Feiticeira

João demorou a chegar. Não que estivesse atrasado, ele só custou a se convencer a ir. Não queria, não podia. Talvez, se adiasse mais um pouco, inventasse uma desculpa boa o suficiente—um mal-estar repentino, uma dor de barriga… Ele queria chorar, se jogar no chão, espernear e fazer birra como uma criança, mas lembrou que não era mais uma. Então, levantou-se e foi. Não por vontade, mas por falta de opção.

Ao chegar, avistou-a de longe. Estava na mesa do canto, ao lado da janela que dava para a rua, iluminada e movimentada naquela noite. Isso o irritou por um instante—como o mundo podia estar tão feliz lá fora, enquanto tudo desabava ali dentro? Aquele lugar foi o ponto de encontro do casal por anos. O primeiro jantar, o pedido de namoro, as comemorações de aniversário. Era o cantinho deles e, agora, seria novamente, mas pela última vez.

João caminhou a passos lentos, observando Helena com atenção. Ela ainda não o havia notado. Estava tão bela que o fez se sentir ofendido. Seu vestidinho de seda a envolvia como um abraço, tornando-se parte de seu corpo. Seu cabelo, preso em um coque meio desajeitado, mas ainda assim belíssimo, estava em harmonia com seu rosto fino, não tão delicado, mas que parecia mais sereno naquele instante. Não lembrava da última vez que a tinha visto tão linda. O que havia de diferente? Seu estilo? Suas roupas? O cabelo? Ou foram apenas os olhos dele que despertaram?

Não teve tempo para responder a essas perguntas. Ela o viu. Aqueles olhos imensos e brilhantes encontraram os seus, e então ele percebeu: ela também andou chorando. Se abraçaram como se não se amassem. Depois, sentaram-se um em frente ao outro.

Helena tomou um gole d’água, limpou a garganta e tentou se recompor, afastando a melancolia que aquele momento carregava. Por fim, falou:

— Bom, eu te chamei aqui para…

Antes que concluísse a frase, João a interrompeu bruscamente:

— Eu sei bem por que você me chamou, e não quero ouvir isso agora. Tenho um pedido. Vamos aproveitar essa noite como se nada estivesse acontecendo, como se fosse apenas mais um jantar. No final, a gente se despede como se fosse se encontrar amanhã. Por favor…

Helena hesitou. Olhou para o relógio, um pouco impaciente, como se tivesse outro compromisso logo depois. Mas acabou cedendo. Talvez por pressão, talvez por consideração, ou porque, no fundo, também queria adiar a sua dor.

— E então, como foi seu dia?

João sorriu aliviado. Estava ganhando tempo, e naquela situação, qualquer minuto ao lado dela era muita coisa.

— Você não vai acreditar. Hoje atendi um cachorro chamado Rodolfo Augusto e, como se já não fosse estranho o bastante, o tutor dele se chamava Max. E adivinha só?

— Ah, não… Você trocou os nomes?

— Exatamente! Cheguei fazendo carinho no Rodolfo e dizendo: "Como vai, Max? Você é um belo garotão."

Helena riu. Não um riso contido, mas aquela gargalhada que assustava até os pombos da rua. João sabia que não era tão engraçado assim, mas ela sempre foi péssima em segurar as emoções—especialmente o riso.

— Você é especialista em passar vergonha.

— Também sou em te fazer rir.

Quando ela recobrou a noção do tempo e do espaço, os dois se encararam, e o peso da realidade apertou o peito de ambos. Ficaram em silêncio por um longo minuto, e aquele vazio fez mais barulho do que qualquer gargalhada de Helena. João se sentiu esmagado, assustado, mas quebrou a tensão com:

— Eu amo a sua risada.

Helena respondeu de forma divertida, mas já sem tanta empolgação, como se soubesse bem onde aquilo ia chegar:

— Eu sei que ela é adorável. Os olhares de julgamento são pura inveja.

João entrou na brincadeira, tentando encontrar um jeito de ouvi-la rir mais uma vez:

— Não, ela é horrível. Mas eu a amo mesmo assim.

A frase não teve o efeito esperado. Helena apenas se calou. Seu olhar ficou distante, talvez não estivesse nem ouvindo mais. Estava apenas divagando em sua mente, em pensamentos que vêm como maré e bagunçam tudo por dentro. Como João desejou estar na mente dela naquele momento, saber por onde viajava, mas não se achou no direito de perguntar. Então, apenas disse:

— Eu vou sentir tanta falta disso.

Ela o olhou de forma ainda meio inconsciente, como quem está voltando aos poucos à realidade. Piscou algumas vezes, segurando as lágrimas que insistiam em se formar, dando dicas de por onde seus pensamentos andavam. E falou:

— Eu também.

— Não conseguimos fingir muito bem, não é?

