O GAROTO

A cidade corria comercial, abafada pelo cheiro de gasolina queimada, sufocada pela respiração ofegante de tantas e tantas pessoas que iam e vinham a seguir veredas, aparentemente à lugar algum, quando estando eu sentado num banco na rua Uruguaiana, uma voz primaveril solicitou minha atenção:

__O que é o Amor?

No momento imediato, meu olhar lançou-se ao longe a procurar placas de rua, certo de ser essa a intenção do garoto. Mas antes que eu esboçasse reação, o moleque repetiu:

__Moço, o que é o Amor?

Seus olhos amendoadamente juvenis, fitavam-me de uma maneira tão profunda que pareciam querer interceptar a resposta antes que pudesse articulá-la em palavras. Seu rostinho ainda coroado pela inocência infantil, dividia-se ante sua insaciável carência da definição do sentimento novo que lhe surgia. Forçado pela minha reação estática, o guri não hesitou:

__Moço, como é que é o Amor?

Mas porque eu, um em milhões, haveria de responder a tal pergunta, que não longe de ser a mais difícil, certamente tornava-se a mais embaraçosa naquele instante? Porque não se dirigiu ao jornaleiro da esquina ou entrou na loja de flores em frente? Qual ambiente mais propício? Mas ele estava ali na minha frente, num misto sereno-inquieto, na expectativa da minha resposta, como que se eu ostentasse longas barbas e estivesse embaixo das vestes igualmente longas e que caracterizam um profeta oriental, pronto para libertar seu espírito das trevas da ignorância. Ansioso, insistiu:

__Moço, por favor, diga-me, o que é o Amor?

Em face de sua persistência, tentei naquele segundo desfolhar todos os livros de temática semelhante e por mim apreciados, repassei todas as vezes que discuti com alguém assunto parecido. Em vão. Estava realmente sem saber o que dizer, e parecendo que sentindo isso o menino numa atitude mais ativa levanta-se e segura o meu braço:

__O senhor vai ou não me dizer o que é o Amor?

Ao primeiro contato da mão minúscula da criança, vi-me tomado pela energia positiva que habita em quase todos os jovens e eu, antes patrício de sua dúvida, sentia-me cada vez mais certo de uma definição do Amor, virtude que liberta, ablaqueia e emancipa, ideal de santidade que nos guia e ilumina, alfa e ômega de tudo num círculo virtuoso, que é indefinido e bastante por si só, não decifrado pelas mais doces palavras que acariciam nossos ouvidos e sim pelo som translúcido que atravessa as barreiras da compreensão formal e que habita nos corações que se encontram tomados pelo sentimento de letras garrafais e de eco intercontinental: O AMOR!

O garoto angustiado já ia perguntar-me outra vez, quando num gesto afetuoso, passei a mão em seus cabelos. Seus olhos nem piscavam e sua boca permanecia entreaberta. Respirei fundo e umas palavras arrisquei. Disse-lhe:

__Filho, o Amor é como um pássaro que voa infinitamente para o sul, em busca do calor de outras estâncias. Não se afobe, você saberá no momento certo. Quando o verão apontar em seu coração você naturalmente receberá esse pássaro e o acolherá. Compartilhará do seu ninho e o fecundará em um outro coração. Espere...

Num ápice seus olhinhos brilharam e sua face abriu-se. Retribuiu-me com um farto sorriso e carimbou minha pele enrugada e cansada com um carinhoso beijo. E assim como surgiu, velozmente perdeu-se na multidão.

O garoto deixou-me e, diante disso, levantei-me do banco, atravessei a rua e sentei-me novamente. Nessa atitude repetitiva, ainda que um tanto quanto inconsciente, alimentava o desejo de, embora perdido entre as milhares de pessoas no vai e vem da cidade e dividido entre as opções do jornaleiro da esquina ou da loja de flores, fosse de novo por algum Deus agraciado e encontrar na definição para um garoto o enigma de minha existência.