Ping Heng - A Ordem Capítulo II
Iara Carvalho
Iara não gostava da vida urbana. Todos aqueles prédios pareciam sufocá-la. Era tudo tão cinza, o ar era pesado e difícil de respirar. Não tinha grama para ela pisar descalça.
Ela não gostava de sapatos, nem de nada que a separasse da natureza. Gostaria de morar em uma aldeia, como o seu bisavô e sua bisavó. Entretanto, estava ali, confinada numa grande cidade cinza.
Vovô costumava dizer:
- Não importa onde você mora, o sangue indígena corre em suas veias, a taba está em seu coração, e a natureza, dentro de você.
Mas talvez ele só dissesse isso porque morava em um sítio, longe da zona urbana. Ela preferiria morar lá, com ele e a vovó, mas não tinha escolas lá perto, e a tia dissera que a bolsa de estudos que ela havia conseguido para sua escola era uma oportunidade única, que ela não poderia jamais desperdiçar.
Ela amava os tios e primos com quem vivia, mas também amava o verde do sítio, onde tinha deixado seu coração.
Estava sendo injusta e egoísta. Os tios sempre fizeram o que era melhor para ela, como se ela fosse sua filha. Mas por alguma razão ela se sentia incompleta, vazia...
Não é hora para devaneios, Iara. Você vai se atrasar.
Começou a trançar os cabelos - “negros como a asa da graúna”, dizia vovó -, enquanto os belos olhos amendoados estudavam aquele estranho pingente preto e branco, de aspecto oriental, que a garota de vestido branco lhe dera na tarde anterior.
Ela estivera na praça – o restinho de verde da cidade -, buscando inspiração para uma redação que precisava escrever. E chegara aquela moça sorridente que lhe entregara aquele colar estranho. O colar lhe dava arrepios. Ela só o havia aceitado porque... bem, ela não sabia o porquê. A garota de branco não parecia falar coisa com coisa. Mas... e se o que ela dissera fosse verdade¿ A menina oriental poderia ser uma profetiza, ou algo parecido¿ Iara seria mesmo tão necessária para que o mundo não acabasse¿ Uma indiazinha de dezesseis anos, que tinha medo até de festas, seria capaz de salvar o mundo¿
A tia bateu na porta:
- Iara, querida, está tudo bem aí dentro¿ Já está tarde, você vai se atrasar.
- Só mais um minuto, estou saindo.
- É melhor se apressar...
Sem pensar, Iara colocou aquela corrente no pescoço, saiu e fechou a porta do quarto. Encontraria uma explicação para aquilo mais tarde.