar as desculpas não pronunciadas de Arthur. Mantinha-se calado. Parecia triste.

Arthur decidiu, então, começar devagar:

-Passa o bacon, pirralho.

Andrew ergueu os olhos e encarou Arthur reprovadoramente, entendendo a intenção do irmão, pouco interessado em facilitar as coisas pra ele. Voltou a baixar os olhos para o prato.

Arthur respirou fundo.

-Qual é, vai mesmo fazer birrinha¿

Andrew permaneceu indiferente.

-Por favor, Andrew, me passa a droga do bacon.

Não completamente satisfeito, mas sabendo que aquilo seria o mais próximo de um pedidos de desculpas que conseguiria arrancar de Arthur, Andrew cedeu.

- Obrigado.

Fazia tanto tempo que Arthur não lhe dizia palavras como “por favor” ou “obrigado” que ele mal pôde conter um pequeno sorriso.

- O que você quer, Arthur¿

- Huum... Eu só queria o bacon, mesmo.

- Nós dois sabemos que você jamais pediria por favor se estivesse querendo só o bacon. O seu “obrigado”, inclusive, me faz pensar que é algo importante.

Arthur encarou o irmão por uns instantes. Era difícil acreditar que criaturas tão diferentes pudessem ter sido geradas em um memo ventre. Eu quero que você me desculpe.

- Sabe alguma coisa sobre o pingente¿

- É um símbolo chinês. Representa o equilíbrio entre as forças opostas do universo: o bem e o mal; o masculino e o feminino; o branco e o preto. Tem a ver com a filosofia de Lao Tsé. Mas creio que não esteja interessado em filosofias. Você quer, assim como eu, e como os outros, saber porque todos nós recebemos o pingente e, em seguida fomos convidados a ir àquele acampamento. Também quero saber por que motivo isso nos intriga tanto. Por que esperamos respostas em vez de deixar passar como se fosse algo normal. Por que sentimos que não é normal. E por que não podemos compartilhar com os outros que não foram abordados.

Arthur olhou em volta, certificando-se de que Nana não estava por perto.

- Então você não sabe muito mais do que eu. Acha que vão nos dar a resposta no acampamento¿

- Então você decidiu ir¿ - Andrew sorriu.

Arthur praguejou ao notar a falha.

- Você não respondeu...

- Eu não tenho ideia, Arthur. Mas espero que sim. De qualquer forma, fico feliz por você ter tomado a decisão correta. Tomei a liberdade de pedir à Nana que assinasse uma cópia da autorização, porque eu tinha certeza de que você perderia a sua, e teria de falsificar uma assinatura de última hora.

Arthur riu.

- Parabéns, irmãozinho, você é mesmo um sabichão.

Preparativos

O domingo chegou mais rápido do que o esperado. Mais rápido do que o desejado. Cada um dos futuros campistas ocupava-se em arrumar as malas para o acampamento. Era um negócio complicado, visto que passariam dois meses fora, incomunicáveis, e que não sabiam direito com que tipo de ambiente teriam de lidar. Ao fim do trabalho, cada um viu-se com malas gigantes, lotadas de coisas úteis, possivelmente úteis e improvavelmente úteis, além das completamente inúteis que levariam apenas por segurança caso... caso aparecesse alguma utilidade para elas.

Embora não soubessem, um laço já se formava entre eles. Compartilhavam do mesmo medo e ansiedade, da mesma dúvida, embora tivessem problemas diferentes.

Shaíra não queria ter de deixar a mãe sozinha. Sabia que a mãe também não queria ser deixada. A mãe sabia, porém, que Shaíra não a deixaria se não fosse por uma boa razão, embora Shaíra não quisesse compartilhar com ela os motivos que a levaram a atender ao convite – ou teria sido intimação¿ - e ficar fora de casa por tanto tempo. Mas nem mesmo Shaíra entendia essa necessidade de ir ao acampamento, um sentimento mais forte do que ela, que a arrastaria para longe de sua mãe por longos dois meses, durante os quais ela teria de se contentar com a lembrança do último beijo que a mãe lhe dera, antes de sair, seu sorriso e seus olhos tristes, ao vê-la indo embora.

Iara levou algum tempo para conseguir se livrar dos abraços e beijos do primos e tios, das advertências para tomar cuidado, e dos “vamos sentir saudades”. Em outras situações, ficaria feliz em poder ir acampar, sair da loucura da cidade. Entretanto, teria de ficar fora por tempo demais, longe de todos que amava, contando apenas com a companhia dos “especiais” – com os quais ela jamais trocara palavra -, e de seja lá quem fosse ficar responsável por eles. Seria uma experiência e tanto, não tinha dúvidas. Se boa ou ruim, não podia ter certeza.

Mellany olhou para trás mais uma vez, tentando decidir se havia mais alguma coisa para ser levada. Ou talvez estivesse apenas relutando em ter de deixar mais alguma coisa. Por fim, resolveu que de nada adiantaria enrolar mais. Encontrou a mãe em sua poltrona, de onde raras vezes saía, o olhar perdido, como se a alma estivesse bem longe do corpo. Mellany lhe deu um beijo rápido, detendo-se, por um instante, nos olhos perdidos da mãe. Mas não pôde encará-la mais, porque seu coração doía muito. Saiu e fechou a porta do quarto. Sobre a mesa, deixou um bilhete para a tia que chegaria dali a pouco: “Cuida dela”. Pegou as malas e foi-se, dessa vez sem olhar pra trás.

Hideki não tinha muita gente de quem se despedir. Apenas o sensei, seu tutor. Fez-lhe uma mesura respeitosa, após ouvir atentamente aos últimos conselhos do sábio senhor oriental que lhe servira como pai por toda a vida. “Lembre-se, respeito e disciplina devem ser mostrados em todo o lugar, inclusive nesse acampamento. Espero que se comporte adequadamente”. O único problema é que Hideki não tinha muita certeza sobre qual seria a maneira adequada para se comportar nessa situação. Dickens lhe dissera que todas as suas perguntas seriam respondidas no momento oportuno. Hideki aguardava esse momento ansiosamente.

Nana não parou de falar um minuto durante o café da manhã, esperando garantir que todas as suas recomendações fossem seguidas, embora ela soubesse que Arthur nunca fora do tipo de seguir qualquer instrução. Por fim, com os olhos cheios de lágrimas, beijou e abraçou Andrew, finalizando com um breve “Cuide do cabeça oca do seu irmão por mim”. Arthur, o cabeça oca, abraçou-a com força e deu-lhe um grande beijo na bochecha. Como poderia sobreviver dois meses longe da babá, depois de uma vida inteira sob seus cuidados, isso ele não sabia.

- “Não apronte muito, Arthur, cabeça oca.

Arthur sorriu. Não apronte e Arthur não se encaixavam bem na mesma frase.

Gabi Correia
Enviado por Gabi Correia em 17/11/2013
Código do texto: T4574510
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