— Não mesmo, sempre fomos péssimos nisso.

João tentou. Tentou engolir seus sentimentos, ter uma noite leve ao lado dela. Mas era impossível. Cada segundo que passava tinha um gosto amargo de despedida. Ele sentia aquele amor escorrer pelos dedos, a ausência dela se concretizar e doer antes mesmo de acontecer. O desespero começou a crescer dentro dele e, com a voz embargada, murmurou:

— Talvez eu te procure em todas as pessoas daqui em diante.

Helena, que odiava se mostrar vulnerável, engoliu sua comoção e tentou ser um pouco mais racional. Talvez tivesse medo, não de sentir, mas de admitir que sentia tanto. Afinal, aquela decisão havia sido sua, não podia mais voltar atrás. Até queria, mas não podia. Então, disse:

— Só no começo. O que me faz especial é o seu sentimento. Quando ele passar, eu também passarei.

João a encarou, desapontado. Claro que não era hora de criar expectativas, mas ainda assim, ousou esperar um pouco mais de sensibilidade daquela que foi sua companheira por tanto tempo. Percebendo seu incômodo, Helena tocou sua mão e afirmou:

— Vai doer um pouco menos amanhã, eu prometo.

Ele suspirou, afundando-se em sua dor tão real que quase se tornava palpável. Teve até medo de que ela sentisse através de sua pele como tudo dentro dele queimava. Ela não estava mais ali, já tinha ido embora antes mesmo do início do jantar, e ele nem percebeu.

— Engraçado te ver falando assim. Não achei que superaria tão fácil.

Erguendo uma sobrancelha, como quem acaba de ouvir um absurdo, ela respondeu, um tanto ofendida:

— Você se engana. Digo isso por também precisar me convencer.

João deixou escorrer uma pontinha de sentimentalismo e desespero e disse:

— Se você me amava, que direito tinha de me deixar? Como posso conviver com a tua partida, se vejo nos teus olhos que também queres ficar?

— Não é suficiente, você sabe. Amar não é suficiente, é preciso saber o que fazer com o amor.

— Eu quis te amar da forma certa, como você merece, como sempre mereceu.

— Sei que quis, mas é uma pena que não o tenha feito a tempo.

E outra vez, o silêncio tomou conta, um pouco mais intenso, mais definitivo, por assim dizer. Tornou-se desconfortável, desconcertante. Algo estava fora do lugar, talvez tudo estivesse. E estava na hora de consertar, por mais doloroso que fosse. Então, Helena voltou a olhar o relógio com aquele jeito de quem tem pressa. Talvez não para ir a algum lugar, mas para sair logo de um. Então, sem rodeios, levantou-se e disse:

— Desculpa, eu realmente preciso ir.

João nem teve tempo de reagir. Queria levantar, abraçá-la, chorar, pedir para que ficasse. Mas esses impulsos duraram pouco, sendo logo substituídos por um conformismo inevitável. Ela estava certa. Era uma pena que ele não tivesse deixado claro o suficiente o quanto aquela mulher era tudo em sua vida. Era o seu sol, sua chuva, estava em todos os filmes, em livros, em músicas que ela nem conhecia. Helena era o seu princípio e, agora, o seu fim. Sem muita escolha, apenas assentiu e disse:

— Tudo bem. Mas antes, me diz qual foi o seu feitiço. O que você fez para dominar meu coração, corpo e alma? Como você fez para me tornar completamente teu?

Ah, Helena tinha tanto a falar, tanto a sentir... Mas apenas respondeu, tentando parecer descontraída:

— Não posso revelar, mas, se quiser, posso desfazer o feitiço.

João se sentiu ofendido. Desfazer? Como ela podia sugerir extinguir tudo aquilo que borbulhava dentro dele e incendiava sua pele, fazendo-o duvidar se outro humano na face da Terra já havia experimentado tal sentimento? E sentia pena daqueles que, inevitavelmente, nunca iriam sentir.

— Não precisa. Eu quero gostar de você para sempre. Se eu tivesse um pedido nesse momento, seria nunca te esquecer.

Helena sorriu de canto. E, sem demora, partiu. Atravessou o salão, chegou à porta e se foi—sem nem olhar para trás.

Naquele momento, o tempo parou. A rua, que antes estava tão animada e barulhenta, tornou-se silenciosa e vazia. A pele, que há pouco queimava, tornou-se fria, como se, a partir de agora, ali naquele corpo não habitasse mais uma alma, e fosse só o que demonstrava ser: um corpo abandonado. João sentiu sua visão escurecer. Não soube dizer se era amor ou labirintite. Mas, naquele momento, compreendeu o que a tornava tão linda naquela noite:

A liberdade.

Helena se foi.

João ficou.

E permaneceria ali por muito tempo.