A ALDEIA                    
 
       A  expectativa era grande, as mulheres reuniram-se com o objetivo de formar opiniões sobre o sumiço do pessoal. As mães, inconsoláveis, choravam por seus filhos e todas elas lamentavam pelo desaparecimento dos maridos. No final tinham contabilizado trinta e seis desaparecidos, sendo dezenove adolescentes e dezoito guerreiros.
      Entre os que ficaram na aldeia, restaram dezenove mulheres adultas, seis mulheres idosas e três homens também idosos,  além de treze crianças, todas menores de dez anos de idade — sete meninas e seis meninos — totalizando quarenta e quatro pessoas.
      Quem fez o levantamento foi Ewa, uma mulher de trinta e cinco anos que perdera, além do marido, seus dois filhos adolescentes, restando-lhe uma menina de sete anos, Ewana.  
      Havia uma preocupação comum a todas elas,  porque nenhuma sabia caçar e a carne já estava se acabando.
      Era comum na cultura da tribo que as mulheres se especializassem em colher frutos e preparar os alimentos, enquanto cabia aos homens a tarefa de caçar os animais.
      N'Gapa, outra mulher jovem que perdera o marido e um filho, havia se prontificado  para sair e caçar, mas uma outra, N'Uana, sugeriu que  fossem ouvidos primeiro os três homens idosos, para seguirem seus conselhos. 
      A reunião estendeu-se até tarde da noite, as mulheres lastimavam-se seguidamente, chorando seus filhos e maridos e não conseguiam chegar a decisões objetivas; Ewa, quando percebeu que iam varar a madrugada, sem que chegassem a lugar nenhum, sugeriu que quem  quisesse se candidatar à posição de guerreira, levantasse o braço.
      Das dezenove, somente uma não levantou seu braço e, naquela noite, nasceram as guerreiras da tribo Van!
      Elas foram dormir ouvindo o rosnar dos leões, mas não se amedrontaram...
      Na manhã seguinte, N'Uana foi procurar o mais velho dos idosos, queria aconselhar-se, para saber como elas poderiam se transformar em guerreiras.
      O velhinho olhou bem dentro dos seus olhos e disse:
      — Convoque todas as candidatas, eu vou  contar-lhes algumas estórias; se depois de tudo que elas ouvirem, continuarem querendo ser guerreiras, eu lhes ensinarei o caminho.
      Quando as mulheres se reuniram, ele lhes disse:
      — Eu sou um guerreiro Van, aprendi a lutar corpo a corpo, com lança, flecha e bordão. Aprendi a pescar fisgando os peixes com flecha e a ouvir os sons da natureza, o sibilar do vento, o barulho das águas, a sentir no ar quando iria chover ou quando o sol se tornaria abrasador. Isso eu comecei a aprender quando tinha sete anos de idade e só me tornei um guerreiro aos dezessete. Foi quando espetei um leão e ele desistiu de lutar comigo. Vocês ainda querem se tornar guerreiras?
     — Queremos — as dezoito mulheres    responderam em uníssono.
      — Então, desde o amanhecer até o anoitecer eu me comprometo a ensinar-lhes como tornarem-se guerreiras.
      Auan já tinha ultrapassado três mil e quinhentas luas de idade, mas mantinha um corpo firme e rijo, herança de muitas lutas, embora as suas pernas já não tivessem a firmeza de outrora e, por isso, ele  levava em sua mão,  para se apoiar, um porrete de madeira de lei. Já não tinha um fio de pelo no corpo, sua vestimenta era um manto da cor do barro, que  tapava-lhe até a altura das coxas, deixando as finas e negras canelas à mostra.
      Era um velho altivo e que falava como um guerreiro; pelo brilho dos seus olhos, percebia-se que o desafio que aceitara fazia vibrar a sua alma...


 
(Continua)