PAI        

Foi no estágio da faculdade que o encontrei. Era o primeiro dia da escala para atender na emergência, correndo de um lado para o outro, tratando de casos diversos, até que ele chegou. Trazia o filho nos braços e entrou como um furacão, sem mesmo passar pela portaria. Colocou o menino na maca e me olhou. Houve um misto de desespero e surpresa no olhar que fixou em mim.

— Por favor, moça, desculpe, doutora, salve meu filho, salve, ele está delirando, dizendo coisas incompreensíveis. Não quero perder meu garoto, por favor.
Vacilou, olhando-me de alto a baixo:

— Você é médica mesmo? Tão moça e bonita. Desculpe.

Queria tê-lo encontrado em outra situação. Homem alto, cabelos castanhos, boca carnuda, músculos desenhando a camiseta, olhos de tom esverdeado, com brilho. Mas não era hora de deter-me nos p

Pensei se não deveria dar-lhe um calmante, para que pudesse me deixar examinar o garoto. Segurei-o e fui dirigindo-o para a cadeira. O contato com a mão quente e macia foi como uma descarga elétrica. Céus, que pedaço de mau caminho. Larguei rapidamente a mão, com a certeza de que ele sentira o mesmo. Os olhos me diziam. Não parecia mais o pai desesperado. Havia cobiça no olhar que, novamente, percorria meu corpo, em raio x.

— Sente-se, respire fundo e diga, com calma, o que tem o menino — falei rapidamente, fugindo dele.

Informou que o filho apresentara febre alta, por isto não atendia, quando falava com ele, olhando para o canto do quarto e gritando que tirasse o elefante de cima dele, que o sufocava. Examinei-o e não encontrei nada que justificasse a febre.

— Há alguma coisa errada, problema emocional, susto? Onde está a mãe?

— No hospital.

— O que têm?

— Ontem, nasceu uma menina.

— Pode estar aí o motivo da febre. É muito apegado à mãe?

— Sim. Mas estava preparado, contente com a chegada da maninha. No hospital, manteve-se alegre, segurou o bebê e disse que iria protegê-lo, mesmo que não pudesse jogar futebol com ele.     

Rimos. Os olhos dele, agora, pareciam me despir, entrar no decote, onde os seios se sobressaiam pela fenda do jaleco. Embora fosse gostoso, senti vontade de fechar mais um botão. Rapaidamente, quis pensar que era coisa da minha cabeça, que o homem precisava mesmo era resolver o problema da criança, que nada do que eu pensava era real, que devia ser o cansaço que me deixava assim, que eu é que delirava. Mas a química do meu corpo não obedecia. Cauan sentou-se na maca, olhou para o pai, depois para mim e reclamou:

— Quero ficar no hospital da mamãe, este eu não gosto. Vamos, pai?

— Filho, você está bem? A doutora Janaína vai dizer se podemos ir. Podemos, não é, doutora?

E riu. Muito próximo, o corpo quase me tocando, o perfume, a boca... Claro que podiam. Podiam ir embora e eu nunca mais o veria, tudo ficaria igual, esqueceria os olhos e o que vira neles. Podiam, sim. E disse:

— Antes quero saber do Caun por que não gostou deste hospital. Pode me dizer?

— Porque a mamãe está me chamando. Vou cuidar da Priscila. O elefante disse que ia pra lá.

O pai assustou-se. Havia uma mistura de sentimentos. Medo e desejo? Segurou-me os braços.

— Viu? O elefante de novo. Está delirando.

Foi a minha chance. E por que não? Poderia mantê-los mais um pouco para ver até onde iria o meu delírio, não o do paciente. Foi um pensamento louco, rápido e tentador.

— Caun precisa de observação. Vou pedir para ficarem. Quero uns exames.
Foi providenciado um apartamento. Envolvi-me nos atendimentos até a hora de poder visitá-los. De qualquer modo, o jeito de Amaro, a sensação de que a química rolava solta entre nós, fazia com que me lembrasse dele a todo instante. Bati de leve na porta e entrei. O menino dormia, tranquilo, já sem febre. Voltei-me para olhar o pai.

Um arrepio percorreu-me o corpo, o homem sonhava, sorrindo. Mil ideias me passaram, a fantasia solta, sem conseguir refreiar. Enquanto olhava, paralisada, fui observando cada fração, cada músculo, cada... e fui descendo, examinando, até me deparar com a saliência no encontro das coxas. Precisava conferir. Fui ao banheiro e tirei a calcinha.

Ao retornar, entrei em ação. Colei a boca no sorriso dele. Sem surpresa, como se aguardasse, correspondeu ao beijo. Desceu da cama, agarrando-me com fúria, deitando-me no chão. 

Ainda tive a lucidez de interromper, para passar a chave na porta.    


 



 
 
 
 
 
MADAGLOR DE OLIVEIRA
Enviado por MADAGLOR DE OLIVEIRA em 20/06/2013
Reeditado em 21/06/2013
Código do texto: T4351014
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