O Amor como Contrato

Ele, sociólogo de Harvard, um especialista em relações humanas, sabia que o comportamento era como um jogo de xadrez. Cada movimento calculado, cada reação previsível, uma série de variáveis a serem ajustadas e estudadas. O amor? Uma curiosidade. Algo que poderia ser reduzido a uma equação — uma construção de causa e efeito. E se ele soubesse mesmo o que era o amor? Não importava. Ele sabia o que deveria ser.

Ela, advogada de contratos, se movia como se a vida fosse uma negociação. Cada palavra, um artigo. Cada ato, uma cláusula. Nada devia ser deixado ao acaso. Amava as garantias, os seguros, as assinaturas que selavam o que era real. E o que não estava escrito, não existia. E por que isso seria diferente no amor? Só mais uma brecha a ser coberta.

Seus olhos se cruzaram, e tudo parecia simplesmente... lógico. Ela o olhava com curiosidade calculada, ele a analisava como um experimento interessante. Eles conversaram, começaram a sair. Entre jantares e conversas sobre contratos e estatísticas de mercado, as trocas foram se aprofundando, mas com uma precisão distante. Ambos se sentiam confortáveis naquilo. Sem surpresas. Como um bem investido.

Até que ele começou a perceber que a coisa ia além de uma simples troca. Ela o atraía, não pela lógica das palavras, mas pela forma como desafiava seus próprios cálculos. Como se tivesse um mecanismo interno que ele não conseguia entender. E talvez fosse isso o que o seduzia — a incerteza, o erro que ele não conseguia prever.

A noite em que tudo se precipitou foi, claro, inevitável. A tensão entre eles se tornou palpável. Como um contrato assinado sem detalhes, o que começou em palavras acabou em corpos. E foi... perfeito. Ele pensou que o desejo, como a razão, seria uma fórmula simples. Mas nada foi previsível. Eles se entregaram, e por um momento, ele se esqueceu do que era o controle. Ele se esqueceu de tudo.

Na manhã seguinte, a realidade veio como uma fatura não paga. Ele olhou para ela, e o pânico tomou conta. Não havia cuidado. Ele sabia que não poderia ser assim, mas o medo de não ter previsto a consequência o dominou. Ela estava ali, e a possibilidade de gerar algo que fugisse de qualquer regra o deixou sem chão.

“Você não acha que é um pouco irresponsável, não?” Ele disse, a ansiedade dominando sua voz, tentando se acalmar. “Isso é… sério. Não podemos deixar que algo assim aconteça. Uma vida... muda tudo.”

Ela o olhou, perplexa, sem saber se a decepção era por ele ou por si mesma. Não era a primeira vez que ele a frustrava com esse tipo de lógica fria. Não foi apenas um erro dela. Foi o medo dele, o medo de perder o controle, de perder o domínio sobre o próprio script da vida.

“Eu não sou uma irresponsável”, ela disse, com a voz baixa, mais por ela do que por ele. “Eu só não planejei tudo de acordo com você. E você… você não planejou nada para o amor. Isso é o que você não entende. A vida não é um contrato que você pode renegociar quando dá errado.”

Ele tentou falar, mas as palavras ficaram presas. A argumentação, racional que fosse, já não fazia mais sentido. Ele estava começando a perceber que ela tinha razão. O amor não era um contrato, e o controle que ele tanto almejava nunca se encaixaria ali. Ele sentiu como se tivesse dado um passo em falso dentro de um labirinto sem saída.

Ela, por sua vez, já não estava ali. Estava no espaço que ele não conseguia compreender. Quando ele falou sobre os "riscos", ela o ouviu, mas o que ele dizia parecia cada vez mais um discurso vazio. Ela não queria que fosse assim. Ela não queria ser reduzida a uma cláusula, e ele não queria ser o advogado da vida deles, calculando cada passo.

Naquele momento, o que estava claro era que nada na vida deles estava mais certo do que a separação. Ele, com sua ansiedade e sua frieza, ela, com sua vontade de ser mais do que as palavras permitiam. Ambos fracassaram no único ponto que jamais poderiam: a falha de comunicação que transcende o entendimento racional.

Ele voltou para casa, ainda confuso. As semanas passaram. Ele, o sociólogo que sabia tudo sobre as relações humanas, continuava incapaz de decifrar seu próprio coração. Não havia mais contratos, nem cláusulas de amor. Apenas o vazio daquilo que ele não conseguia controlar. Ela, por sua vez, seguiu sua vida, fechando os contratos, renegociando sua própria paz interior. Mas, no fundo, ambos sabiam que o amor — esse imponderável — jamais poderia ser convertido em um simples acordo.

Erogat C
Enviado por Erogat C em 30/12/2024
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