Ping Heng - A Ordem Capítulo V

Discussão

Arthur, Andrew e Nana jantavam. Ou melhor, Andrew e Nana jantavam, enquanto Arthur mexia na comida, sem muita animação. Andrew, pelo contrário, parecia faminto, e agitado, e acabou fazendo justamente o que Arthur temia:

- Nana, preciso que assine essa autorização pra mim. – Ele tirou o papel do bolso e entregou-o a Nana.

- Huum, aluno especial, convocado pra ir a um acampamento. Estou orgulhosa de você, querido. Mas, talvez fosse melhor ligar para os seus pais perguntando se você pode ir, antes de eu assinar.

Andrew baixou a cabeça, decepcionado, e Arthur disse justamente o que ele estava pensando, mas jamais teria coragem de dizer:

- Pra quê, Nana¿ Eles não se importam com nada do que a gente faz. Provavelmente não vão nem ficar sabendo que nós fomos ao acampamento, e se souberem não vão ligar a mínima.

- “Nós”¿ - Perguntou Nana, intrigada – Quer dizer que você também foi um dos alunos especiais selecionados pra irem ao acampamento¿

Só então Arthur percebeu o erro. Droga.

- Fui selecionado, mas não sei se vou a esse acampamento, tenho que pensar.

- Pensar, Arthur¿ - Exclamou Andrew – Pensar¿ Você não tem nenhuma opção, como disse a Srta. Zhou, não tem no que pensar, você precisa ir.

- Existe uma diferença muito grande entre o que eu preciso fazer e o que eu quero e vou fazer.

- Se você não for vai ser expulso! Expulso no último ano!

- E daí¿ Que importa¿ Não pode ser tão ruim, só vou mudar de escola!

- Arthur, como você é idiota! Não percebe que você está destruindo a sua vida e que a sua atitude não vai fazer os nossos pais nos amarem¿ - Andrew se calou. Havia ido longe demais. Tocara na ferida de Arthur. Na ferida dos dois. E agora se arrependia.

Arthur encarou o irmão por um momento, mas não tinha nenhuma resposta. Sim, eu percebi. Andrew estava certo. Seus pais nunca os amaram, nem iriam amar. Levantou-se, e virou-se pra sair.

- Arthur, me desculpe, sério, eu não queria ter dito aquilo. Por favor, não para de falar comigo agora, ainda precisamos conversar sobre o yin... – Andrew se deteve, e Arthur parou. Não continue, idiota, a Nana não pode saber. – Sobre aquilo. – Completou Andrew.

Mas Arthur estava magoado de mais pra se importar com um pingente idiota.

- Converse sobre aquilo com seus amiguinhos estranhos que vão ter que te aturar no acampamento.

- Arthur – Nana interviu -, por favor, seu irmão precisa falar com você, será que poderia ouvi-lo pelo menos uma vez¿

Mas ele não podia. Já estava trancando a porta de seu quarto.

O celular estava tocando. Era o Joe. Ah, qual é, que foi agora¿

- Alô¿

- E aí, Arthur, amigo velho, vamos beber um pouco hoje¿

- Não, não vai dar.

- O quê¿¿¿ Por que não¿ ‘Cê tá doente¿

- Não, é que eu tenho que resolver um problema.

- Posso ajudar em alguma coisa¿

- Não, cara, valeu, mas esse é um problema que eu tenho que resolver... –Com meu irmão, droga! - ... sozinho.

- Arthur, tá tudo bem¿ Você tá muito estranho, tô preocupado, de verdade.

- Relaxa, tá tudo bem – Que mentira!

- Se você tá dizendo... Falou então, boa sorte com o seu problema. Até amanhã

- Valeu, Joe, até.

Arthur desligou, mas continuou ali, olhando o telefone. Estava lembrando da mensagem que recebera ontem. Ontem já parecia tão longe. Tirou a corrente do pescoço, olhou-a por um momento e colocou-a sobre o criado mudo. Olhando de novo pra ela, ele teve vontade de jogá-la pela janela. Mas, em vez disso, ele fechou a janela. O que tá acontecendo comigo¿

Ele se deitou e fechou os olhos, mas sabia que não conseguiria dormir tão cedo. Tudo o que a garota oriental tinha dito, o que a diretora tinha dito, o que Andrew tinha dito... todas as palavras eram um turbilhão em sua mente. Pela primeira vez na vida ele teria que fazer o que precisava fazer, e não o que queria.

Perguntas difíceis

No café da manhã, Nana notou que os dois irmãos estavam com os olhos vermelhos, sinal de que provavelmente não haviam dormido. Eles já haviam brigado antes, sem nunca ficarem perturbados a ponto de não conseguirem dormir, portanto ela não tinha ideia do que os incomodava. Arthur surpreendeu-a pedindo que assinasse a autorização do acampamento. Ela percebeu a alegria contida de Andrew, e a relutância em admitir o erro de Arthur, e ela mesma teve de conter sua felicidade e estranheza por ver Arthur tomando uma atitude correta. Bom garoto. Você ainda tem futuro.

