Agora, sim
Sentado na calçada, insisto em ligar para o mesmo número.
Caixa postal, de novo.
É a quinta vez.
– Senhor, tem certeza de que não quer ajuda?
Faço um sinal de “deixa pra lá” com a mão, e o jovem curioso se afasta assustado enquanto olho para o meu carro. O rádio está ligado, mas o motor provavelmente não voltará a funcionar. E o absurdo de gastar a pouca bateria que me resta numa ligação que não tem chances de me ajudar com isso sequer me incomoda.
Caixa postal.
– Ei… Se bem me lembro, você costuma checar sua caixa postal só para que o ícone desapareça da tela. Sempre achei besteira, mas tô torcendo pra você fazer isso. Na verdade, isso não vai funcionar, eu queria te ouvir, por isso te liguei… Eu não devia ter deixado essa mensagem, você não quer me ouvir… Não faz sentido! Nada faz sentido, parece.
Já não consigo enxergar as batidas e arranhões antigos no meu carro.
– Eu sei, é tarde demais, já faz muito tempo e qualquer atitude razoável só nos manteria afastados. Mas eu tô cansado de ser razoável e infeliz. Tô cansado de fazer o certo e me ferrar. Tô cansado de ficar longe, de não me incomodar com você checando a maldita caixa postal! Por favor, cheque a caixa postal!
Desligo e olho pra tela enfurecido. Menos de dez por cento de bateria.
Me afasto do carro. Não posso fazer nada sozinho, preciso de algum auxílio.
Ainda é possível ouvir a música ao longe: “... Dia e noite sem parar eu procurei sem encontrar, a palavra certa, a hora certa de voltar. A porta aberta, a hora certa de chegar…”
Atordoado, eu cantarolava. Me preparava para entrar no refrão com a empolgação de quem está na primeira fila do show, quando uma melodia irritante me interrompe.
Minha mão, manchada de sangue, ardia em vários lugares enquanto eu alcançava o telefone no bolso fundo da calça, mas eu só sentia medo de não saber o que dizer.
Seis por cento de bateria.
– Alô!
– Alô… Tá tudo bem?
Olho pro carro já distante alguns metros, a árvore, ouço o refrão negando o óbvio, meus braços e pernas doem e há sangue em algumas partes do meu corpo. Não posso mentir.
– Agora, sim!