Leituras

Eu te li antes de lhe conhecer. Você ainda não havia me lido. Talvez apenas alguns trechos avulsos. Engraçado isso. Passei a vida inteira querendo ser realmente lida. Repetia que meus amores, até então, nunca haviam me lido. Ou melhor, quase amores. Se realmente fossem amores, teriam lido, relido, comentado. Só souberam folhear, talvez. Alguns, no máximo julgaram a capa.

Comprei seu livro. Me lembro que ele chegou rápido. Você, não. Morava em outro continente.

Comecei a ler, era uma noite de fevereiro, tranquilamente chuvosa, o que fugia à regra das tempestades de verão. Esperava um Delivery de comida japonesa e despretensiosamente, comecei a ler. A intenção era ler apenas até o jantar chegar, tomar uma tacinha de vinho verde para harmonizar e depois ir dormir. Era uma terça feira e queria dormir cedo. Mas confesso que gostei tanto do seu estilo de escrita que fui lendo rapidamente, como um faminto à devorar seu prato preferido, mas sentindo bem o gosto.

Em certo ponto, não sabia se era a vontade de comer Sushi ou se era um tipo de fome da alma.

Seu livro me apareceu num longo período de jejum. Sem esforço algum, embora a contragosto, vivia um período sabático. Não me empolgava por ninguém. O único por quem havia me empolgado um pouco mais recentemente, não demonstrou o menor indício de reciprocidade. Se bem que fui discreta até demais. Mas sou assim. Tão discreta que tenho minhas dúvidas se ele percebeu o meu sentimento.

Essa espécie de paixão platônica aos quarenta anos me deixou ainda mais seletiva. "Ofertas" não paravam de surgir, mas eu já não aceitava menos do que queria. Já sabia o que queria e sobretudo o que merecia. Minha companhia valia mais. Isso era ótimo: eu finalmente estava em paz comigo mesma.

Aí eu te li. Ler você acendeu algo inédito em mim. Nada demais, mas um lampejo. Semelhante a uma quase intimidade: parecia que eu estava a ler a mim mesma. Isso seria bom...ou preocupante? Um sinal de narcisismo da minha parte? Ou só uma fantasia de quem tem a imaginação muito ativa. Não sei. Mas fiquei com vontade de te ler pessoalmente. E isso inspirou-me a escrever.

Fui interrompida pelo interfone: entregaram o Sushi. Apesar da vontade de comer, minha fome estava diferente. Entre a comida japonesa, páginas do seu livro e goles de vinho verde português, eu pensei: talvez não tenha encontrado quem de fato me lesse, porque meu destino poderia ser encontrada por quem queira escrever comigo - e lermos um ao outro. Quem sabe.