Corações Dançantes
O melhor filtro é aquele que é capaz de separar a aparência da essência.
— Provérbio Hitaísta.
Já fazia um certo tempo que diziam estar tudo sob controle, e que Adrag jamais tornaria a atacar.
Melita Silosmuam Macheng, entretanto — uma espiã muito bem treinada na doutrina hitaísta — desconfiava profundamente daquela crença. E não era a única. O sócio, Rábenez Abileuxundra Tarbatela, compartilhava da mesma opinião, e longas eram as discussões que envolviam os dois no expediente.
O retorno do poderoso inimigo dos Dois Que São Um marcava o fim de um longo período de paz, que se seguira à sua primeira grande derrota diante das criaturas racionais de Hita, a Deusa da Vida; durante um período que ficou conhecido como Primeira Guerra Intergaláctica. De fato, seu desejo de vingança era iminente. E isso implicava na utilização de novos métodos de ataque — mais sofisticados, por assim dizer. A alta tecnologia de defesa que havia se desenvolvido nos últimos séculos, como forma de contrapartida, se mal aplicada, correria o risco de ficar obsoleta, não obstante o nível de confiança que, em geral, depositavam nela.
Mas Melita não devia pensar em trabalho agora, ainda que a segurança intergaláctica dependesse da atuação de espiões como ela naquela empreitada. Ora, mas estava de férias na Davinça do Sul, o país da boa gastronomia! Pelo menos durante aqueles dias, tentaria agir normalmente, como se o Senhor do Caos e da Destruição não tivesse regressado do Abismo e deixado uma cratera em forma de fenda no planeta, pouco antes de desaparecer misteriosamente.
Melita consultou o cardápio pelo telec, fixo no pulso esquerdo, e fez o pedido a um dos robôs-garçons, que trouxe a deliciosa receita de legumes refogado com carne de porco.
O imenso restaurante à luz de velas, com capacidade para mais de mil pessoas, caía em profunda agitação por conta do espetáculo noturno, que trazia poesia e música combinadas, envolvendo as multidões. O destaque na apresentação era a proeminente figura da Matriarca de Rosaurina, proprietária do estabelecimento, e seu marido, um ilustríssimo cavalheiro, famoso literato, o patriarca Danvier Crudinon, com quem cantava:
A GLÓRIA DAS MULHERES
As mulheres se desenvolvem mais cedo,
mas os homens morrem primeiro.
O corpo feminino, pioneiro na maturação,
é o último
na decomposição.
O conhecimento científico,
as relações humanas...
ambos mediados pela linguagem,
marcada, ó, mulher, por sua comprovada superioridade!
Espermatozoide e óvulo geram vida,
mas é somente na gestação que ela é erguida,
erguida para um outro patamar!
Não o patamar reservado às sementes,
mas às flores que delas desabrocham!
A humanidade
em sua totalidade.
Deslumbrada, Melita se juntou à chuva de aplausos. Assentia com a cabeça, pensativa.
Ela estava certa. Passar o Feriado da Mulher em plena Davinça do Sul era mesmo outro nível!
Pioneiro a incluir a data na lista de feriados locais, o país fora o berço do movimento femenelista. Estava na vóiller percursora da nação percursora: a pequena e florida Rosaurina, no extremo sul da mais meridional das nações davincesas.
Pela primeira vez, Melita contemplou, um a um, os talentosos participantes da orquestra que ritmava a canção. Tão jovens, a maioria!... e um homem que aparentava ter mais ou menos a sua idade, na casa dos vinte e poucos anos.
Talvez seja bem mais velho, pensou, é bem bonitão, e beleza é algo que rejuvenesce todo mundo.
Seu olhar acabou cruzando com o do homem. Ele sorriu, mas continuou a tocar o instrumento, sem perder a concentração. Piscou.
Melita sorriu de volta, meio tímida, desviando o olhar.
Centrou-se na refeição. Ao fim do espetáculo, ouviu um rastejar de cadeira bem próximo.
Virou-se.
Era o mesmo homem, instalando-se à diagonal de sua mesa.
Os cabelos dourados cintilavam à luz de velas, que se refletia nos olhos, de um azul profundo, da cor do mar. Vestia um sobretudo aberto numa gola V meio frouxa, que expunha o bronzeado de sua pele.
Piscou de novo. Com um riso maroto, perguntou, em sul-davincês:
— Perdi alguma coisa?
Melita corou ligeiramente.
— Que eu saiba, não — respondeu no referido idioma.
O rosto do homem iluminou-se de um jeito misterioso. Tornou a ficar de pé.
— Bom, melhor eu ir... Se seu marido aparecer, vai me matar...
— Eu não tenho marido.
— Namorado?
— Também não. Mas por que isso interessaria a você? — Havia uma certa rispidez no tom de sua voz.
Ele ignorou a pergunta.
— Uma moça bonita dessas... solteirona?! Bem, é como eu digo, às vezes: há algo de errado com a minha classe...
— Que classe? — Melita franziu as sobrancelhas.
— Com a classe masculina... — respondeu, meio encabulado. — Me concede uma dança? — Curvou-se, fazendo um profundo gesto de mesura.
— Uma dança?
— Sim! — Estendeu os braços até ela.
Puxou-lhe a mão devagar.
A delicadeza que caracterizou o gesto fez Melita ceder aos poucos.
Lentamente, ele a conduzia para o meio do salão, como um bom cavalheiro.
A Matriarca de Rosaurina atravessou a passagem, tentando dizer algo a Melita.
— Moça... — Sua voz era temerosa.
Mas, dali em diante, ela só tinha olhos para o homem com quem dançava.
***
CORAÇÕES DANÇANTES
Nossos corações gritam,
vibram;
exalando luxúria
e paixão.
Está esperando o quê, mulherão?
Juntos, nós dançamos,
dançamos em círculos,
em quadrados
e triângulos,
atendendo às mais diversas formas geométricas
de expressão e desejo,
enquanto o Astro-Rei queima
e nossos corpos
incendeia.
Em todo o estabelecimento, os olhares estavam fixos em Melita e no homem com quem dançava.
Na companhia de vários casais que se juntaram à festa, da boa seleção de músicas de baile improvisada de última hora e dos muitos aplausos recebidos, dançaram até tarde, mal sentindo o tempo passar. Quando foram se dar conta, o restaurante já se esvaziava.
Gargalhavam juntos.
— Você é incrível! Incrível! Mas ainda não me disse seu nome — atalhou o rapaz. — Nem de onde é.
— Você também não disse o seu nome...
— Meu nome é Leond Birnô. Mas pode me chamar de Leo, se assim preferir.
— Prazer, Leo! — Com um sorriso, apertou-lhe a mão, como forma de cumprimento. — O meu nome é Melita. Sou natural de Medilha, mas atualmente vivo em Manchibur.
— Fantástico, fantástico! Terra de Dorge Binze e terra de Danvil Scurzar!...
— Sim, e eles estão entre os meus autores preferidos, por sinal!
— Bom gosto você tem! Por falar nisso, já leu alguma coisa do cidadão ilustre que estava aqui agora há pouco?
— O Danvier Crudinon? Já, sim! Também está na minha lista de autores preferidos.
