"Casamento Arranjado"

Rebeca se olhou no espelho enquanto a ajudavam a se vestir. Seu rosto denunciava que há dias não dormia bem. Sabia que este dia chegaria, mas tinha esperança que seu pai mudasse de idéia de casá-la com aquele Conde que ela nem conhecia e desejava nunca ter que conhecer. Seu casamento com o Conde Lorenzo de Villemar fora arranjado e ela até tinha dúvidas sobre o caráter dele. Não queria se casar, não assim, esperava se apaixonar, sonhava com um príncipe encantado que a faria feliz para sempre. Tinha idéias avançadas para uma época em que as mulheres eram proibidas de pensar, agir e até mesmo sonhar. Era considerada rebelde. Sua mãe muitas vezes lhe dava razão, mas não tinha autoridade para questionar as decisões do marido, era submissa.

Estava pronta. Uma linda, mas triste noiva. Sentia-se como se estivesse sendo descartada e isso a magoava muito. Sentiu vontade de fugir, mas sabia que não adiantaria. Seu pai era poderoso e não tinha como fugir dele. Ouviu batidas na porta. Era seu pai

—Pronta? — ela olhou pra ele, imponente e autoritário, uma última vez ela suplicou

—Pai, não me obrigue a este casamento. Sabe que vou ser infeliz. Tenho apenas dezoito anos. Nem conheço o noivo. Eu sou sua filha, porque me obrigar a este destino?

—Você não sabe nada da vida. Estou lhe dando o melhor. Mulher foi feita pra obedecer o pai, não para questionar se vai ser feliz ou não. Vamos. — Ela o acompanhou.

Lorenzo a esperava no jardim. Precisava de uma esposa pois os rumores por ainda ser solteiro aos quarenta anos começavam a incomodá-lo e o arranjo feito foi bom pra ele e para o sogro. Como único filho herdara o título de Conde e uma bela propriedade. Sua fonte de renda era o arrendamento de sua grande extensão de terras que lhe garantia uma vida abastada e cuidava de tudo com mãos de ferro.

O jardim estava lindo, muito bem ornamentado. Os convidados esperavam ansiosos pela noiva. Rebeca, acompanhada pelo pai e com expressão de tristeza, caminhou até o altar onde Lorenzo a aguardava demonstrando uma certa impaciência. A cerimônia foi rápida. Seu pai tinha medo que ela fugisse do altar ou que tratasse mal o noivo. No fim da cerimônia foram cumprimentados por todos e ela não demonstrou nenhuma alegria ou simpatia pelo marido. Depois dos cumprimentos e brindes, Lorenzo disse que era hora de irem para casa. Debaixo de chuva de arroz, vivas e hurras, entraram na carruagem e partiram. Seguiam calados, apenas alguns olhares hostis e semblantes sérios.

Quando chegaram em casa já era noite e Rebeca não conseguiu ver a extensão da casa. Empregados solícitos os aguardava. Lorenzo deu ordem para que a servissem no que precisasse e lhe mostrassem o quarto. Ao ouvir, Rebeca estremeceu. Não tinha intenção nenhuma de servir aos caprichos dele.

—Devo lhe dizer que não vou me entregar a você por minha vontade. Fui forçada a esse casamento e só o conheci hoje. Não espere de mim ser uma mulher submissa e lhe satisfazer as vontades. Sou uma mulher, mas não pense que sou um objeto.

—Não me interessa uma mulher fria e rebelde. Se eu quisesse, você me serviria. Fiz um negócio com seu pai e você entrou no contrato que fechamos. Você é minha mulher e paguei por você. De nada adiantaria sua rebeldia se eu lhe quisesse. Mas não quero. Não me agradou, pelo menos ainda não. — ela se sentiu ofendida

—Não sou mercadoria nem um objeto para que você me compre. E se não lhe agradei, a recíproca é verdadeira. Você também não me agradou. Sinto asco na sua presença.

—Você é muito atrevida. Quem pensa que é pra falar assim comigo? Você é minha esposa e me deve respeito.

—Você é meu marido e me deve respeito também. Não pense que pode me humilhar como quiser.

—Suba para o quarto e aguarde os acontecimentos. Não quero mais ouvir sua voz.

Sua mudança tinha sido enviada antes e ao entrar no quarto estava tudo muito bem organizado. Uma criada lhe trouxe uma bandeja com frutas, pães e leite e a ajudou a se trocar, depois saiu deixando-a sozinha. Estava faminta. Comeu, se arrumou e deitou-se na cama de lençóis macios e perfumados. Estava apreensiva pelo que poderia acontecer. Mas estava cansada e adormeceu logo.

