O ROMANCE QUE A VIDA LEVOU

A moça levava sua vida menina, e não poderia deixar de ser, pois que a puberdade coroava sua cabeça e a fazia suspirar, nesse momento de transição, pela coroa de margaridas que ressentia seu coração. Mas a moça ia levando...

Tinha um amigo desses de pacto de sangue em fundo de quintal, que crescera consigo. Era uma amizade profunda, sem limites e nem barreiras, e nessa condição viam-se na posição de darem-se no conjunto de verbos a que tinham direito: olhavam-se, falavam-se e tocavam-se com todo um amor profundo e fraterno. E os dois iam levando...

Chuvas torrenciais de verão passaram, calmas folhas de outono caíram, cintilantes gotas de orvalho do inverno desceram e coloridas flores de primavera brotaram, junto com elas, o amor em seus corações. Mas ela não se revelava e ele não se decidia, e então se limitavam a conjugar seus verbos na primeira pessoa. Era algo assim como um segredo só para os dois, pois que todos liam nas suas testas, pernas e bocas o que lhes era impossível em palavras revelar. E a coisa ia seguindo...

Certo dia descobriram-se tocando como nunca haviam se tocado, e o seu coração de fêmea ardia fundo ao passo que o dele de homem ressoava alto. Às vezes, nessas trocas, mascaradas como apenas fraternais, pegavam-se discutindo há horas os assuntos mais diversos, mas não conseguiam dizer o que realmente queriam. Quando um respirava fundo, numa coragem de deuses, o outro desencorajava numa fraqueza mortal. Seus sentimentos configuravam-se como uma grande e forte árvore, cultivada e semeada e irrigada e assistida pelos dois, porém, agora já crescida, recusavam o deleite de sua sombra e de seus deliciosos frutos. Era o impasse da oferta que se fazia como uma bola de neve, rolando...

Certa data o rapaz segurou-a pelo braço e lhe lançou um olhar com todo o clamor de sua paixão, e fitou-a semente:

__Por que posso ter todas as moças que nada me dizem e você sair com todos os rapazes que não a referem e não possamos nos ter?

Ela nada disse. Olhava-o, já sentindo o gosto da fruta do desejo na boca. Quase que engolia, quando despertou:

__Que loucura!

Os dias iam passando, séculos de existência, infinitas gerações. A Menina ia levando; o rapaz ia levando; os dois iam levando, até que a vida o requereu. Partiria para um país distante, não importa onde, e sim que ela não iria. Na hora do embarque fitaram-se com um certo remorso pelo não feito e uma melancolia certa pelo que jamais iriam fazer. O avião decolou, e na sua bagagem aquele mar de desejos contidos e de amor retraído. Por fim, sei que agora vivem suspirando, pois que enquanto um se embriaga na sombra da árvore o outro se dopa comendo seus frutos. Sozinhos.