De Repente, O Amor

“De repente fico rindo à toa sem saber por que

E vem a vontade de sonhar de novo te encontrar

Foi tudo tão de repente, eu não consigo esquecer

E confesso tive medo, quase disse não

Mas o seu jeito de me olhar, a fala mansa meio rouca

Foi me deixando quase louca já não podia mais pensar

Eu me dei toda para você

De repente...

E meio louca de prazer lembro teu corpo no espelho

E vem o cheiro de amor, eu te sinto tão presente...

Volte logo meu amor”

(Letra da música “Cheiro de Amor” de Duda Mendonça/Jota Morais/Paulo Sérgio Vale/Ribeiro, na voz de Maria Bethânia)

Estava em um sítio com a turma de amigos e amigas. A turma era muito unida e viajava, saía pra se divertir, ia a festas. Por vezes nos reuníamos num final de semana para uma comemoração sem nenhum motivo. Apenas para brindar a vida e a amizade. Para conversar, relembrar nossa vida juntos. Nessas ocasiões as caras-metades não compareciam. Era um encontro só de amigos.

Todos já tinham se recolhido. Apenas ele e eu permanecíamos na área de lazer ouvindo música e conversando. Algumas músicas mexiam com a gente. Estávamos de frente um pro outro e próximos. Ele me olhava como se eu fosse uma preciosa pintura. Seus olhos brilhavam e neles eu via encantamento. Desviei o olhar:

—Não gosto quando você me olha assim.

—Gosta sim. Você gosta de me provocar e depois fugir. Sabe como mexe comigo.

Ele segurou minha cabeça. Sua boca pousou na minha e eu me senti desfalecer, sua língua desbravando o céu da minha boca e espalhando estrelas. Eu me entreguei. Suas mãos deslizaram por minha pele que se arrepiou. Ele tocou meus seios com a delicadeza de quem toca um raro cristal. Entre carícias e sussurros a paixão e a vontade nos deixavam sem defesa. Foi tão de repente que não houve como resistir. De repente já estávamos na cama. Ele beijava todo o meu corpo e eu me rendia. Nós nos amamos com um frenesi, um arrebatamento que nos fazia perder a razão.

Ficamos abraçados em silêncio. Nenhuma palavra caberia naquele momento. Só nossos corpos e almas seriam capazes de entender o que aconteceu. Éramos amigos há anos, confidentes. Se existem almas gêmeas entre amigos, éramos almas gêmeas. Um simples olhar era capaz de nos mostrar. Sabíamos tudo da vida do outro. Trabalho, família, amor, sentimentos, pensamentos. E agora estávamos ali, corpos colados, saciados, inebriados de prazer. Não tínhamos ainda muita noção do que nos aconteceu. Amigos não vão pra cama. Não transam, não se entregam dessa maneira. Tantas vezes já estivemos juntos em viagens e sítios e nunca havíamos aberto a guarda assim.

Mais tarde ele me deu um último beijo e foi para o seu quarto. Não conversamos, talvez não quiséssemos estragar o momento mágico. No dia seguinte a gente mal conseguia se olhar. Estávamos encabulados e sentíamos que todos sabiam o que aconteceu. Mas todos agiam naturalmente e só em nossa culpa pensávamos que sabiam de tudo. Passamos o dia quase sem conseguir nos falar.

Quase na hora de ir embora ele me perguntou se eu ia levá-lo. Eu disse que tinha vindo comigo e voltaria comigo. Fomos os últimos a sair. Íamos calados pela estrada. Era uma estrada deserta. Liguei o som. Tentava não me sentir constrangida, culpada ou vulgar pelo que fiz. Imaginava o que se passava pela cabeça dele. De repente ele disse:

—Pare o carro, por favor.

—O que foi? Está se sentindo mal?

—Não faça perguntas, pare o carro. — parei ele me beijou com ternura. —Você quer namorar, noivar, casar comigo?

—Hein? E o que a gente faz com nossa amizade? O que eu faço com meu namorado? O que você faz com a sua namorada?

—Não estrague este momento com coisas menores. Não vê que escondemos até de nós este amor que insistia em se mostrar, em aflorar, em nos colocar frente a frente como um casal e não como amigos? Até um casamento pode terminar. Por que não um namoro? Depois de ontem você pode dizer que não me ama? Eu não sou capaz de olhar em seus olhos e dizer que sou só seu amigo. Esperamos muito tempo pelo que aconteceu. Havia a vontade, mas não havia coragem.

—Acha que podemos jogar tudo pro alto e simplesmente dizer “descobrimos que nos amamos”? As coisas não funcionam assim. E será que nos amamos? Não terá sido só o momento?

—E o ciúme que você sente de mim? E o ciúme que eu sinto de você? Minha namorada não tem todos os defeitos que você encontra pra ela nem seu namorado é tão ruim como eu digo. Vamos nos permitir. Vamos nos libertar. Pra que perder tempo?

A gente se beijou e já não tinha mais volta. Terminamos nossos namoros e ficamos livres para nos amar. De repente o amor sentiu que era hora de nos mostrar que seríamos sempre amigos, mas sobretudo nos amaríamos loucamente, delicadamente, sinceramente, eternamente.

(Obra de ficção e fantasia.)

Nádia Gonçalves
Enviado por Nádia Gonçalves em 21/04/2025
Código do texto: T8314575
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