Conto sertanejo
Teus cabelos pretos esparramados por suas costas nunca vão me pertencer. Aquele perfume dos teus pulsos nunca estarão nas minhas roupas. A vida passou por nos como a corrente das águas. Não sou teu e tu não és minha.
Monto meu cavalo. Todo um sertão a minha frente e ate os olhos perderem de vista. Lembro da infância quando queria ser doutor. Teria feito viagens, conheceria o mundo, beberida de tudo e poderia sentir sabores de todo tipo de comida. Teria dinheiro até pra comprar a morte.
Acho que tem ensopado de galinha na panela pra janta.
O gado vai passando. Faz um sol bem bonito neste fim de tarde. Dá ate pra tirar o chapeu pra sentir a brisa no cabelo. Redea firme nessas mãos calejadas. Cada calo da minha mão é um diploma que a vida me permitiu conquistar. Devo ter mais de cinco, ja posso ser doutor! Oh vida boa. Mas quem é que sabe o que perdi? Só nosso Senhor. Ele sabe de tudo, inclusive o que é bom pra mim.
Fico admirado que a vida tenha sorrido pra mim depois de tanta coisa que tive que fazer. Devo ter um pão com mortadela, sim, aqui está. Delicioso...
Comer é o mair prazer da vida. Ter uma mulher esperando a gente em casa o segundo, ter terra pra plantar o terceiro.
Amanhã vai ter um franguinho na panela. Uma branquinha pra acompanhar e caju pra tirar o gosto. É uma pena que não posso tá lá. O único mal inevitável dessa vida é que a gente colhe o que planta. Demorou alguns anos, mas chegou meu dia. Diacho! Não tô triste. Vivi bem até esses cinquenta anos. Genivaldo tá atras dos abustos com sua espingarda apontada pra mim. Vou morrer nesse por do Sol. Que melhor velório?
Teu Genivaldo me achou, Rosinha. Ele tá certo. Levei a mulher dele porque nao consegui curar o veneno da cicatriz da saudade. Demonio do amor não me deixou te esquecer. Cada flor me fazia pensar em você. Peguei varias e espalhei pela casa. Esperava a primavera. A casa ficava linda com as flores. Mas como me contentar com as estrelas se no meu coração só existe a Lua? Selei meu cavalo, parti pra casa do Genivaldo. Eu era como um raio naquela estrada seca. Naquela noite você dormiria comigo. Tua pele roçando na minha... só de lembrar Rosinha... aquele beijo macio no meu pescoço, no meu peito. Sou forte mas não aguento enfrentar os teus lábios. Foi tudo molhado como as águas da chuva no telhado. Foi a primeira e última noite. No dia seguinte você disse que era um erro. Que seu pai se envergonharia você tinha razão. Sr. Natanael jurou me matar se eu te tirasse do Genivaldo de novo.
Ontem você deu a luz. Bezerrinho novo nessas bandas. Seu terceiro. Mas que cruel a vida nossa. Você tinha que morrer só pra colocar outra cria do Genivaldo no mundo?
Agora tá lá o viúvo pronto pra limpar a própria honra. Nem quero imaginar viver vinte anos esperando o dia de acertar as contas.
Rosinha, hoje vamos jantar juntos no paraíso. Se nossa senhora me atender vai ter bolo de fubá e café quentinho pra ceia.