Arthur não falou com Andrew no trajeto da escola. Ele odiava quando tinha de fazer algo que o irmão sugeria.

Ao chegar à escola, ambos notaram que os alunos que haviam estado na sala da diretora no dia anterior pareciam ter dormido tão pouco quanto eles. A diretora lhes dera muito no que pensar. Parecia ser uma coisa simples, mas muito bem planejada, irritantemente confusa, que dava uma curiosidade de dar nos nervos.

Não foram só os alunos convocados ao acampamento que notaram os colegas com olhos vermelhos. Arthur descobriu isso quando foi abordado por um Joe muito sério – o que era muito estranho – acompanhado de um Greg também sério – o que era duplamente estranho:

- Precisamos conversar, Battlelfield.

Lá vêm mais perguntas difíceis, como se eu já não tivesse problemas suficientes.

- Que foi¿

- Como assim “que foi”, “mermão”¿ Você e todo o povo que tavam na diretoria estão com os olhos muito vermelhos e olheiras horríveis, o que é, no mínimo, uma coincidência estranha.

- Tá, e daí¿

- Isso só pode significar uma coisa.

- Tipo... o quê¿

Foi a vez de Greg acusá-lo:

- Tipo que você reuniu uma nova galerinha pra levar pro mau caminho e nem convidou a gente pra participar! Você nos trocou, jogou a gente pro escanteio, cara! –Ele parecia realmente ofendido, mas Arthur riu.

- Ah, não, sério¿ Vocês acham mesmo que eu ia reunir a galerinha do bem “pra levar pro mau caminho”, tipo um motim contra vocês¿ Ah, qual é, eles são só nerds.

- Ai, a gata gótica não é nem um pouquinho nerd e também não é alguém que eu consideraria como membro da “galerinha do bem”...

- Tá, tanto faz.

Greg não se contentou:

- Tu tá saindo com ela, não tá¿

- Quê¿ Não!

- Ah, não¿ - perguntou Joe, cético.

- Não! Eu nem sei o nome dela!

- Isso nunca foi um problema pra você, Arthur. Pelo menos não costumava ser. Nada era problema pra você. Só que ontem eu te liguei e você recusou meu convite de ir ao bar dizendo que tava com um problema!

- Aí, a gata gótica te deu um fora¿ - chutou Greg.

- Impossível! Eu nunca levei um fora.

- Então qual é a dessa “galerinha do bem” reunida na diretoria¿ Foram eles que resolveram te botar na linha, é¿

- Não! Olha, não vou esconder de vocês, mas, por favor, não riam, isso já está sendo bastante difícil pra mim. – Ele não poderia contar toda a verdade, mas parte dela seria suficiente - Os alunos que foram à diretoria ontem foram selecionados pra irem a um acampamento. Só que não nos deram muita opção, foi tipo “parabéns, otários, vocês têm que ir a um acampamento idiota”.

Como Arthur esperava, eles começaram a rir, tipo, muito. Talvez as risadas causem dor de barriga e eles parem de perguntar.

- Aí, Arthur, te pegaram de jeito, hen¿ Vai ficar de castigo com os bonzinhos, essa é boa.

- Mas o que isso tem a ver com os olhos vermelhos¿ - Perguntou Greg.

Touché. Eu sempre subestimo a esperteza desses caras. Mas Arthur era perito em desculpas, portanto, sorrindo tranquilamente respondeu:

- Bom, parece que eu não fui o único a ter pesadelos com um acampamento babaca e sem internet.

Arthur não sentou-se à mesa para jantar. Pediu à Nana que fizesse um lanche e foi comer em seu quarto. Não queria ter de encarar o irmão durante a refeição. O que mais machucava Arthur era saber que o irmão tinha razão. Agir daquela maneira jamais conquistaria o amor de seus pais. Na verdade, não importava de que maneira agir, não conquistaria o amor dos pais de forma alguma. Os pais só amavam o dinheiro, suas empresa, e o dinheiro, de novo.

Nada disso fazia com que Arthur se sentisse com mais vontade de ir ao tal acampamento. “Uma última e desesperada tentativa de te tornar uma pessoa melhor”. Um ultimato ao “delinquentezinho”.

E o pingente¿ Poderia simplesmente esquecê-lo, e conviver com o fato de que nunca saberia seu significado¿ Ou acabaria no acampamento em busca de respostas, vencido pela curiosidade¿ E os outros¿ Iriam ao acampamento¿ O que influenciaria em sua decisão¿

Embora Arthur não pudesse saber, eles todos estavam pensando a mesma coisa.

Gabi Correia
Enviado por Gabi Correia em 16/11/2013
Código do texto: T4573458
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