— Deixe-me então adivinhar: viajou até aqui para passar o Feriado da Mulher com uma dose a mais de clima, justamente no local de seu surgimento, e berço do movimento femenelista?
— Acertou! — Melita riu um pouco. — Bom, obrigada pela dança! Mas vou ter que voltar para o hotel agora... Está ficando muito tarde.
— Pois é, e mal sentimos o tempo passar!
— Sim! Eu mesma só me dei conta quando vi o pessoal saindo...
— Tranquilo, eu também. Comigo foi a mesma coisa! E me desculpe por tomar muito do seu tempo...
— Não precisa me pedir desculpas. Eu precisava um pouco dessa adrenalina de festa!... Fazia tempo que não sentia isso...
— Logo você se acostuma de novo. Estará aqui amanhã também?
— Estarei, sim. Estou inscrita na programação completa do Feriado.
— Bom saber! Então, até amanhã. A gente se vê!
Despedindo-se com um aceno, Melita viu a porta do elevador se fechar à sua frente.
Desceu no andar térreo. Percorreu o saguão e o corredor que o ligava ao hall, deixando a residência pela porta dianteira.
O hotel não ficava muito distante dali. Escolhera, precisamente, o melhor lugar possível para aquela viagem, perto das principais atrações turísticas da vóiller.
Depois de caminhar às margens da avenida beira-mar, repleta de esculturas femininas sinuosas, subir à luxuosa suíte e tomar um banho quente de espuma na banheira, observou, da janela de frente para a cama, o Lunetoide sorrindo no céu, abrindo frestas na sombra da noite.
Melita também sorria. Finalmente, conseguira desviar o foco do trabalho. No centro de seus pensamentos, estava, no lugar... um certo rapaz.
***
No lugar do despertador, foi uma ligação do telec que acordou Melita na manhã seguinte.
Sentou-se na cama, sobressaltada. Arfante.
Quem deveria ser àquela hora? Seria alguma urgência?
Apanhou o telec da mesinha de cabeceira ao lado e se assustou com o horário que apareceu na tela pluridimensional do dispositivo.
Ué? Por que o despertador não tocou?
Atribuindo intuitivamente a culpa ao sono pesado que marcara a madrugada, converteu o telec para a forma de tablete e, levando-o ao ouvido, atendeu à ligação. Do outro lado da linha, a voz do sócio saía com toda euforia:
— Melita! E aí? Como estão as coisas?
A mulher gargalhou.
— Se não fosse por você, estaria até a essa hora dormindo ainda, acredita?
— Então atrapalhei?
— Não! Nem um pouco! Fez foi me ajudar! Já ia perder todo o passeio de hoje, se você não tivesse ligado e me acordado. Tenho que me arrumar rápido para não chegar atrasada...
— Então quer dizer que está conseguindo desviar o foco do trabalho? Mas que coisa boa!
— Sim! Mas só espero que não tenha acontecido nada relacionado a Adrag e à guerra...
— Se tivesse acontecido, já teria dito. Seria a primeira coisa a dizer para você!
— Não sei, não... No fundo, você quer que eu aproveite, acima de tudo. Promete que vai continuar assim, agindo desse jeito, sem me esconder nada?
— Prometo. Já falei isso para você! Mas está aproveitando mesmo, pelo menos?
— Bastante. E estou conseguindo me desligar do trabalho, finalmente.
— Eu não falei que você ia conseguir?
— É, falou... mas... — Melita encabulou-se quando o evento da noite anterior acendeu na memória.
— Por acaso... aconteceu alguma coisa especial?
— Não exatamente... — Imergia nos pensamentos insistentes. — Bom, vou ter que desligar agora, Rábenez, senão, além do passeio, perco o café da manhã do hotel também.
— Tranquilo. Até mais, Melita! Aproveita aí! E um feliz Feriado da Mulher para você.
— Obrigada, meu amigo. E igualmente para você, a querida Simiana e o pequeno Rabar! — agradeceu, lembrando-se do casal incrível que formavam os dois amigos, pais de primeira viagem; ao mesmo tempo, ficando cada vez mais apreensiva com o horário.
Levantou-se da cama de vez, enérgica. Foi ao guarda-roupa e o abriu. Escolheu uma blusa fresca e uma saia jeans, devido ao calor que já fazia, antecipando o verão em alguns dias.
Tomou um banho caprichado, vestiu-se e escovou os dentes. Migrou para a porta e deixou a suíte, apressada.
Atravessou o corredor circundante à esquerda e dobrou no passadiço que dava para a Espinha Dorsal, em sentido contrário. Adentrou o elevador pela porta que se abriu dela e desceu do terceiro andar da Esfera Norte ao primeiro andar da Esfera Central, que abrigava a sala do desjejum.
Vendido, havia alguns anos, pelos antigos proprietários num grande leilão, o hotel ocupava um galecão inteiro, antes com a maior parte residencial. Como toda construção do estilo, consistia naquele familiar amontoado de casas com formato esférico, interligadas pelo cilindro gigante, denominado Espinha Dorsal, composto internamente por um elevador e uma escadaria que o serpenteava nas paredes, abarcando diversas salas, próprias para serem utilizadas como estabelecimentos comerciais.
Ao deixar o local, muito bem saciada com os pães crocantes com geleia e manteiga de castanha, decidiu checar se a residência da Matriarca de Rosaurina já estava aberta para visitação.
Com um leve frio na barriga, seguiu pela larga avenida arborizada, ladeada por casas esparsas, galecões e edifícios históricos de beleza arquitetônica ímpar, refletindo-se no mar, onde o Astodeise matinal brilhava bem acima do firmamento, dando cor e vida à paisagem de árvores e concreto, que experimentava da alegria contagiante do começo do dia.
Não demorou muito até o destino de Melita aparecer, à esquerda.
Ela atravessou o calçamento, cruzou o amplo jardim e, diante da fachada, espiou o andar térreo da residência da Matriarca de Rosaurina pela porta envidraçada.
Um robô flutuou do saguão até o hall pelo corredor e entreabriu a passagem.
— Pois não?
— O galecão já está aberto para visitação?
— Ainda não. O pessoal da orquestra ainda está ensaiando. Em que posso ajudá-la? A senhorita deseja falar com alguém?
Melita ficou sem saber o que dizer.
Bem nesse momento, contudo, uma voz masculina que lhe parecia familiar ressoou dos fundos do recinto:
— Quem é, Irórique?
— Uma moça aqui... perguntando se a residência já está aberta para visitação. Qual o seu nome, moça?
— Melita — respondeu prontamente.
— Melita? — A voz masculina ergueu seu tom. Era possível captar o entusiasmo que deixou transparecer naquele instante.
O autor da voz surgiu ao fim do corredor, e Melita pôde ver que era exatamente quem desejava encontrar.
— Não devia estar ensaiando, Mestre? — perguntou o robô Irórique.
— Pausa para o intervalo — respondeu Leo. Seus olhos se iluminaram diante da presença inesperada de Melita. — Pode deixá-la entrar.
— Conhece esta moça?
— Conheço... embora ainda não como gostaria. O que é uma pena. — Sorriu para Melita. — Entre!
— Eu não quero atrapalhar o ensaio de vocês.
