PRÍNCIPE ANDRÉ

Nascera num vilarejo distante, atrás de altas montanhas, cercado por densa floresta e longe do mar. Ninguém ao certo sabia como surgira o povoado, já que a tradição dizia que se tratava de uma raça pura, refinada e perfeita por nunca terem recebido forasteiros, por nunca terem se relacionado com ninguém de fora a não ser em raros encontros de líderes da realeza.

As famílias perpetuavam-se em casamentos planejados entre primos e primas que se cruzavam através de séculos. Uniões cuidadosamente calculadas com rigor matemático para que as gerações fossem cada vez mais refinadas, em nome da tradição.

Acontece que um dia o príncipe herdeiro em viagem oficial a outro povoado se vira fascinado pelas belezas do lugar. Era um vilarejo à beira mar, distante das montanhas por vasta pradaria e margeado por coqueiros e palmeiras. Árvores delgadas de uma flora de cor e sabor diferente de tudo que já vira.

Encantara-se com as pessoas do lugar, todas com o corpo bronzeado pelo sol, cobertas com roupas leves e claras e suas faces rubras e suadas como o entardecer daquele lugar.

Ao retornar foi recebido com festa. O rei anunciara o seu casamento com moça nativa, como manda a tradição. Porém alguma coisa em si havia mudado. Seus olhos não mais se admiravam pelas moças de pele alva e cabelos presos que se escondiam debaixo de pesados e compridos vestidos, que agora lhe pareciam escuros e frios como as noites do seu lugar. Sua alma passeava em outros campos e seu coração ecoava distante, carente de sol e com sede de mar.

Suas estranhas reações chamaram a atenção de todo o reino que, sem exceção, o condenou pelo seu crime sem perdão: Apaixonara-se por alguém de fora do vilarejo, contrariando a tradição.

Diante de sua relutância passou a ser hostilizado e devido a sua tendência de escolha foi ironizado, excluído, marginalizado. Para não ser deserdado, foi proibido de sair da cidade e, sem amigos, praticamente não saía mais do castelo.

-- Nessa nossa história é irrelevante se castelos ou choupanas, se mar ou campo, se príncipe ou plebeu, se homem ou mulher. O seu desfecho se define em três caminhos:

01- Diante de tal situação, o príncipe resolveu anular-se, retrair-se, recolhendo seus sentimentos, encerrando sua vida na mais absoluta solidão. Não cedeu às pressões da tradição de sua aldeia, mas também nunca mais teve a boca salgada pela maresia e nem seus olhos iluminados pelo azul do mar.

02- Diante de tal situação, o príncipe resolveu violentar-se, desrespeitar-se, recolhendo seus sentimentos, abdicando de sua vida na mais profunda solidão. Cedeu às pressões da tradição de sua aldeia e casou-se, passando todos a olhá-lo com imensa admiração e respeito embora nunca mais tenha conseguido mirar-se no espelho.

03- Diante de tal situação, o príncipe resolveu insurgir-se, insubordinar-se, respeitando os seus sentimentos, vivendo intensamente sua vida do lado de quem deseja, fazendo o que gosta e onde quer estar. Não cedeu às pressões da tradição de sua aldeia e com isso perdeu a realeza e é desrespeitado, discriminado e incompreendido por todos do seu lugar.

-- Reflita diante do dilema do príncipe que é nosso dilema por tantas vezes em diversas situações todos os dias. O momento de escolha entre o que queremos ser e o que a sociedade quer que sejamos, entre como nos sentimos e como esperam que nos sintamos, como desejamos agir e como definem que ajamos.

Não sei qual foi a sua decisão, mas a do príncipe André foi a terceira. E o que se sabe é que deve ter sido a mais acertada, já que todos comentam e no íntimo até invejam a vida imensamente feliz que desfruta ao lado do pescador com quem vive. Um homem moreno, alto e forte que conhecera numa viagem que fizera a um vilarejo distante e à beira mar.