Havia um bocado de coisas no coração de Júlia, tantas que, às vezes, parecia que ele transbordava sem aviso. Mas quando ela tentava entender o que sentia, era como tentar decifrar um livro escrito em uma língua desconhecida: reconhecia os símbolos, mas não conseguia formar sentido.

 

E lá estava ela de novo, à beira de mais uma decepção, sem saber como explicar por que o amor insistia em ser tão caprichoso.

 

Para Júlia, amor nunca fora só paixão ou arrebatamento. Era cuidado nos dias difíceis, paciência quando tudo parecia dar errado. Era estar presente, oferecer acolhimento quando o mundo lá fora desmoronava. Amor, pensava ela, era um tecido feito de pequenos gestos, entrelaçados com cumplicidade e respeito.

 

“Mas por que ele nunca volta da mesma forma que vai?”, questionava-se em silêncio. Não era a primeira vez que seu peito se preenchia com algo bonito, apenas para descobrir que o sentimento não tinha onde repousar.

 

Seu amor por Ana, por exemplo, florescera sem pressa, como uma planta que surge entre rachaduras do concreto, improvável e inesperada. Ele estava nos detalhes: no jeito que Ana franzia a testa quando estava concentrada, no som da risada que parecia iluminar qualquer ambiente, nas palavras que ela usava para descrever seus sonhos.

 

Mas Ana estava ocupada demais para notar. Sua cabeça e seu coração pertenciam a outra pessoa, alguém com nome e sobrenome, alguém que, ironicamente, lhe causava mais dor do que alegria.

 

Júlia era apenas a amiga que estava sempre lá, oferecendo o ombro, ouvindo desabafos e segurando as pontas quando Ana se sentia perdida.

 

O que Ana não sabia era que, enquanto ela chorava pelo amor de outra pessoa, Júlia a olhava com um amor que jamais seria dito em voz alta. O amor de Júlia não tinha urgência, pois era silencioso e constante, como o vento que toca o rosto sem que a gente perceba de onde vem.

 

Amor, pensava Júlia, era uma mistura de coisas: o cuidado que ninguém vê, a paciência que nunca é reconhecida, o acolhimento que não espera retribuição. E, ainda assim, ela não conseguia deixar de sentir uma tristeza silenciosa por saber que seu amor não era correspondido.

 

Naquela noite, enquanto Ana falava sobre mais uma briga com o namorado, Júlia apenas ouviu, como sempre fazia. Ofereceu conselhos que sabia que não seriam seguidos e palavras de conforto que, para Ana, eram apenas um reflexo da amizade.

 

E quando Ana finalmente foi embora, Júlia ficou ali, sozinha, sentindo o peso do amor que carregava. Um amor que era dela, inteiramente dela, mesmo que nunca fosse notado.

 

Porque, no fundo, Júlia sabia que amar também era isso: cuidar de longe, mesmo quando o outro jamais perceberia. E, por mais doloroso que fosse, ela não sabia ser de outra forma.

 

(Obrigada pela inspiração, minha amiga R.)

 

Aysra
Enviado por Aysra em 15/01/2025
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