Lorenzo dispensou todos, tomou uma ultima dose de uísque e se preparou para dormir. Já era tarde e esperava que ela já estivesse deitada. Abriu a porta do quarto com cuidado e pôde vê-la entre os lençóis. Fechou a porta e foi para seu quarto. Logo pela manhã mandou que preparassem a carruagem, tomou seu café e partiu. Tinha negócios a tratar.

Ao acordar, Rebeca levou um tempo até perceber onde estava. Alguém abriu as cortinas e o sol inundou o quarto. Instintivamente ela se cobriu, mas percebeu que era a criada da noite anterior. Viu que o outro lado da cama não havia sido usado. Dormira sozinha.

—Bom dia, senhora! Estou aqui para ajudá-la. Quer que traga o seu café da manhã ou prefere descer pra fazer seu desjejum? — ela se sentiu uma estranha sem saber nem como agir.

—Bom dia! Como se chama?

—Joanna. O conde mandou a servir como precisasse. Estou às suas ordens. —Vou descer para tomar o café. Depois quero que me mostre toda a casa.

Rebeca não gostava da idéia de ter uma ajudante, sempre foi contrária a ter serviçais à sua volta o tempo todo fazendo coisas que ela podia fazer sozinha. Levantou, arrumou- se e desceu para o café. Notou que na mesa só um lugar havia sido posto. Sentou-se e começou a refeição perguntando:

—Sabe me dizer onde está meu marido?

—O Conde saiu logo cedo. Não costuma dizer onde vai e nem quando volta. — ela não disse nada como se não tivesse a menor importância.

Terminou seu café e saiu pra conhecer o jardim. Ficou encantada com o que viu. Tudo muito bem cuidado e uma atmosfera agradável com roseiras de várias cores e muitas flores que davam um toque e colorido especial ao lugar. Sentou-se num banco e ficou admirando tudo e sentido a natureza ao seu redor.

Caminhou um pouco pensando em sua vida e em como seria dali pra frente.Como seria o convívio com aquele homem que só conheceu no altar. Olhou a fachada da casa que era linda, imponente e muito grande.

Entrou pra conhecer toda a casa e o que lhe parecia grande se mostrou enorme e suntuoso. Uma biblioteca grande, mas aconchegante, várias salas e quartos, grandes corredores. Foi até à cozinha, área de serviço e mais pra frente aos alojamentos dos empregados. Ela conversou com todos e se inteirou da rotina da casa.

Voltou ao quarto se sentindo sozinha numa casa tão grande. Olhou pela janela e admirou a beleza do lugar. Ficou ali até o horário do almoço. Percebeu que almoçaria sozinha e se sentiu desprezada. Logo no primeiro dia de casada seu marido a abandonou. Depois do almoço foi à biblioteca e escolheu um livro. Foi lê no jardim, sentindo a brisa suave.

Lorenzo não pretendia deixar Rebeca sozinha em seu primeiro dia de casada. Mas

compromissos inadiáveis pediam sua presença. Além do mais, depois da conversa do dia anterior, achou melhor se ausentar. Nem que fosse para ela sentir sua falta. Ouvira tanta coisa a respeito dela e sequer desejou conhecê-la antes do casamento. Bastava que ela fosse uma boa dona de casa, mas não pensava que ela fosse tão dona de si e o respondesse à altura como fez. No entanto era uma mulher linda e elegante, fina e educada. Alta, esguia, olhos amendoados, cabelos longos de uma tonalidade dourada que encantava qualquer um. Sua simpatia com os convidados e serviçais lhe mostrou o quanto era querida levando-o a imaginar como seria tocá-la. Mas sua atitude e palavras na noite anterior lhe deixaram com o orgulho ferido e decidiu que não iria forçar nada. Ela ainda viria comer em sua mão. Surpreendeu-se ao pensar nela com tanto carinho depois de tudo que ela lhe falou.

À noite Rebeca não desceu para o jantar. Pediu uma refeição leve no quarto. Nem sabia se Lorenzo já havia chegado. Ele chegou tarde, a casa estava silenciosa. Fez uma leve refeição e subiu. A luz do quarto de sua esposa ainda estava acesa. Passou direto para o seu quarto. Pensava na mulher linda ali do lado, mas seu orgulho falava mais alto.