— Já disse que estamos no intervalo.
— E o intervalo dura tanto tempo assim?
— Quinze minutos. Mas é o suficiente para batermos um papo. Venha, quero saber mais sobre você. Que noite aquela de ontem, hein?
Melita sorriu, balançando a cabeça num gesto de concordância veemente. Passou pela porta, sem pressa. Avançou pelo corredor a passos lentos.
Leo concedeu-lhe um eufórico aperto de mão. Em seguida, a abraçou.
— Conversamos aqui mesmo? — indagou Melita, após ceder aos cumprimentos.
— Sim. Mas primeiro gostaria de saber uma coisa...
— O quê?
— Por que veio me procurar? A gente já não ia se ver hoje?
— Eu... — As palavras escaparam de Melita. Nem ela mesma sabia ao certo a resposta.
— Fica tranquila! Não precisa se explicar. Já entendi qual é o lance aqui... — Deu-lhe uma piscadela.
Melita enrubesceu de forma quase imperceptível. Sem deixar de sorrir.
— Gostei de você ter vindo aqui. Venha, vou apresentá-la ao pessoal que trabalha comigo...
A mulher o acompanhou pelo saguão até a Espinha Dorsal. Entraram no elevador, assim que a porta se abriu. Subiram ao segundo andar da Esfera Sul, onde ficava o restaurante.
— Trouxe aqui uma visita inesperada — anunciou para a equipe.
Melita atraiu todos os olhares curiosos dos que estavam na sala.
— Você estava aqui ontem, não estava? — averiguou a Matriarca de Rosaurina, com seu vestido vermelho longo e esvoaçante.
— Estava.
— Eu sei, sou boa fisionomista! — Aproximou-se, com uma risada. — Prazer em conhecê-la! Qual seu nome?
— Melita.
— Ah, você é a famosa Melita! A que dançou com o Leo ontem!
— Isso mesmo, chefia! — confirmou o rapaz.
— Pois é. Ele praticamente só falou em você hoje, desde que amanheceu — disse a matriarca para a visita, com um ar pensativo. Parecia preocupada com algo.
Leo e Melita trocaram olhares bastante sugestivos.
— Bom — começou o rapaz — vou trazer umas bebidas para a gente. Vai querer alguma coisa, Melita?
— Um café forte, no máximo.
— Ih, essa é das minhas! Também adoro café — declarou a matriarca erguendo o dedo indicador na direção da moça.
— E eu! — confessou o marido, erguendo a xícara cheia com a mão.
— Nós todos! — disseram os homens da orquestra, indo cumprimentar Melita, um a um.
— Bom, eu vou nessa, pessoal — anunciou Leo. — Volto daqui a pouco. — Desapareceu pela porta.
Fez-se silêncio por alguns segundos após a saída do rapaz.
— Melita, querida — chamou a Matriarca de Rosaurina, com um ar maternal — percebo que o Leond estabeleceu uma forte conexão com você logo naquele primeiro dia de abertura do espetáculo. Mas tem certeza mesmo de que ele é um homem certo para você sequer pensar em começar a se envolver? — Diante do olhar interrogativo da moça, continuou: — Conheço o Leo já há alguns anos. Ele é muito indeciso. Não tem a menor constância. Principalmente quando se trata de mulheres. Ele tem uma paixão especial por estrangeiras, e as troca com a mesma facilidade que alguém troca dinheiro por bens e vice-versa. Acho que você deve ser bem a décima estrangeira por quem ele já se mostrou interessado.
Melita ficou assustada.
Décima?!
A Matriarca de Rosaurina tentou contornar a situação:
— Não quero que me veja como uma estraga-prazeres, nem como alguém que quer desiludi-la a qualquer custo. Só estou lhe advertindo. Eu já fui jovem, já passei por coisas desse tipo. E muita coisa do que vivi de desagradável poderia ter sido evitada se tivesse sempre dado atenção aos conselhos da minha mãe, por exemplo. Claro que tudo isso depende dos seus objetivos. Se não quiser pensar em casamento por hora, e só mesmo adquirir experiência, vá em frente, sem precisar se preocupar tanto. Mas, se estiver atrás de um homem com quem desejaria, como mulher, poder compartilhar a vida e seu império juntos, pense duas vezes. As pessoas podem mudar, é verdade. Talvez seja necessária uma conversa entre vocês dois, de modo a alinhar ou não seus objetivos. De preferência, antes de vocês tentarem qualquer coisa e, mais ainda, antes de qualquer lance mais sério.
Melita teve certa dificuldade de assimilar aquelas informações até então desconhecidas. Precisava pensar.
Leond retornou pouco depois, trazendo as bebidas e o café forte que pedira.
Mas o clima já não era mais o mesmo.
A mulher bem que tentou agir com naturalidade, mas não conseguiu disfarçar a mudança em seu estado de espírito. Respondia a cada indagação de Leond com um mero “sim” ou “não”, em tudo, limitando-se a dizer apenas o necessário.
Encerrado o intervalo do ensaio, o rapaz recolheu os copos vazios numa bandeja e entregou-a aos robôs domésticos, que escanearam o objeto, devolvendo-o ao armário da cozinha, situada ao fundo do recinto, do outro lado da parede de gesso. Ofereceu-se para levar Melita até a porta, como o bom cavalheiro que era ou, ao menos, tentava parecer ser.
— Aconteceu alguma coisa? — ele deixou escapar, ao atravessarem o corredor que ligava o saguão ao hall.
— O quê? — A moça tentou se fingir de desentendida.
— Alguma coisa... sei lá... Estou achando você... meio diferente agora. Meio diferente de quando chegou aqui.
— Diferente como?
— Parecia bem mais animada antes.
Melita forçou um riso.
— Não aconteceu nada. Estou só... um pouco... ansiosa, sabe?
Leo empolgou-se de repente.
— Ansiosa para hoje à noite?
— Sim.
Ele pareceu se convencer.
— Esquenta, não, num instante passa o tempo. — Abriu a porta dianteira para a moça. — Até mais tarde.
Melita reiterou a fala, e seguiu para o próximo passeio, tentando se divertir, enquanto os pensamentos insistentes faziam a sua mente borbulhar.
Aproveitou o tempo ao qual dedicou aos outros passeios turísticos para ponderar acerca das palavras da Matriarca de Rosaurina. E tomou uma importante decisão.
No fim da tarde — após passar horas de deleite no Museu de Arte Femenelista e Neofemenelista e saborear a gastronomia dos bares e restaurantes famosos — retornou ao hotel, parando para descansar um pouco e tornando a sair bem cedo, assim que caiu a noite.
Compareceu ao evento no restaurante pontualmente. Assistiu à continuação do espetáculo, que pareceu ainda melhor que o da vez anterior. Entretanto, sentiu que poderia ter aproveitado um pouco mais, se não tivesse uma questão pendente para resolver.
Após a apresentação, Leond dirigiu-se à sua mesa, conforme previra. E foi assim que conseguiu introduzir o assunto.
— Peço desculpas.
— Desculpas? — Leond olhou-a, sem entender. — Desculpas por quê?
— Eu menti.
— Mentiu? Mentiu para quem?
— Para você.
O rapaz se viu imerso num mar de desconfiança.
