Camila e o homem dos foguetes Ok
Camila e o homem dos foguetes
A rua permanecia deserta, eram três horas da tarde do último dia do ano de 2007. Não estava quente, era uma temperatura amena, mas com um clima ventoso que abraçava alguns passantes jogando os cabelos ao rosto e levantando às saias das mulheres, às vezes arrancando alguns palavrões dos desavisados. Era maior que uma brisa, entretanto não chegava a ser um vento avassalador que envolvia todos ao redor. O coração daquele homem se arrastava e explodia a cada bomba, destruindo a calma daquela tarde modorrenta e vesperal.
Eu e todos os vizinhos, já estávamos um pouco irritados, de vez em quando abríamos as janelas e as portas para observar de onde vinham aqueles foguetes que não paravam. O indivíduo parado em pé na frente da casa nos apreciava esperando uma reação coletiva. Porém, mantinha os olhos opacos, injetados, talvez um pouco enevoados pelo álcool e drogas. Possuía os cinco sentidos atordoados, em meio ao barulho infernal dos foguetes que detonavam. Ele não sabia quais das dores eram piores os estrondos nos ouvidos ou a alma dilacerada por aquele abandono anunciado num dia festeiro. Véspera do ano novo. Camila deixara tantos rastros de cansaço da vida que levavam, entretanto, ele não entendera. O Desemprego, a ausência de dinheiro, as brigas e principalmente a solidão e a falta de sonhos que ambos mergulharam aos poucos naquele casamento Agora aquela agonia. Mais um foguete arrebentava os tímpanos dos vizinhos.
Eu morava em frente da moradia dele. Sendo assim, recebia quase dentro da minha casa os barulhos infernais daqueles foguetes jogados pelo desatino daquele homem no meio da rua. Era mais uma tentativa vã de se fazer notar pelas pessoas. Pedi já meio alucinada, para o meu marido ver o que estava acontecendo, uma vez que o Edi gostava de ficar xeretando a vida dos outros. Então, se foi em busca das informações no boteco da esquina. Enquanto meu filho me atormentava se entupindo de sagu feito de vinho. E a minha filha choramingava no quarto, perguntando que roupa eu visto? Aquele barulho estava me matando.
Dizia para o guri: - Para de comer sagu, ou tu vais ficar bêbado como o Vagner! Gritava:- Veste qualquer coisa, minha filha!
O vizinho do lado da minha casa debochava dizendo: - Quando a Maria for embora, eu não jogo foguetes. Outros riam dizendo:- Vou cuidar da Camila! Deixa ela comigo, bebum. As fofoqueiras de plantão das suas janelas falavam: - Bem feito. É um bêbado. Ela até aguentou multo. Quem sabe, a Camila já não tem outro. É, é verdade, afinal, ela é bastaste bonita. E chega tarde todas as noites.
Mas, o homem continuava lá. Cambaleava de um lado para o outro e jogava mais um foguete. De vez enquanto, olhava pra mim como se pedisse socorro. Eu podia sentir a sua dor. No entanto, sabia o quanto Camila tentara manter o casamento se consumindo de tanto trabalho e cuidados com os dois filhos. E o Vagner não fizera nada, além das andanças de bar em bar cantando, buscando mulheres e bebidas.
Quando o Edi voltou pra casa, depois é claro de umas duas horas papeando com os amigos de boteco, me explicou óbvio, a Camila estava arrumando as malas, iria embora naquela tarde pra casa da mãe. Eu mirava aquela angústia exalar-se na nossa rua que era tão bonita e arborizada provocando uma mancha de lástimas. Alguns vizinhos estavam consternados por aquela separação apregoada num dia que deveria ser impar. Afinal, era a véspera de ano novo. Os foguetes continuam arrebentando os tímpanos delicados ou não de todos, enquanto Camila e os filhos se perdiam no horizonte daquele entardecer.
( 10/02/2008)