Ping Heng - A Ordem Capítulo III
Shaíra Makena
Shaíra sentava-se diante da mãe, sem conseguir tocar o café da manhã.
- O que houve, minha filha, não quer comer¿
- Não estou com fome.
- O que a está preocupando, querida¿
Shaíra encarou a mãe por um momento. Ela queria contar, mas algo – algo que ela desconhecia – a impedia de fazê-lo.
- É a apresentação de balé no sábado.
- Ah, não se preocupe tanto, você vai estar maravilhosa, como sempre esteve em suas apresentações. Tenho certeza. Agora, coma.
Shaira mordeu o pão, sem sentir o gosto. O pingente preto e branco parecia queimar sua pele por baixo da camiseta, e era só disso que ela tinha consciência.
Olhou mais uma vez a mãe, com sua pele escura, olhos grandes e castanhos, cabelos cacheados – era como se se olhasse num espelho. Um sorriso parecia ter sido entalhado no rosto da mãe. A mãe nunca deixava de sorrir, mesmo nas horas mais difíceis. Mas, depois da morte do pai, o sorriso não tinha mais o mesmo brilho. Se ele não tivesse ido àquela festa, se não tivesse bebido tanto, se não tivesse teimado em dirigir bêbado, talvez o sorriso da mãe ainda fosse o mesmo. Porém, tudo o que restara, fora um sorriso cansado e opaco.
“O mundo precisa de você, Shaíra”, dissera a garota de branco, na tarde anterior. Pra que o mundo precisaria de uma garota de 11 anos¿ Não importava. A apresentação de balé estava se aproximando, e ela não podia deixar que nada a distraísse. E “nada”, incluía aquele pingente estranho.
- Shaíra, se não vai comer, então pegue a mochila e vamos indo, se não você vai chegar atrasada na escola.
Mellany Perez
Mellany terminou de passar a maquiagem escura em torno dos olhos, ajeitou o penteado para que as mechas vermelhas se destacassem mais no cabelo preto. Colocou um pircieng de argola no nariz, pegou a jaqueta de couro preto, vestiu-a. puxou a manga direita até quase a altura do cotovelo, para que o bracelete com espinhos de metal pudesse ficar visível. Constatou que a camiseta roxa com estampa de caveira estava um pouco curta. Perfeito.
Agora, vejamos, já peguei a maquiagem, o celular, os fones de ouvido... Acho que tá faltando alguma coisa... Ah, claro, meus cadernos e livros. Coisa inútil.
Terminando de arrumar a mochila, foi até a porta e abriu-a. Hesitou por um momento e voltou a fechá-la. Pegou a corrente que a garota oriental lhe dera ontem e colocou no pescoço, escondendo-o embaixo da camiseta.
Ia saindo mais uma vez do quarto, mas resolveu se olhar no espelho de novo. Tudo o que viu foi um nada. Um grande, escuro e profundo nada. Tão vazio quanto um tronco oco. Era exatamente isso que ela escolhera ser.
Deixou o quarto, sem olhar pra trás outra vez, mas fechou a porta devagar. Olhou no relógio. Tinha apenas cinco minutos pra chegar à escola.
Hideki Masao
Hideki girava a corrente entre os dedos. Ele nunca se distraía durante as aulas, mas hoje perdera totalmente o interesse pelo que o professor de História estava explicando. Ele analisava atentamente o símbolo do Yin Yang, de todos os ângulos, em todos os pontos, em busca de uma resposta, ou de pelo menos algo que pudesse lhe dar uma pista sobre o significado daquilo. Como descendente de asiáticos – embora de ascendência japonesa, e não chinesa -, ele conhecia o símbolo e seu significado, mas não tinha ideia do motivo pelo qual aquilo tinha ido parar em suas mãos de forma tão estranha. A garota de branco parecia perfeitamente sã, quando lhe entregara a corrente, mas as coisas que dissera não faziam sentido nenhum para Hideki.
- Hideki Masao!
Hideki estava tão distraído que se assustou ao ouvir seu nome, e guardou o pingente imediatamente, tendo certeza absoluta de que lhe seria chamada a atenção por não estar prestando atenção na aula. Mas sentiu-se aliviado ao descobrir que quem o chamava era o inspetor Dickens – “nenhum parentesco com o Charles”.
- Sim, senhor.
- Queira me acompanhar à sala da diretora, por gentileza.
- Algum problema, senhor¿ - Perguntou assustado. Hideki podia não ser um aluno exemplar, mas nunca, jamais fora convocado à sala da diretora.
- Suas perguntas serão respondidas no momento oportuno.
A classe toda agora estava em silêncio, o que não fez com que Hideki se sentisse melhor. Levantou-se devagar e saiu.