A Aldeia ( XXVII)
 
A volta de Amom causou um reboliço entre as mulheres da tribo. Os outros homens também estariam vivos?  Essa era a pergunta que todas faziam, ou mesmo não fazendo, se sentiam  sem resposta.
E os rapazes e moças, se estivessem vivos, onde estariam?

Aulah, obedecendo ordens de Auan e recomendações de Ormec, não permitia que ninguém se aproximasse de Amom, mas pelo seu relato para as outras mulheres, ela dizia que Amom havia passado por maus pedaços e ainda não conseguia falar coisa com coisa. Era preciso de tempo para a sua recuperação completa para então poder se saber realmente do acontecido, mas uma coisa ela havia compreendido do que ele havia dito, de que ele tinha fugido, que eles estavam presos em algum lugar. Mas fugido de quem e de onde?
Os remédios de Ormec eram todos sob a forma de chás e unguentos, toalhas umedecidas com água quente ou ervas para serem mastigadas.
No início Amom não conseguia engolir, de tão fraco que estava, foi preciso dar-lhe colheradas de canja, mas a dificuldade da deglutição era tanta que lhe causavam náuseas e vômitos.
No terceiro dia, já sem febre, ele conseguiu falar algo que não se entendia e foi na noite desse dia que ele disse que havia fugido. Mas observava-se que ele estava com a mente confusa, não falava com um raciocínio sequenciado.
No quinto dia, ele disse:
- Nós fomos cercados e presos, ficamos num lugar perto do mar, estávamos esperando a chegada de um navio que iria nos levar para sermos escravos na América. Estávamos juntos de outros guerreiros de outras tribos. Nós nos revoltamos e ele mataram cinco dos nossos, eu fiquei preso numa jaula, perto de uma outra jaula onde havia um leão.
De noite, um deles foi trazer a comida, eu o segurei, puxei seu braço para dentro da jaula e o quebrei. Tomei sua chave, abri a porta, o joguei na jaula e tranquei.
Mas quando fui tentar fugir, eles me pegaram e me açoitaram até eu desmaiar. Por sorte eles pensaram que eu estava morto e me jogaram no mar, porque os outros que eles mataram eles deram de comida para o leão. A muito custo consegui nadar até as pedras e de lá vim andando até o lugar onde me encontraram.
- E o resto do nosso pessoal?
- Estão todos presos esperando o navio para serem enviados para a América...
- Onde eles estão presos, Amom?
- Numa construção de pedra, junto ao mar, muito bem guardada, com homens brancos com bacamartes...
 
Ormec saiu para pegar as plantas para Kally e outras ervas medicinais para curar Amom, quando estava a caminho do bosque viu uma lebre passar em pequenos saltos junto a uma moita de capim colonião. Ele preparou seu arco e flecha e quando ela levantou, no primeiro salto fora do capim, levou uma flechada e morreu de imediato. Ele a colocou no embornal e seguiu em frente.
Aqui devem ter mais lebres, pensou ele. Esses bichos se multiplicam,   onde tem um, devem ter mais. Seria ridículo eu aparecer na aldeia somente com uma lebre, um vai comer e os outros vão ficar olhando, vai acabar causando indigestão, continuou ele no seu pensamento. Vou ficar por aqui, escondido, e talvez consiga matar mais algumas...
Ormec ficou escondido por quase uma hora, perdido em seus pensamento, imaginando o sofrimento de Amom e dos demais guerreiros, dos rapazes e moças que foram aprisionados.
- ( Será que ainda estarão na tal fortaleza, ou já terão embarcado para serem escravos na América?)
 Perdido em seus pensamentos, ouviu uma movimentação próxima, deveriam ser as lebres, pensou. Armou sua flecha, mas não eram lebres, eram javalis cavoucando o chão em busca de mandioca e outras raízes. Ele retornou com a flecha para seu lugar e empunhou sua lança. Não havia onde se esconder, eram muitos, o melhor era tentar sair dali sem despertar a atenção deles, tinha aprendido que se eles estivessem ocupados e não fossem provocados, não atacariam.
Seu coração disparou, qualquer erro de avaliação seria fatal, eram animais perigosos, naquela vara devia ter mais de vinte javalis, e como eles faziam muito barulho entre roncos e cavoucar de terra, seria aquele o momento certo para fugir.
Foi na hora da maior zoeira,  com o coração acelerado, que  Ormec saiu rápido e escapuliu entre árvores e moitas de capim.
Aquele, realmente, não era um dia propício para colher ervas, que se danasse a dinastia de Auan!