— Mentiu para mim? Mentiu para mim... sobre o quê?
— Você tinha me perguntado hoje mais cedo se alguma coisa tinha acontecido.
— Alguma coisa?
— Sim. Algo novo.
— Sim, eu lembro de ter perguntado isso...
— E aconteceu mesmo.
Leond ergueu as pálpebras, parecendo meio apreensivo.
— A matriarca disse alguma coisa sobre mim?
Melita silenciou por um momento.
— Disse.
— O que ela disse?
— Não importam os detalhes. Só quero dizer que, se eu for só mais uma estrangeira na sua conta, vou logo dizendo que estou fora de qualquer lance que chegue a rolar entre a gente! — atalhou, falando num tom bastante incisivo.
O brilho que havia nos olhos de Leond desapareceu.
— Aí é que está! — Pareceu um pouco exaltado. — Você não é! A conexão que senti com você foi única! Nunca senti nada parecido com ninguém assim... tão rápido! Tão rápido que foi daquele jeito!...
Melita balançou a cabeça tediosamente.
— Você deve ter dito o mesmo para as outras...
— Não! Não disse! Essa é a grande questão. Você é o tipo de mulher que eu namoraria sério! De verdade!
— Como você sabe? Não nos conhecemos quase nada ainda... Para falar a verdade, acabamos de nos conhecer... Foi tudo ontem. Tudo que ocorreu entre nós foi intenso, mas rolou tudo ontem somente. É muito pouco tempo para estabelecermos um juízo do que aquilo significou de fato, se se tratou de algo apenas temporário... ou durável.
— Mas eu sinto, sabe? Não acredita em paixão à primeira vista?
Melita pensou um pouco.
— Até acredito. Mas paixão à primeira vista também pode, muitas vezes, não passar de uma simples ilusão do coração. Por isso, se chama paixão. E é como diz o velho ditado: o que coração sente não é o que a mente vê.
— É justamente por isso que eu bato tanto na tecla de que preciso conhecer você melhor!
Melita absorveu bem a última frase.
— Acho que agora entendi o que você quis dizer...
— Entendeu agora?
— Entendi.
— Estou disposto a isso, é sério! O quanto for preciso. O quanto de tempo for necessário.
— Entendo.
— Entende, não é?
— Sim.
— Tudo bem entre nós agora, então?
Melita assentiu.
— Podemos continuar de onde paramos?
— Podemos.
— Que assim seja, então. — Inclinou o corpo diante da mesa e aproximou o rosto com o dela. Em seguida, beijou-a nos lábios, pela primeira vez. E intensamente.
Melita gostou daquela atitude. Sentindo de perto o hálito quente do homem, deixou-se sorrir.
— Que assim seja, então! — reiterou Leond satisfeito.
Um dos robôs-garçons reapareceu com mais bebidas na bandeja.
Leond e Melita brindaram juntos, e se molharam muito. Talvez tenham feito aquilo para delimitar o que consideraram um marco desde a noite em que se conheceram e dançaram juntos.
— E então, Melita, o que você faz da vida? — quis saber Leond, os olhos brilhando de entusiasmo. — Tenho certeza de que seu trabalho deve ser bem interessante! Para fazer jus ao seu nome, é claro!...
— Sou policial — ao que a moça respondeu, entreabrindo um sorriso. Obviamente, não podia especificar que trabalhava no ramo da espionagem.
— Verdade? — Pareceu se empolgar.
— Sim.
Antes que pudessem dar continuidade à conversa, no entanto, a Matriarca de Rosaurina anunciou no autofalante:
— Hoje teremos a primeira de nossas tradicionais palestras. Série de palestras mais do que especial, pois trata outra vez de um assunto bastante pertinente para este feriado.
— Vai ter uma palestra? — animou-se Melita.
— Vai, sim, sempre tem nesses eventos — confirmou Leo.
— Que bacana! Quem vai palestrar?
— Os donos da casa, como de praxe.
O Patriarca e a Matriarca de Rosaurina subiam ao palco, atraindo os olhares de todos.
— Boa noite, pessoal! — desejou a poderosa mulher à imensa clientela, falando ao microfone suspenso no suporte. — Espero que estejam apreciando a segunda parte do nosso evento.
— Estamos! — a plateia gritou, pausadamente.
— Que bom! Fico muito feliz em ouvir isso! Sensação de dever sendo cumprido. Danvier e eu seguiremos para uma palestra agora. Diz respeito à temática do feriado, que é a figura da mulher em nosso mundo. Todo ano fazemos uma palestra do tema, mas sempre com abordagens únicas e que não se repetem. O tópico da vez diz respeito à energia feminina, ao que a grande filósofa Adenara de Atenaris se referiu como a segunda metade do princípio movente, a energia que move todas as coisas. Uma vez que toda mudança é precedida por uma causa, se não houvesse esse tal princípio movente, cairíamos numa sucessão infinita de causas, e a própria noção de causalidade perderia seu sentido. A energia que move o universo se difere por ser a única que não é, portanto, movida por outra. Mas que energia é essa? Alguém sabe?
Boa parte do público levantou a mão, falando em resposta:
— Hito e Hita!
— Exatamente! — A Matriarca de Rosaurina assentiu com a cabeça. — Esta energia consiste em Hito e Hita. Muito bem. E está em todas as suas criações. Como sabemos que a segunda metade do princípio movente é feminina?
A plateia mantinha-se ainda em silêncio, enquanto a matriarca, após uma breve pausa e um suspiro, concluía:
— Justamente porque, para que haja a vida, é necessário primeiro Hito e depois Hita. Desta união, os elementos físico-químicos reagem e dão origem à vida como conhecemos.
Após os longos aplausos, o marido, Danvier, deu prosseguimento ao discurso:
— Exatamente! No princípio, quando o multiverso era nada, como sabemos, só existiam três grandes espíritos. Eram Hito e Hita, o Deus dos Astros e do Espaço e a Deusa da Vida, e Adrag, o Senhor do Caos e da Destruição. O segundo espírito, a continuação do primeiro. Juntos, formavam os Dois Que São Um. O terceiro espírito, Adrag, o extremo oposto deles. Enquanto Hito e Hita significavam ordem, paz e harmonia, Adrag significava, respectivamente, desordem, violência e desarmonia. Os Dois Que São Um criavam, construíam, enquanto a sua grande antítese não criava nada, e só destruía. Por isso, eram inimigos, ao mesmo tempo que complementares: assim como a luz e a escuridão, duas forças opostas, porém indissociáveis. Como lidar com forças tão antagônicas? Foi pensando nesse aspecto que Hito e Hita decidiram criar o mundo. Entretanto, para isso, tiveram que negociar com o Inimigo, Adrag, que sempre destruiria, enquanto os Dois Que São Um sempre criariam. É, portanto, a energia do Inimigo que dá à morte a sua razão de existência, mas não só a ela, como também todas as coisas perecíveis, incluindo aquelas que são necessárias para a manutenção da própria vida.
