A Aldeia (XXXIX)
 

Os Bores eram muito diferentes de todos os povos daquela região africana, eles moravam numa savana à beira de um pequeno lago, mas bem próximo ao deserto que levava ao Oásis dos Gambas.
Tinham como atividade principal, onde quase todos participavam, a confecção de objetos feitos com fibras vegetais, tramadas com uma habilidade incrível. Faziam redes para dormir, redes de pesca, tapetes de uma malha incrivelmente fina e pequenos objetos de madeira que escambavam  com os mercadores das caravanas. Suas confecções  eram vendidas nas feiras de Cairo como objetos de arte por um preço altíssimo e eles as trocavam por comidas finas, carnes, presuntos e licores e toda sorte de alimentos especiais.

Sobre uma espécie de crivo, numa grande tábua, onde se notavam pontas salientes também de madeira, simetricamente encravadas, eles tramavam os fios de cores diferentes, alguns de espessuras também diferentes e numa rapidez enorme, manobrando os carretéis e prendendo os fios, e aos poucos iam aparecendo no tecido,  as figuras de leões, panteras, zebras e girafas. Em algumas peças eles retratavam seus mitos, figuras meio humanas, meio fantásticas, que emergiam das nuvens, dos mares e dos desertos, e em frente desses tapetes, pendurados em grandes varais, eles faziam pequenas fogueiras.
Aulah perguntou a um homem raquítico que acendia uma dessas fogueiras:
- É para aquecer as fibras, para elas enrijecerem?
- Não senhora, é para reverenciarmos nossos deuses, para eles nos protegerem...
Tinham varais em grande extensão, que cercavam praticamente toda a Aldeia Bores, e muitas fogueirinhas em frente a cada tapete ou manta, algumas retratando figuras fantásticas, ameaçadoras e satânicas.
Quando Kally passou em frente de um desses tapetes, sentiu um arrepio, o vento balançou o tapete no varal, ela deu um grito agudo e seus cabelos se eriçaram... Em seguida, todos os bores que estavam por perto se ajoelharam, levantaram seus braços para o alto, depois para a frente e postaram-se com os dorsos nus para o chão, repetindo os mesmos gritos que Kally tinha proferido. E um deles disse e os demais repetiram:
- Kally, nossa deusa! Kally, nossa deusa! Kally, nossa deusa!
Aulah olhou assustada para Amom e para Malto,   ninguém ousou falar nada, e esperaram para ver o que iria acontecer...
Enquanto Kally permanecia naquele estado hipnótico, falando coisas desconexas e dando seus gritinhos histéricos, o chefe os chamou para irem para o interior de uma cabana, lhes ofereceu comidas diversas e licores, que Malto se fartou em repetir, e lhes disse:
- Os deuses haviam nos dito que a deusa Kally vinha nos visitar... Vocês, amigos da deusa, são também  nossos amigos, fiquem à vontade, sirvam-se.
Amom lhe disse o motivo da visita e o chefe lhes disse que doze dos seus tecelões  haviam sumido, mas que eles não sabiam guerrear, que não era a arte deles...
Então Amom argumentou que as pequenas tribos ficavam muito vulneráveis aos ataques inimigos e que eles pensavam se unir, e perguntou:
- O que o senhor acha da nossa proposta da união e formação de um grande reino?
- Eu apenas seguirei o que a minha deusa Kally disser, comandante... Ela rege o destino das nossas vidas, porque é a deusa do desdobramento da vida e da regeneração no reino de Orum!