O homem feio
O homem feio olhava pela grande janela da sua sala de trabalho. Via os prédios, as pessoas e carros passando na rua, mas não os enxergava; não estavam ali. Na verdade, ele não estava ali. Sua mente jazia longe: no passado, no presente, no futuro. Perguntava-se: como as coisas haviam chegado à aquela situação em sua vida?
Era uma pessoa relativamente boa, com amigos e inimigos – quem não os tem? Antissocial, contudo. Valorizava a própria companhia, a leitura, a tranquilidade, a rotina. Apesar desse traço de melancólica e persistente solidão, havia algo que amava sobremaneira: as mulheres. Acreditava que já seria pai àquela altura da sua vida, com esposa e dois filhos (o gênero deles era o de menos).
Chegou à casa dos 40 como um “rapaz véi”, como se fala em algumas partes do Brasil, e com poucas perspectivas de mudar tal situação. Foram muitas as rejeições, muitas mulheres lhe disseram não. O homem feio atribuía tal descaso à sua aparência. Era invisível para elas.
O que dizer do seu rosto? Marcas permanentes de acne, nariz torto, um olho levemente mais fechado que o outro. De fato, não era bonito. Ao mesmo tempo em que se entristecia, compreendia as mulheres, as rejeições. Não as odiava.
Desejava não gostar de mais ninguém, mas vez ou outra se via sonhando com alguma das mulheres que encontrava por acaso. Algo acontecia, mesmo com tantas rejeições, por alguns momentos, ele acreditava que poderia conseguir uma daquelas musas.
Uma estava em sua mente há muito tempo. Seu espírito, confiança, ânimo, entretanto, estavam quebrados. A mente permanecia em conflito. Conquistaria aquela bela mulher? Alta, branca, cabelos negros, sorridente, simpática? As lágrimas não rolavam. Era como se não as tivesse mais.
Um barulho o tirou do seu transe. O som da porta se abrindo. Virou-se e viu a bela mulher que lhe veio falar sobre o trabalho. Respirou fundo e a atendeu. A vida continuava.