A Matriarca de Rosaurina enfatizou:
— Fazemos, neste feriado, um apelo a todas as mulheres aqui presentes hoje, sobretudo àquelas que ainda não ativaram a sua energia feminina. Parem e pensem: ainda há tempo! Ainda há tempo de vocês acreditarem em si como deveriam. Ainda há tempo de descobrirem a si mesmas. E a hora é mais do que oportuna! Estamos passando por um período turbulento, em que Adrag retornou e o futuro permanece sombrio, ainda que tenhamos meios sólidos de defesa. É imprescindível que cada uma de nós, mulheres, tenhamos ciência do poder que temos e toda a responsabilidade que este poder traz conosco, e assim, continuarmos a transformar este mundo para o melhor possível!
Seguiu-se uma explosão de aplausos, mas também algumas vaias inesperadas, que vinham do fundo do estabelecimento.
O patriarca e a matriarca deslizaram o olhar pela plateia até lá.
A multidão de clientes olhou para trás.
Um grupo de homens de aspecto mal-encarado se levantava e ia marchando até ficar de frente para o palco. Um desenho caricato representando Hito, enfatizando o rosto barbado, os músculos dos braços e do largo peitoral, estampava as camisas pretas que eles usavam num distintivo.
— Músicas de merda, seguida por uma palestra de merda. Quanta novidade! — zombou um deles.
— A senhora não tem vergonha na cara, não?! — bradou outro. — Ainda ousa falar nessa merda de princípio movente masculino e feminino?! Ainda neste século?!
— A verdade é atemporal, sinto muito — retorquiu a matriarca, sarcástica.
— Se vocês acham que ela está errada, argumentem, então! — desafiou Danvier.
— Sem Hito, não haveria Hita — disse, com um ar triunfante, mais um dos homens arruaceiros. — Assim como não há vida sem planetas e estrelas.
— E vocês pensam que isto consiste numa refutação? — Danvier gargalhou.
— Só mostrar que não é. Ficar rindo não vai nos provar nada.
— Até parece que vocês querem mesmo debater! — A matriarca achou graça.
— Mas é claro que queremos!
As feições da poderosa mulher se endureceram.
— Ninguém aqui está dizendo que o masculino não tem importância. Masculino e feminino são igualmente importantes! São energias que, em termos transcendentais, não podem ser separadas, pois têm a mesma origem. A vida é a obra-prima dos Dois Que São Um, dito por eles mesmos! A vida não foi criada para ser finita. É Adrag que causa a morte em nós, ao limitar o potencial da energia divina, impedindo que, no Mundo dos Mortais, Hito e Hita se conectem, de modo a se fundirem num só ser.
— Questão de interpretação.
— De interpretação? E qual seria essa outra interpretação? Qual seria essa outra interpretação milagrosa que vocês tanto falam e nós, pobres mortais, não conseguimos entender?
— Não adianta explicar. Mulheres jamais vão entender... Vocês são egocêntricas por natureza...
O Patriarca de Rosaurina empolgou-se:
— Explica para mim, então!
Os arruaceiros ignoraram a pergunta.
— Já chega! — finalizou a matriarca. — Por favor, tirem esses homens daqui agora! — Pelo telec, acionou a segurança.
Os guardas-robôs, pesadas e gigantes máquinas de metal, surgiram pela porta que abria da Espinha Dorsal e conduzia ao elevador.
Não tiveram a menor dificuldade em expulsar os arruaceiros. Bastou se aproximarem um pouco deles para que corressem até a saída.
— Melita, você reparou no distintivo que esses caras usavam? — indagou Leond.
— Reparei. Acho que todo mundo aqui deve ter reparado...
— Pois é. Aquele símbolo de Hito é usado por todos esses movimentos masculinos que contestam a cosmologia multiversal. Eles devem fazer parte.
— Sim, e a Matriarca de Rosaurina sacou isso, pelas perguntas que fez. Eles são parte desses movimentos ou, no mínimo, são simpatizantes. Coitado de Hito. Logo ele!...
— É. Ele deve se entristecer muito com essa atitude de usarem a sua figura para isso.
— Com certeza.
— Mas mudando agora de assunto... Você tem irmãos, Melita?
— Tenho dois irmãos mais novos. E você?
— Tenho uma irmã mais nova também. Me dou muito bem com ela, inclusive.
— Eu também me dou com meus irmãos, no geral.
Passaram o resto da noite conversando. E, pela segunda vez seguida, esqueceram o tempo passar.
Quando foram olhar as horas, já era madrugada.
Despediram-se com um abraço reconfortante e um beijo prolongado. Na sequência, de mãos dadas, se juntaram ao restante do público que esvaziava o salão.
***
O terceiro dia em Rosaurina se tornara o melhor de todos. Marcara a primeira vez em que Leond acompanhou Melita nos passeios matinais pela vóiller, no horário que se seguiu ao ensaio.
Visitaram as antigas casas dos primeiros escritores femenelistas, banharam-se no mar e almoçaram juntos num restaurante típico da região. À noite, seguiram para a continuação do espetáculo, na residência da mais poderosa matriarca local, onde tornaram a conversar até o tardar das horas, aproveitando para se conhecerem cada vez mais.
Exausta, Melita retornou ao hotel e adormeceu quase de imediato, praticamente assim que se deitou na cama. A despeito do cansaço, acordou ainda na madrugada, com uma ligação do sócio.
Engoliu em seco ao visualizar o registro na tela pluridimensional do dispositivo.
Configurou o telec, materializado num despertador, para o formato de tablete e, em desvario, levou-o ao ouvido.
— Rábenez! O que foi?!
O homem soltou um suspiro pesado.
— Estava dormindo?
— Estava. Por que está me ligando a essa hora? Aconteceu alguma coisa séria?! Adrag ou alguns de seus seguidores atacaram de novo?!
— Ainda não se pode afirmar.
— O que foi? O que foi que aconteceu?!
— Uma bomba foi encontrada na residência da Matriarca de Rosaurina. Justamente no restaurante que é a principal atração turística da vóiller.
— Uma bomba?! — espantou-se Melita. — Eu estava lá agora há pouco!
— Relaxa, não morreu ninguém, nem explodiu nada. Por sorte, o cachorro da família encontrou a bomba antes que explodisse, e a dona da casa, que estava presente na hora, contatou o esquadrão antibombas para investigar.
— Pegaram o culpado?!
— Sim, conforme foi registrado nas câmeras. Trata-se de um membro de um daqueles movimentos masculinos negacionistas da cosmologia multiversal. Já foi detido e aguarda o julgamento para amanhã de manhã, bem cedo.
Melita, imediatamente, lembrou-se dos arruaceiros que invadiram o restaurante na noite retrasada. O criminoso teria alguma ligação com eles? Dificilmente os proprietários do estabelecimento permitiriam que entrassem outra vez na residência...
— Saiu em tudo que é jornal. Toma cuidado! Sabemos que esses movimentos são financiados por adraguistas.
— Verdade. Vou tomar mais cuidado a partir de agora. Obrigada pela preocupação!
A chamada foi encerrada.
Com muito sacrifício, Melita voltou a dormir e só tornou a acordar quando a aurora tocou o parapeito da janela.
Abriu os olhos cheios de ressaca, marcados pelas olheiras. Parecia que não tinha dormido nada. Mas também não conseguiria regressar ao mundo dos sonhos. As preocupações, outra vez, perturbavam a sua paz de espírito.
