O jaú gigante
Um amigo e seu tio foram pescar, uma pescaria diferente da convencional. Estou falando da pesca de mergulho ou " apneia" muito comum aqui em Roraima devido as centenas de lagos e buritizais de águas limpas que aqui existem.
Era mês de setembro, as chuvas já diminuem bastante, essa é a transição para o período seco, o igarapé eleito por eles fica cheio de poções ao longo de seu curso e sua água fica relativamente limpa, não como as dos buritizais que são cristalinas, mas dá pra mergulhar e enxergar nem que seja o vulto dos peixes.
Esse igarapé cuja nome é Surrão, tem uma característica muito peculiar, ele é cheio de “sulapos” (é como nos chamamos quando a água cava o barranco e as arvores da beira não caem formando um abrigo) e também “poraquês” (Electrophorus electricus o peixe elétrico da Amazônia). Há sulapos tão grande que dá para uma pessoa se meter la em baixo e ficar escondida, já que a distancia para a água fica de meio metro, tem lugares que entra quase cinco metros, quando se esta na entrada do sulapo da pra ver a luz do sol passando por entre as fendas das camadas de folhas que se acumulam em cima das raízes.
Chegaram cedo, meu amigo e seu tio fixaram o acampamento em baixo de uma matinha com muita “tatajuba” (bagassa guianenses). O tio fez todo o ritual que antecede a pescaria, retirou de dentro da bolsa a mascara de mergulho a arma e o arpão e também um pedaço de arame que serve de “cinto enfieira” para ir colocando os peixes capturados. O rapaz ficara em terra que é para dar o suporte e também porque eles só tem uma arma de mergulho.
o jovem estava tranquilo porque dentro da sua “boroca” (Bolsa, mochila) ele trouxe pão com ovo e uma garrafa térmica com café quentinho preparado pela sua mãe. O tio se preparou já dentro da água deu uma cuspida na mascara ensaboou para espalhar deu uma lavada e depois colocou no rosto, mete a cabeça na água devagar sem movimentos bruscos, com cuidado vai olhando no pé do barranco em que está, muito na manha para ver se não há nenhum poraquê por perto já que ali é o paraíso deles.
Quem nunca levou um choque de poraquê e quer experimentar e só visitar o surrão de setembro até os meses de seca, você vai encontrar poraquês de dois metros de comprimento, daqueles que o peito é amarelado parece um filhote de “pirarara” (Practocephalus hemioliopteros) de tão grande.
Sem fazer muita zoada o tio foi cavando na água, passou para o ouro lado do igarapé vistoriando em baixo de um galhada, enquanto isso Elcione retirou o pão com ovos de dentro da boroca e começou a comer observando o tio do outro lado.
O tio entra embaixo de um solapo que tem do outro lado do poção, Elcione esta vendo toda a cena. O mergulhador demora um pouco no fundo, quando volta a tona parece um boto quando solta o ar dos pulmões FUUUU! Ele nada até o lado em que esta o sobrinho retira a carretilha da arma de mergulho e diz: “segura essa corda ai, ali em baixo tem um Jaú gigante é um “paid’egua”, enrola a corda numa árvore e segura firme”. Devia ter uns 18 metros de corda boa, aqueles cabos que se usa como corda principal da tarrafa. Distraído pela refeição que estava fazendo Elcione deu apenas uma volta e meia com a corda numa árvore fina de beira do igarapé. Corda segura o tio mergulhou com arma a tira colo, cavou a água como um mergulhao em busca de sardinha, chegou bem perto do seu alvo, embaixo do solapo estava bastante turvo, mas ele podia ver o vulto do bichão, estava ali parado como que aguardando alguma coisa.
O tio pegou a arma trouxe para frente do corpo, com os pés tocando no chão do igarapé parecendo um cará-lambe lodo, posicionou a arma na frente do rosto e apertou o dedo, sabia que tinha de sair o mais rápido possível dali, foi o que fez. Estava preocupado de seu sobrinho soltar a corda e perder aquele Peixão, cavou em direção ao outro lado. Ao subir pelo barranco já percebeu que a coisa estava feia.
O Elcione fazia carreta ao segurar a carretilha, a corda estava tão esticada que chegava a assobiar na flor da água, chegando para ajudar o tio aproveitou e embolou a arma de mergulho no resto de corda, daí em diante eram os dois fazendo força para segurar a fera. As arvores de um lado e outro começaram a balançar, o lado de lá porque o bicho de debatia embaixo do solapo, o de cá porque estava a corda que o prendia atada a árvore, ou seja, a impressão é que toda a floresta estava mexendo, começou uma chuva de folhas, galhos secos e tatajuba caindo na agua ploc! ploc! Ploc! Ploc!
A coisa estava feia, a floresta na beira do rio estava balançando a corda esticada feito um pedaço de vergalhão. Descascava a árvore em que estava amarrada. Elcione gritou: “que diabos e isso” foi nessa hora que parece que o bicho ouviu e correu para o meio do poção, quase boiou na flor da água.
Causou mesmo foi um grande rebojo, deu um sopapo que quase arrebenta a corda, ele estava desesperado para se livra do arpão. Na segunda investida que deu o animal saltou da água em terra, os dois não aguentaram mais segurar, o animal tinha forca demais, a arma e carretilha sacaram das suas mãos e saíram ricocheteando pelas arvores, se pega em um deles era fratura na certa, tamanha a velocidade...
A carretilha acompanhou na ponta da corda o bicho que saiu abrindo uma trilha quebrando toda a vegetação rasteira, se batendo não tinha nada que o parasse andou uns 15 metros até a próxima curva do igarapé caiu dentro d’água novamente e saiu quebrando galhada seca e batendo água no galope pois naquele pedaço o igarapé e raso e tem muita galhada no leito, foi até sumir o barulho indo o tempo todo por dentro do igarapé em direção a boca do surrão.
Elcione e o tio estavam ali sentados no lugar onde caíram, cansados de fazer força, olharam para o poção cheio de folhas secas e galhos secos flutuando, ainda caiam algumas folhas secas quando se levantaram, foi um verdadeiro abalo ali na floresta, refeitos do susto começaram a rir, uma risada bem gostosa isso porque o Jaú que o tio acertou na verdade não era um Jaú de verdade, infelizmente ele acertou foi a perna de uma enorme anta (tapirus terrestres), o animal devia está ali comendo tatajuba fruta que adora, os ouviu chegando e resolveu se esconder em baixo do solapo, a água turva o tio achou que era um Jaú, ai não deu outra...