A amante- giselle sato




O primeiro dia do ano chegou com gosto de ressaca e muita dor de cabeça. 
 Mesa  posta e cheiro de comida azeda. As garrafas espalhadas pelo chão. Acusadoras. 
Ainda estava usando o vestido de festa, o corpo doído e suado jogado no sofá.
 
Precisava juntar forças para levantar e dar um jeito na casa. Na terceira tentativa desistiu. O teor alcoólico ainda era um empecilho. 
Onde andaria o bandido desalmado? O celular estava fora de área ou desligado.

Havia feito mil planos .  Jantar especial, rosas vermelhas  e bebida importada. Cabelo e unhas impecáveis. O melhor perfume francês e a sandália altíssima dourada.  Presente do amante.
 
Havia investido tudo para comemorarem juntos o Ano Novo e a vida que iniciariam após 5 anos de expectativas .
Inês ainda podia ouvir as palavras da mãe:-Este homem nunca vai largar a mulher. Será que não entende? Tua sina é ser amante
 
Mas eis que o  tão adiado término do infeliz casamento que o mantinha atado a uma mulher abominável era fato consumado. 
Tantas queixas sobre a esposa chantagista. Uma verdadeira “jararaca “que o mantinha preso as custas de ameaças e escândalos.

 Lembrou  o  telefonema que havia recebido  no dia anterior confirmando tudo . Cantou, dançou, gritou aos 4 ventos que sua vez havia chegado. 

Agora sentia apenas ódio do mentiroso ingrato. Pensou em vingança. Em acabar com a vida.
Estava a ponto de cometer uma loucura em nome do amor.

O telefone celular  toca e uma amiga  informa  que  amante havia sofrido um acidente próximo à sua casa . A situação era grave e ele estava muito mal. 
 Dois minutos  depois confirma o óbito e o local do enterro.

Não consegue  acreditar. Amaldiçoando a sorte, Deus e a si mesma entra  em desespero. Chora  horas a fio. Decide  ir ao velório em homenagem ao amado que no fim, havia cumprido a promessa.
 
Um olhar discreto  na capela apinhada de parentes e colegas da repartição pública onde Alceu trabalhou a vida inteira. A mulher do defunto de cara “amarrada” e expressão feroz. Não era feia.  Estava muito maltratada.  Oito filhos quase adultos revezavam-se ao lado do caixão enfeitado de rosas brancas.
 
Usando  as sandálias douradas da festa e o perfume novo, despediu-se do amante soprando um beijo disfarçado no o lencinho branco que usava para enxugar furtivas lágrimas.
Sentiu que também era  viúva e de alguma forma isso a deixou  mais calma, quase feliz, estranhamente conformada.
 
 
Giselle Sato
Enviado por Giselle Sato em 17/01/2008
Reeditado em 31/08/2009
Código do texto: T821288
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