No dia seguinte Rebeca acordou, se arrumou e desceu para o café. Assim que entrou na sala viu Lorenzo. Ele foi ao seu encontro, estendeu a mão, a acompanhou até a mesa e

puxou a cadeira pra ela se sentar. Quando ela pensou que tomariam o café juntos, ele pediu licença e se retirou deixando-a sozinha. Rebeca mais uma vez se sentiu desprezada e teve vontade de dizer umas palavras ásperas, mas se conteve. Como era grosseiro, pensou, não sabia tratar uma mulher, talvez por isto não tenha se casado antes. Não esperava um casamento feliz, mas não esperava ser tão humilhada e desprezada.

Lorenzo se arrependeu de sua atitude e sentia ainda o calor e a maciez da mão dela ao levá-la até a mesa. Sentia-se perturbado, a presença dela o desconcertava. Não imaginou que

pudesse sentir tanto carinho e desejo por ela. Não era para ser assim. Não queria se apaixonar, ainda mais sabendo que ela não sentia mais que desprezo por ele. Passou a manhã na biblioteca sentindo-se irritado.

Rebeca saiu para o jardim e caminhava. Sentia-se triste e confusa. Ao tocar a mão dele sentiu um calor em seu corpo. Não queria, mas pensava nele o tempo todo. O que estava acontecendo com ela? Não queria sentir mais que desprezo por aquele homem que

disse com todas as palavras que a comprou. Mas sentia vontade que ele se aproximasse dela, que tentasse conquistá-la, que tentasse beijá-la. E ele era só desprezo. Sentiu vontade de voltar para a casa dos pais. Estava tão só e não tinha nem com quem conversar. Que casamento era aquele? Por que a escolhera? Sequer lhe dirigia uma palavra. Era como se nem estivesse ali.

Da janela da biblioteca Lorenzo a observava caminhar pelo jardim. Que fascínio era aquele que Rebeca lhe despertava. Por que a desejava tanto se há dias atrás nem a

conhecia? Queria quebrar seu orgulho e rebeldia? Não, não era isso. Queria amá-la com um desejo ardente.

Rebeca se recolheu ao seu quarto e não desceu para o almoço. No jantar disse não estar com fome e fez uma refeição frugal. Os dias passavam e Rebeca estava cada vez mais triste e se sentia doente. Não conseguia mais definir seus sentimentos. Pouco via Lorenzo e nem vontade de passear pelo jardim sentia. Nem vontade de discutir ou dizer

impropérios a ele sentia mais. Não suportava o desprezo de Lorenzo.

Numa manhã, Joanna entrou no quarto e notou seu abatimento. Parecia febril e nem saiu na cama. Ela foi contar a Lorenzo como Rebeca estava. Não queria se alimentar, estava perdendo o viço. Ele foi até o quarto e ao vê-la daquele jeito se sentiu culpado. Pensou em mandar buscar sua mãe, mas achou melhor não.

—Rebeca, diga-me o que está sentindo? O que posso fazer por você?

—Não se interessa por mim, porque quer saber o que estou sentindo? Mas se quer saber, estou sentindo solidão, infelicidade, insatisfação. — os olhos dele encheram-se de

lágrimas.

—Foi você que disse que não se agradou de mim. Disse que ficasse longe de você. Estou atendendo seu pedido.

Rebeca se sentia fraca e não ouviu mais nada, sentiu-se desfalecer. Estava febril e sentia tremores. Em seus momentos de lucidez se perguntava se tinha alguma importância para

Lorenzo e qual e importância dele na sua vida. Fez um casamento arranjado e ele não demonstrava nenhuma simpatia por ela. No entanto ela se sentia apaixonada por ele. Lorenzo chamou o médico. Ela foi medicada e o doutor disse que ficaria bem. O médico se foi e ele estava ao lado da esposa todo o tempo. Cuidava dela com carinho e desvelo. Dizia a si mesmo que quando ela estivesse bem teriam uma conversa definitiva.

Rebeca acordou sentindo ainda o corpo pesado, mas sentia-se melhor e mais forte. Não sabia quanto tempo esteve doente. Olhou para o lado e ficou surpresa ao ver que Lorenzo dormia ali. Parecia cansado, a barba por fazer e mesmo dormindo sua expressão era de preocupação. Ela tentou se levantar, mas ele acordou e a puxou para perto de si. Abriu os olhos e a olhou. Afagou seus cabelos e sentiu a maciez deles e de sua pele. Ela quis falar, mas ele a silenciou com um beijo apaixonado. Não havia necessidade de palavras. Seus corpos entrelaçados falavam tudo, selando aquela união…