Acho que não posso mais ficar por aqui. Devo estar correndo risco. E estou me expondo demais...
Acionou o telec. Decidiu ler as notícias.
Estavam investigando se a tentativa do atentado havia sido orquestrada por militantes adraguistas. Tudo indicava que não. E sim, sua hipótese fora confirmada. O criminoso tinha ligação direta com aqueles arruaceiros, que planejaram o ataque como forma de vingança.
Cachorros e suas manias de pegar tudo o que veem no chão, por mais escondido que esteja...
Por um triz, a tentativa de aniquilação falhara. E tudo graças a uma criaturinha que não fazia ideia de que seria uma heroína a ser lembrada para sempre.
***
PAQUANU ANEVARSI DIÁRIO
TENTATIVA DE ATENTADO À PROPRIEDADE DO PATRIARCA E DA MATRIARCA DE ROSAURINA
Ao longo desta madrugada, um homem, identificado como Candiston Crudixonxundra Anderleim, membro de um numeroso grupo terrorista antimultiversal, por pouco não causou mortes.
Durante o terceiro dia do espetáculo do Feriado da Mulher, na propriedade do Patriarca e da Matriarca de Rosaurina, instalou uma bomba de material transparente numa das mesas do restaurante. O explosivo, de aspecto maleável, foi encontrado a tempo pelo cachorro da família, que subia em cima da mesa em questão. Desconfiada, a dona da casa contatou o esquadrão antibomba, que confirmou a sua tese de atentado.
O criminoso foi detido e aguarda o julgamento. Seu telec, investigado, mostrou uma ligação direta com um grupo de outros militantes que, na noite anterior, invadiram o bar. Após o fracasso da tentativa de baderna, arquitetaram um plano de vingança, que seria concretizado com o atentado. Não se sabe se contou com a participação de militantes adraguistas, mas, por enquanto, tudo indica que resultou da ação espontânea dos criminosos.
Os demais envolvidos acabam de serem detidos. O julgamento está marcado para as oito horas da manhã de hoje.
O Patriarca e a Matriarca de Rosaurina preferiram não se manifestar sobre o caso.
***
Quando a notícia fora publicada no jornal Paquanu Anevarsi Diário, para maiores repercussões midiáticas, todo o espaço habitável ficou sabendo do que acontecera na vóiller de Rosaurina.
Após o desjejum, Melita ligou para Leond.
— Tudo horrível demais para mim isso que aconteceu nessa madrugada! — Ele deixava o ar escapar, pesaroso. — Fico me perguntando se a matriarca não tivesse aquele cachorro... Seria o fim! Um fim muito triste.
— Com certeza.
— Vou servir de testemunha hoje na audiência. Eu e outras nove pessoas que estiveram presentes no restaurante no segundo e no terceiro dia do espetáculo.
— Espero que dê tudo certo.
— Vai dar! Vai dar, sim. A propósito, mesmo com tudo isso, talvez não seja cancelada hoje a quarta parte do espetáculo. A matriarca disse que cancelar seria se intimidar perante os criminosos, algo que ela não quer de jeito nenhum. Logo, se tudo ocorrer bem na audiência, nos reencontramos outra vez lá.
— Ótimo! Até mais tarde.
— Até mais tarde. Aviso para você com antecedência se deu tudo certo! — Desligou.
Melita seguiu para os passeios turísticos matinais. Compareceu ao maior parque de Rosaurina e ainda visitou o principal zoológico da vóiller, onde funcionava também um aquário de tamanho correspondente.
Almoçou fora e só voltou para o hotel à tardinha.
Pôs-se a esperar o retorno de Leo, mas, por alguma razão, nenhum sinal dele apareceu, nem mesmo às vésperas do espetáculo.
Decidiu, então, pesquisar se o restaurante estava aberto. Obteve a confirmação, além de ter acesso ao veredicto favorável da juíza.
Arrumou-se de forma mais eficiente que das outras vezes, caprichando o máximo que podia no visual. Saiu do hotel.
Ao chegar à propriedade, logo avistou Leond; não precisou sequer entrar no restaurante.
Por trás das paredes envidraçadas, bem lá no fundo do estabelecimento, estava ele.
Bem-vestido, como sempre. Com outra mulher. Aos beijos.
Eu deveria ter imaginado... Deveria ter imaginado.
Melita ficou assistindo àquela cena com uma sensação de profundo desgosto, enquanto culpava a si mesma pela tamanha ingenuidade cometida.
Acreditara demais no homem. Acreditara demais. E talvez tenha perdido inteiramente a lucidez com isso, a ponto de não perceber... o que devia estar claro desde o começo.
Mas estava mesmo claro desde o início? Com exceção da advertência da Matriarca de Rosaurina e do passado condenatório de Leo, será que tinha algum outro indicativo de que aquilo acabaria daquela forma?
Não, não tinha. Aí é que está. A não ser o seu próprio erro de acreditar demais nas pessoas que diziam ter mudado.
Mudanças aconteciam? Aconteciam. Mas não da noite para o dia. Pelo menos, não era o que geralmente ocorria. Devia ter ficado mais alerta, sem abrir tanto espaço assim para a intimidade.
Melita sacudiu a cabeça em reprovação.
Ficar procurando motivos para culpar a si mesma não adiantaria em nada. Mesmo porque, se havia algum culpado legítimo nessa história, era ele.
Veio a vontade imediata de voltar para o hotel, mas parou e pensou um pouco.
Planejara aquela viagem para se divertir, não para encontrar algum homem que valesse a pena ficar. Jamais permitiria que mais alguém além de si própria pudesse atrapalhar as suas férias!
Absolutamente decidida, abriu a porta envidraçada e entrou no restaurante. Leo não demorou a notar sua presença. Aquela atitude pareceu surpreendê-lo, ainda que tenha rapidamente desviado o olhar, retomando a atenção para a atual ficante.
O espetáculo se iniciou, e Melita pôs-se a assistir, ora se divertindo, ora apática.
Aquela mulher pode estar sendo enganada e nem sabe. Preciso fazer alguma coisa.
Sua preocupação se voltava para as outras mulheres a quem estaria fadado a enganar.
Esperou uma oportunidade para advertir à moça sobre Leo, mas não queria que ele visse, pois era certeza de que tentaria intervir.
E, após o espetáculo, os dois não se desgrudaram mais. Apenas deram continuidade ao ciclo, ao ciclo pelo qual passara Melita e outras mulheres antes dela.
— Este ciclo parece não ter fim, não é mesmo? — sussurrou uma voz às suas costas, no idioma sul-davincês, como se lesse os pensamentos.
Melita virou-se, deparando-se com uma figura um tanto peculiar.
Estava ali uma mulher de cabelos ondulados que lhe cobriam a cabeça antes de descerem em cascatas ao redor do rosto maquiado ao exagero. Suas roupas antiquadas, também extravagantes, pareciam um amontoado de tecidos a se espalhar pelo corpo.
— A senhora conhecia o Leond? — perguntou Melita.
— Conhecia, sim, mas só de vista. Frequento este restaurante há anos. Possivelmente, há mais anos do que você tem de vida! — gracejou. — Qual o seu nome?
— Melita. E o da senhora?
