A Lágrima de Cristo
No sertão alagoano, em uma pequena comunidade rural, vivia uma família humilde: Isaura, trinta e cinco anos, e seu marido João, quarenta anos, com seus três filhos: Zé Bento, doze anos, Maria Lúcia, oito anos, e Cosmo, quatro anos. Isaura trabalhava como lavadeira, lavando roupas para os vizinhos, enquanto João cultivava mandioca, feijão, milho e cana-de-açúcar na roça familiar. A seca frequentemente castigava a região, mas eles não desistiam.
Cansado da vida dura, João entrou no Bar do Zezinho, onde conheceu Selma, vinte e cinco anos, uma sedutora garota de programa.
— Quer uma cerveja, macho? — perguntou Selma.
João aceitou. Selma começou a flertar:
— Você merece mais do que essa vida dura aqui do interior. Vem comigo para São Paulo? Eu sou de lá, vim só para o enterro da minha tia; já estou voltando amanhã bem cedinho! Vamos fazer a vida lá comigo?
— Oxente moça, eu não posso fazer isso, sou casado, tenho mulher e filhos. — respondeu João.
— Me responde uma coisa: você é feliz com sua família? — perguntou Selma.
— Eu queria muito dar uma vida mais digna para eles...— disse João.
— Não foi isso que eu perguntei. Você é feliz com sua esposa? — insistiu Selma, pegando nas mãos dele.
Porque, se você não é, eu posso te fazer muito feliz. Aqui, o serviço é muito duro; ganha-se pouco. Lá, na cidade grande, as coisas são mais fáceis; você vai ganhar muito mais e pode mandar dinheiro para sua mulher e filhos — argumentou Selma.
— Eu não posso fazer isso com minha esposa de jeito nenhum, dona! — afirmou João.
— Não pode ou não quer? Porque eu posso te fazer muito feliz, e São Paulo também — provocou Selma, pegando no queixo de João.
João não resistiu ao sorriso de Selma e a beijou. Eles foram para um motel. Às três horas da madrugada, João retornou à casa, pegou suas roupas e objetos pessoais e saiu sorrateiramente com Selma. Pegaram um ônibus noturno, deixando a família para trás.
Na manhã seguinte, Isaura acordou, sentindo a ausência de João. Procurou-o pela casa, inquieta. Ao não encontrá-lo, saiu para perguntar aos vizinhos.
— Oxente dona Isaura, eu vi o seu João ontem mesmo, indo embora de mala e cuia com uma dona da cidade! — disse Seu Chico, vizinho.
Isaura caiu de joelhos no chão, chorando desesperadamente e disse:
-Valei-me, Senhor! O que eu fiz de errado pra esse homem?
Mesmo abalada, Isaura continuou trabalhando para sustentar os filhos.
Certo dia, Isaura colocou a panela no fogo, cozinhando o último feijão com farinha. Zé Bento, Maria Lúcia e Cosmo esperavam ansiosos.
— Mainha, está pronto? — perguntou Zé Bento.
— Sim, meus filhos. A comida está pronta— respondeu Isaura.
— Mainha, a senhora não vai comer? — perguntou Maria Lúcia.
— Não, minha filha, não carece não, comam vocês. Eu jantei ontem a noite — disse Isaura.
Cosmo olhou para ela com olhos tristes.
— Oxente como pode Mainha? Mas a senhora comeu ontem e hoje não está com fome?
Isaura forçou um sorriso.
— Não, filho. Eu estou bem.
Zé Bento entendeu.
— Oxente mainha, nós dividimos.
Isaura balançou a cabeça.
— Não, meus filhos, não carece não. Comam. Amanhã será outro dia.
Depois de colocar os filhos na cama, Isaura sentou-se no chão, diante do crucifixo, segurando o rosário. Lágrimas rolaram pelo seu rosto. Ela começou a rezar:
— Santa Maria, Mãe de Deus, rogai por nós pecadores, agora e na hora da nossa morte. Amém.
Iniciou o Rosário, soluçando de chorar:
— Meu Deus, eu creio em Vós, adoro-Vos, espero em Vossa misericórdia e amo-Vos sobre todas as coisas. Meu Jesus, perdão e misericórdia.
Peço-vos, Santo Antônio, Padre Cícero e Nossa Senhora da Conceição, abençoe minha família. Protejam-nos do sofrimento e da fome. Dá-nos força para superar estas dificuldades.
Valei-me, meu Deus!
Ela terminou a oração, chorando:
— Meu Deus, não me abandone!
No dia seguinte, Cosmo, de quatro anos, tremia de febre. Isaura ajoelhou-se ao seu lado, desesperada.
— Mainha, estou com fome... — sussurrou o menino.
A mãe abriu os armários vazios. Nada para comer. Ela chorou.
Zé Bento e Maria Lúcia se aproximaram.
— Não chora, não mainha...— disse Zé Bento.
Maria Lúcia abraçou Isaura.
— Nós estamos aqui, mainha.
Cosmo gemia de dor.
— Mainha, estou com fome...
Isaura levantou-se, correu para a imagem de Cristo e caiu de joelhos.
— Senhor, me ajude! Meus filhos estão morrendo de fome! Eu não posso perder meus filhos... Por que me abandonou, meu Deus?
Uma lágrima de sangue caiu dos olhos da imagem de Cristo sobre a cabeça de Isaura.
Quando começou a cair uma chuva torrencial sobre o sertão, Gideão, um fazendeiro viúvo da região, passava de carro na frente da casa de dona Isaura. Ele parou o veículo e bateu na porta dela para pedir abrigo.
— Desculpe incomodar, dona. A chuva está muito forte — disse ele.
Ela o convidou para entrar.
— Por favor, sente-se.
Gideão notou o filho mais novo dela gemendo de dor.
— O que aconteceu com ele, minha senhora? — perguntou Gideão.
— Ele está doente, mas não tenho dinheiro para remédio — respondeu ela, chorando.
Gideão, comovido, ofereceu:
— Valei-me dona, mas vocês não precisam passar por esse aperreio todo não, venham para minha fazenda, comigo. Eu tenho condições de ajudar vocês.
Isaura aceitou. Quando o temporal acabou, Gideão ajudou a carregar os pertences e levou a família para a fazenda.
Na fazenda, Isaura trabalhava como cozinheira-chefe, enquanto os filhos estudavam na escola local. Gideão se encantou com sua força, determinação e sorriso radiante.
Com o tempo, o respeito mútuo se transformou em amor.
— Isaura, você é a luz da minha vida. — disse Gideão deitado ao lado da mulher.
— Você também, Gideão é a luz da minha, eu amo você, meu homem! — respondeu Isaura.
-Minha mulher! - acrescentou o fazendeiro com os olhos brilhando de felicidade.
Os dois se beijaram. Eles construíram uma vida feliz juntos, cercados pela fartura e pelo amor.
Quem quiser que conte outra história!