Além das Borboletas:
Genre: Literature & Fiction / Author: Léa Ferro
Além das Borboletas:
Além das borboletas, o Outono também passeia no meu quintal. Sim, o Outono... E nem adianta mais eu dizer que a estação aqui já é primaveril e as flores começam a desabrochar em meio a grama, colorindo o caminho que faço pela manhã até o trabalho, após o café solitário sentada na varanda, tentando ouvir a cantiga de roda dos passarinhos. É, não adiante mais dizer, porque ainda é Outono, mesmo agora sendo diferente.
Eles se entendem bem com as borboletas, os passarinhos, parecem chamá-las com a vozinha fina e elas dançam todas faceiras ao redor da goiabeira onde eles fazem morada. Elas, sentem o meu olhar perdido e tentam chamar a minha atenção. Voam, dançam, vão e voltam. Exibim-se como meninas travessas diante meus olhos enciumados e acham graça, eu nem sei do que.
Às vezes converso com elas, que nem criança com seus amiguinhos imaginários, mas sei que não são as únicas a me ouvir, porquê na calçada outras moças passeiam silenciosas e me cumprimentam pela manhã. Eu acho que elas gostam daquele cd do Caetano que ouço enquanto tomo café, pois ontem eu percebi que é só colocar a canção, que elas aparecem e ficam ali zanzando ao meu redor.
Eu falo com elas, das coisas bobas que nunca tive tempo de te contar, recito para estas meninas os poemas que te escrevi e tu nunca leu, canto as cantigas que aprendi em criança e não pude compartilhar contigo. Eu sei, eu sei... Compreendo que tu não teve tempo e tinha coisas mais importantes para fazer, mas eu queria tanto te falar destas bobagens que fazem parte dos meus dias.
Queria te mostrar os retratos de uma tarde de pesca artesanal aqui na minha praia, explicar como é bom estar no salgado mar que me criou, contar estas histórias de pescador que todo mundo diz não serem verdadeiras, mas que quase todas elas são. Queria te falar que voltei a desenhar depois de tantos anos, que eu nem lembrava mais como segurar o lápis, mas que eu consegui rabiscar um belo pássaro em grafite... Na verdade desenhei uma Gaivota. Mas estou feliz agora.
Hoje eu falei para as borboletas que pousavam numa orquídea de costeira, do amor que te tenho. Falei de amor, mas também falei de toda a dor. Eu não sei se tu lembra daquela flor branquinha e delicada com detalhes em lilás que eu te mostrei uma vez. Elas são lindas e só duram vinte e quatro horas. Ah... Mas elas são tão lindas, que mesmo que durasse apenas uma hora, continuaria valendo a pena tomar café da manhã sentada no degrau da varanda, pelo prazer que é admirá-las. É... Parece que todas as coisas boas e bonitas da vida duram bem pouco, e às vezes, nem duram o tempo necessário para eu aprender a sobreviver sem elas.
Enquanto eu falava, uma delas pousou no meu ombro, era azul, até parece que aquela danada advinhou o quanto eu amo azul. Ela parecia querer perguntar alguma coisa... Eu ri. É claro que eu ri bem baixinho para não assustá-la, afinal, ela é miudinha e tem sido tão gentil comigo ouvindo as minhas babozeiras de amor dolorido e solitário.
Uma delas veio hoje me dizer que o Outono já terminou faz tempo e que não entende as folhas mortas no chão. Eu tentei explicar, mas acabei me atrapalhando toda. Eu devo ter confundido a cabeça daquela moça. Queria dizer a ela que o Outono está dentro de mim, que a tua ausência quem o causa, que as folhas morrem toda vez que eu deixo de sorrir e por isto o quintal está tão sujo de folhas secas. Ando cançada demais para varrer o quintal, prefiro é conversar com as borboletas.
Além das borboletas, eu também tenho conversado com o mar. Todos os dias. Quando eu choro ele bate forte nas pedras, fica bravo e eu já não ouso nadar. Engraçado que já um tempo que não choro e só hoje percebi isto. Tenho ficado em silêncio diante dele, mas o safado lê todos os meus pensamentos, não adianta mais tentar esconder a minha dor. Deve ser por isto que ele tem ficado calminho quando eu passeio.
Outro dia contei a ele que conheci uma pessoa e me permiti ameaçar um sorriso quando ele me encarou com um olhar divertido. Aquele traquinas me molhou, lançou uma onde de surpresa, parecia querer me abraçar dizendo que também estava feliz. Me deixei embalar em seu colo por um bom tempo, sem pensar em nada, mas quando abri os olhos vi aquele sorriso tímido na minha frente. Ah, a minha imaginação pregando peças. Fiquei tão sem graça, acho que até as andorinhas notaram que eu estava vermelha. Aposto que até tu ia rir do meu jeito se me visse naquela tarde. Aliás, tu sempre ri de mim, das bobagens que eu digo, das trapalhadas que eu faço.
Quer dizer: - Fazia! Ria! Dizia!
De repente começo a colocar as palavras no pretérito... Embora eu ainda queira te contar todas as coisas que tu não teve tempo de ouvir antes. Às vezes penso em como tu esteve ocupada este tempo todo em que dedilhei o meu amor no piado de calda da vida. Dediquei todas as minhas manhãs, só pra te dizer sorrindo que eu te desejava um lindo dia... Deixei de tomar o café da tarde para poder estar contigo e depositar um beijo nos teus cabelos.. Abandonei os meus poemas noturnos, só para sentir a tua pele e fazer amor contigo enquanto a lua nascia e nos espiava...
Hum! Estou voltando a fazer as coisas bobas e simples que eu gostava de fazer antes de ti. E, antes que eu me esqueça de te contar... Eu fiz amigos. Quer dizer, na verdade são amigas. Umas doces, outras mais, mas tem uma que tem trazido tanta paz para aos meus dias, que eu fico pensando como me abandonei por tanto tempo.
Esta semana fiquei olhando o retrato dela, por uma tarde inteira, acabei notando que escrevi tantos poemas e todos eles tinham haver com aquele olhar miudinho, sem querer comecei a fazer comparações entre os seres humanos que já conheci. É claro que comparei ela contigo também. Não deveria, mas foi automático, não pude evitar. Causou-me algum espanto. Ela traz paz a uma vida só de guerras e eu me pergunto se sou merecedora desta paz, como se eu não tivesse o direito de ser feliz.
Vai ver foi por isto que as borboletas riram de mim esta manhã. Eu sabia que elas queriam dizer alguma coisa, só não sabia o que era. Além das borboletas, as abelhas também zuniam suas palavras positivas no meu ouvido, quando pedi para uma delas se afastar alegando que era alérgica, esta me responde que tudo não passa de invenção dos homens, por terem inveja de serem as únicas a fabricar o mel.
Além das borboletas, eu encontrei os poéticos passarinhos, as lindas joaninhas, as abelhas faceiras, os grilos verdes e falantes e as libélulas repletas de esperanças...
Vi as flores sorrirem e o gramado trazendo cheiro de terra molhada da noite que passou. Todos ficaram a ouvir meus pensamentos em forma de palavras azuis, afinal, a manhã nasceu de um azul tão clarinho, que parei de falar de ti e fiquei horas a falar dela.
Além das borboletas, o Outono também passeia no meu quintal... E o Outono, agora, tem o risinho doce. Um risinho bem além...
Léa Ferro.
SP, 08 de Dezembro de 2007.