— Meu nome é Marceliê.
— Muito prazer.
— O prazer é meu. Lembre-se disso, minha filha: a culpa é sempre de quem trai, e nunca de quem é traído.
Melita respirou fundo.
— Eu sei. Estava pensando nisso agora há pouco. Mas obrigada mesmo assim. É bom, às vezes, enfatizar certas coisas, por mais óbvias que sejam.
— Sim! Você está certa. E não se preocupe: você é muito jovem. Ainda viverá um amor genuíno.
— Realmente espero. — Melita sorriu. — Mas não é minha prioridade no momento. Prefiro focar em mim mesma, até para me tornar mais interessante para as outras pessoas... — Deu uma risada descontraída. — Quero estar num relacionamento para somar apenas.
— É um pensamento sensato.
— É, sim. Com certeza.
Fez-se silêncio por um instante.
— Você vem de onde?
— Nasci em Medilha, mas atualmente vivo em Manchibur.
— Lindas vóillers!
— São lindas mesmo. A senhora as conhece?
— Sim, estive em ambas, viajando. São dois espetáculos de lugares! Mas geralmente prefiro viajar pelo meu país. É tanta coisa que vale a pena ver, e tão perto uma da outra!...
— A senhora é de Rosaurina?
— Não. Sou de Tariz.
— Ah, sim, o grande centro econômico e cultural da Davinça do Sul! É quase um mito essa vóiller!
— É — concordou Dona Marceliê. — Quase um mito, tudo graças ao cinema. Tanto que as pessoas acham que viver em Tariz é ter a sensação de fazer parte de um filme o tempo todo. É como se nós, que nascemos e crescemos lá, não nos acostumássemos!
— Pois é! Foi um prazer conhecê-la, Dona Marceliê. E obrigada pelos conselhos.
— É como disse: o prazer foi meu.
Melita ficou séria, de repente, ao ver a atual ficante de Leo adentrar o banheiro feminino.
— Com licença.
Caminhou de fininho até lá. Não deixaria de perder aquela oportunidade única para alertá-la do que estava por vir.
A moça fazia uns retoques na maquiagem, de frente para o espelho.
— Olha, sai dessa que é furada — avisou, falando no idioma local. — O Leond é um homem fraco. Ele nunca dura com uma mulher. Vive trocando de instante e instante.
Mas a moça parecia ignorar completamente a sua presença.
Quando terminou de embelezar-se, entretanto, as feições do rosto endureceram.
— Até parece que você quer me ajudar em algo. Só está assim porque ele terminou com você!
— Ele não terminou comigo. Ele me traiu.
Mas a moça a ignorou mais uma vez. Deixou o banheiro e foi, a passos rápidos, encontrar-se com Leo.
Bom, pelo menos fiz a minha parte, concluiu Melita com a consciência limpa.
***
Os próximos dois dias seguiram dentro da normalidade, sem grandes acontecimentos. Melita aproveitou para conhecer novos pontos turísticos da vóiller e de suas redondezas, sem deixar de frequentar, no período noturno, a propriedade da Matriarca de Rosaurina.
Assistia ao sexto espetáculo da série temática, ignorando a presença de Leo no palco com sucesso, quando uma voz familiar soou atrás:
— Melita, querida, é você?
A moça virou-se para a mesa da retaguarda. Reconheceu a tal Dona Marceliê, com quem havia conversado na noite retrasada, sentada na ponta.
— Oi, tudo bem? Como a senhora está? Que bom reencontrá-la aqui. — Acenou.
— Estou ótima, graças aos Dois Que São Um — respondeu a mulher com um suspiro, indicando um homem de barba grisalha, instalado na outra ponta da mesa, e um jovem rapaz, sentado à sua diagonal. — Aqui estão meu marido, Esilier, e meu filho, Leolor.
— Muito prazer. — Melita sorriu para os dois.
Esilier e Leolor ficaram de pé por um instante e saudaram a moça com acentuada cordialidade.
— Nossa, vocês se levantaram só para me cumprimentar? — exclamou a moça. — Quanta gentileza, hein? Gentileza que está faltando nesse mundo...
— É, está faltando mesmo! — concordou Dona Marceliê. — O Leond não sabe o que perdeu, não é, minha filha? — Deu-lhe uma piscadela. — Mas, pelo menos, há uma única ganhadora nessa história: você, que se livrou daquele traste!
— Exatamente, foi um livramento mesmo. Encaro dessa forma. — Melita balançou a cabeça em concordância. — E bem que tentei alertar à atual ficante dele. Mas, se ela não quis me escutar, fazer o que, não é?
— É que, às vezes, a gente procura se enganar — disse Leolor. — Nem sempre é por falta de força de vontade, sabe? Passei por isso, sei como é. Ficamos presos na negação por muito tempo, por muito mais tempo do que gostaríamos realmente.
— Pessoalmente, nunca tive esse problema. — Melita deu de ombros. — Quem quiser gostar de mim que goste. Quem não quiser que não goste. Estou nem aí para isso, sabe?
O rapaz pareceu um pouco desconcertado.
Antes que tentasse entender o porquê, porém, a mãe dele pareceu querer contornar a situação:
— Às vezes, minha cara, não só há traição que está em jogo. Há também decepção. Muita decepção. Principalmente quando essa traição foi precedida por um forte vínculo com a pessoa amada. É mais ou menos o caso do meu filho.
— Desculpa — lamentou Melita. — Eu não sabia.
Dona Marceliê ainda sorria, mesmo assim.
— Gostaria de saber?
— Saber? Saber o quê?
— De saber tudo. Tudo o que meu filho teve que passar para superar isso. — Um ar de tristeza a envolveu. — Talvez sirva de lição para você.
O olhar de Melita recaiu lentamente sobre o semelhante tristonho de Leolor.
Ficou com uma imensa pena do rapaz.
Esse olhar...
Assentiu com cabeça.
— Venha, Melita, sente-se aqui — chamou Dona Marceliê, indicando a cadeira vazia de frente para Leolor.
A moça carregou a bandeja com o prato de risoto que havia pedido e reuniu-se àquela família, pronta para ouvir o que esperava ser uma triste história.
Fitou o rapaz com atenção cuidadosa. Não podia estar mais atenta.
— Minha ex se chamava Môneli — começou Leolor. — Namoramos por um ano, até ela se deixar iludir por outro cara.
— Foi com esse cara que ela traiu você? — deduziu Melita, deixando a tristeza transparecer no olhar.
— Não exatamente. Na verdade, ela não me traiu... Quer dizer... traiu, sim... mas... não... intencionalmente...
As feições de Melita expressavam bem a nítida confusão mental.
— Como uma pessoa pode trair a outra de forma não intencional? Aí já não é traição, não?
Leolor enrubesceu. As palavras pareceram ter-lhe escapado.
Dona Marcieliê decidiu se manifestar:
— O que ele quis dizer foi que Môneli ainda o ama, mas não sabe, pois deixou-se iludir por outro rapaz, entende? Por uma paixão momentânea.
Melita encarou-a. Por um tempo, ficou sem saber o que dizer, apenas se esforçando para manter a seriedade diante daquela declaração.
História que ficava cada vez mais estranha...
— Como a senhora sabe disso?
