SOB AS SOMBRAS DAS CEREJEIRAS
Em uma aldeia escondida entre montanhas, onde as cerejeiras floresciam mesmo nos invernos mais rigorosos, vivia Hana, uma jovem pintora cuja alma parecia capturar a luz das estações. Suas telas eram famosas por retratar o que os olhos não viam: os sentimentos escondidos nas coisas simples, como o riso de uma criança ou o suspiro de uma folha ao cair. No entanto, Hana tinha um segredo: apesar de pintar o amor em suas obras, nunca o havia sentido verdadeiramente.
— Talvez eu não seja digna de algo tão belo — murmurava, enquanto suas mãos manchavam a tela com cores de saudade.
Do outro lado da montanha, havia um artesão chamado Kaoru, conhecido por esculpir em madeira figuras tão vivas que pareciam respirar. Cada peça carregava uma história, mas nenhuma falava de si mesmo. Ele guardava um vazio que preenchia com o trabalho, evitando a solidão de seu coração.
— Quem desejaria alguém como eu, que só conhece o silêncio? — pensava, enquanto suas ferramentas moldavam mais uma peça que nunca mostraria.
A árvore era especial para ambos os moradores, Hana costumava ir à cerejeira nas manhãs tranquilas. Carregava suas tintas e pincéis, e ali, entre o perfume das flores, suas mãos transformavam sentimentos em cores. Ela pintava o que não conseguia dizer em palavras, como a saudade que carregava ou a esperança que insistia em florescer.
Kaoru, por sua vez, visitava a árvore ao entardecer. Era seu refúgio depois de um dia esculpindo madeira em sua oficina. Sentava-se sob a copa, observando o pôr do sol, enquanto imaginava as histórias que daria forma em suas peças.
Um dia, após finalizar uma pintura diferente das outras, Hana deixou o quadro apoiado no tronco da cerejeira sem perceber. Era uma obra íntima, retratando uma figura solitária olhando para um céu vazio, sem estrelas. Quando Kaoru chegou naquela tarde, encontrou a pintura. Ficou intrigado com a melancolia das pinceladas, como se aquela tristeza falasse diretamente com ele.
Naquela noite, esculpiu uma pequena cerejeira em flor, detalhando cada pétala com cuidado. Na base, gravou uma mensagem simples:
"As estrelas podem estar escondidas, mas elas ainda estão lá. Quem as pintou tem a alma de quem pode vê-las, mesmo na escuridão."
Na manhã seguinte, deixou a escultura no mesmo lugar onde encontrara o quadro. Quando Hana voltou à cerejeira e viu o presente, seu coração disparou. Ela leu as palavras e sentiu que, de alguma forma, aquele desconhecido havia enxergado algo que ela mesma não sabia expressar.
Intrigada, pintou uma nova tela, desta vez retratando a própria cerejeira, com suas flores brilhando sob um céu estrelado. Na borda da pintura, escreveu:
"Se a madeira guarda histórias, que esta conte a sua. Quem é você?"
E assim começou uma troca silenciosa. Ele deixava esculturas que contavam histórias de coragem e beleza. Ela respondia com pinturas que transformavam os gestos dele em poesia. Mesmo sem nunca se encontrarem, cada presente os aproximava mais.
Certa manhã, Kaoru esculpiu um pequeno barco navegando por águas tranquilas e deixou uma nova mensagem:
"Você acredita que o coração pode atravessar mares invisíveis para encontrar outro?"
Hana respondeu com uma pintura do mesmo barco, agora chegando a um porto onde duas figuras aguardavam:
"Acredito, se ambos remarem com sinceridade ."
Sem que percebessem, a cerejeira se tornara uma ponte entre seus mundos. Até que, em um dia de primavera, ambos decidiram ir até a árvore em horários diferentes do habitual.
Quando Hana chegou ao entardecer, carregando uma nova pintura, encontrou Kaoru já ali, com uma escultura nas mãos. Eles se encararam, surpresos e sem palavras. Mas não precisavam falar.
Hana colocou a pintura ao lado da escultura, sorrindo. Ele fez o mesmo, deixando que o silêncio dissesse o que os presentes já haviam contado.
Sob as sombras da cerejeira, descobriram que o amor, assim como a arte, nasce dos gestos mais simples, das palavras não ditas e da coragem de se mostrar como realmente são.