— É perceptível demais, minha filha. Qualquer um percebe. Se você tivesse acompanhado os dois quando estavam juntos, como eu acompanhei, estaria concordando comigo também.
— Há quanto tempo eles terminaram?
— Uma estação após o retorno de Adrag.
— Então faz muito tempo!
— Ér... faz. — Dona Marceiliê corou até a raiz dos cabelos, que pareceram mais ruivos do que já eram.
— Vocês ainda têm contato com a tal Môneli?
— Não — respondeu Leolor melancólico. — Desde o término que não nos falamos mais, infelizmente.
Melita analisou a questão delicada. Talvez como uma forma de consolo interno, a família toda se debruçava naquela doce ilusão: a ilusão de que o amor de Môneli por Leolor ainda era correspondido...
O jeito seria aconselhá-los a tomarem o caminho que deveriam.
— Olha... sendo bem sincera... não acha que, se ela tivesse mesmo interesse em você, já teria o procurado? Quase uma década é muita coisa! Nem afirmar com certeza que essa tal Môneli continua a mesma pessoa que era antes vocês podem. Aliás, considero isso bastante improvável. Uma pessoa muda muito com essa quantidade de tempo! Quantos anos você tem?
— Vinte e seis.
— Vinte e seis?! — espantou-se Melita. — Então vocês namoraram ainda adolescentes!
— Sim, adolescentes...
— Mais difícil ainda de não haver tanta mudança nela... para não dizer impossível!
— Não importa, eu não quero voltar com ela — replicou Leolor. — Que se dane. Vou é focar em mim mesmo. Não posso obrigá-la a enxergar o que não quer. Ela fez a escolha. E quis assim. Então, pronto!
— Isso, sim, é uma forma muito melhor de encarar as coisas — ponderou Melita. — Só precisa parar com essa fantasia maluca de que ela ainda quer algo com você. Esqueça isso e continue seguindo em frente, do jeito que você disse que vai fazer. É de longe a melhor escolha a ser feita mesmo.
— E quem disse que não estou seguindo em frente? — Os lábios de Leolor se contorceram num largo sorriso. — Estou seguindo em frente, e vou continuar seguindo em frente! Até o fim da minha vida. — De forma inesperada, pareceu, aos olhos de Melita, bem mais confiante.
— É assim que se fala!
A sensação de confiança ficara mesmo visível no semblante do rapaz, naquele momento. Melita pôde notar o quanto era bonito.
Cabelos castanhos quase negros, olhos verdes, traços esteticamente agradáveis... e aquela barba bem-feita, sem nenhuma falha...
Era impressionante o poder que pequenos detalhes na personalidade tinham para realçar ou atenuar certos aspectos da aparência.
— Tenho certeza de que você vai arranjar outra namorada facilmente — encorajou Melita.
— Tomara — desejou Leolor esperançoso.
Após o encerramento do espetáculo, Melita despediu-se daquela família e seguiu para o hotel, com a estranha sensação de estar sendo observada.
***
O telec tocou. Lia-se, na tela pluridimensional do dispositivo:
Leond Birnô.
Melita balançou a cabeça tediosamente. Sua apreensão só fez aumentar.
Passou boa parte da noite contemplando a rua do hotel, da janela de sua suíte.
Chegou a uma conclusão. Quem quer que estivesse espreitando-a, e se estivesse mesmo, ela não tinha como saber. A rua permanecia deserta e, até pouco tempo atrás, só havia a presença de Dona Marceliê e do resto de sua família; na certa, regressando ao local onde estavam hospedados, sabe-se lá onde.
Tudo era muito estranho. Sentia realmente como se tivesse sido seguida no caminho até o hotel, observada por alguém que, por algum motivo, preferia não dar as caras.
Apagou as luzes.
Respirou fundo, enquanto se deitava na cama.
Talvez você esteja imaginando coisas.
Enfiou-se debaixo das cobertas, esforçando-se para dormir.
Pouco antes de adormecer, soou uma voz, a voz de sua consciência:
Ou talvez não esteja.
***
O dia seguinte encontrou Melita grudada ao telec, após uma ligação de Rábenez.
— E aí, colega de trabalho? Como vão as coisas? Continua aproveitando a viagem?
— Mais ou menos. Ontem à noite tive uma sensação esquisita.
— Esquisita como?
— Bom... como se alguém estivesse... ham... me perseguindo...
— Perseguindo? — A preocupação imprimiu no tom de voz.
— Sim... mas não tenho certeza... e, de qualquer forma, é só uma hipótese... foi uma sensação que tive. Uma forte sensação de estar sendo seguida por alguém, mas, ainda assim, uma sensação.
— E não avistou esse alguém?
— Não.
— Em nenhum momento?
— Não.
— Estranho... — Rábenez soltou um suspiro pesado.
— Estranho por quê?
— Você diz que teve a sensação de estar sendo seguida, mas não viu ninguém que pudesse estar fazendo isso... Que raio de sensação seria essa, então?
Melita pensou um pouco.
— Não sei.
— Reparou alguém caminhando atrás de você, repetidas vezes?
A ficha de Melita caiu.
— Sim, sim! Reparei! Reparei, sim — respondeu, em êxtase. — Na verdade, agora tudo parece fazer sentido!...
— Como assim?
— Acho que agora sei quem pode estar fazendo isso. Acho que sei quem pode estar me perseguindo...
— Quem?!
Melita contou ao sócio sobre Dona Marceliê e sua família.
— Ei, eu acho que conheço esse pessoal!
— Conhece?
— Sim! A Môneli é aquela minha prima! Você não lembra dela, não? É a filha mais velha da tia Marla!
— Lembro! Lembro, sim! É uma loira bronzeada, de nariz arrebitado e olhos bem azuis?
— É, sim! Ela mesma. Caramba, mas que coincidência!
— Pois é! Bom... não são bem o perfil de gente que considero que poderia estar me espionando. Deve ser por isso que demorei tanto a ligar os pontos.
— Não acho que são suspeitos — opinou Rábenez pensativo. — Eles não têm histórico de participação em movimentos adraguistas. E nunca pareceram se interessar por essas questões envolvendo a segurança intergaláctica, segundo a própria tia Marla, que conviveu por muito tempo com eles. É como se preferissem ficar alienados, a fim de não se preocupar. Em geral, pelo que a tia Marla me disse, são pessoas de índole boa. Boa gente mesmo.
Melita suspirou.
— É... acho que deve ter sido impressão minha.
— Deve ter sido mesmo.
— Bom... acho que já é hora de eu voltar. Minhas férias estão definitivamente encerradas.
— Eu sinto muito — lamentou Rábenez com um riso trágico. — Aconteceu algum inconveniente, foi?
— Foi. Mas, mesmo assim, acho que aproveitei bastante. Não me arrependo nem por um segundo. Exceto por uma coisa.
— Que coisa?
Melita sorriu.
— O tal inconveniente. Conto tudo para você assim que chegar aí. Abraço!
— Abraço, minha amiga! Beijos fraternos para você.
— Igualmente!
Ao término da ligação, desceu para tomar o café da manhã. Sonhando estar o mais longe possível dali.
Era o fim daquela sua aventura na Davinça do Sul, e o começo de outras.