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17/01/2023
São Paulo é fria demais para um carioca. Nunca imaginei que o calor do sol que eu carregava poderia derreter o coração de um paulista e fazê-lo se apaixonar por mim. Também nunca pensei que eu acabaria gostando de estar em uma cidade tão fria e escura como esta. No entanto, aqui estava eu, triste por ter de ir embora e retornar à minha realidade. A chuva fina, misturada ao frio da noite, tornava a fila do ônibus ainda mais exaustiva e lenta, e, quanto mais encharcado, mais me arrependia de partir. Não entendia por que me sentia tão incomodado com o tempo, já que sempre consigo me manter aquecido. Gosto de pensar que é porque carrego um pequeno sol dentro de mim, sempre quente, sempre aceso e pronto para iluminar meu caminho. Mas, desde que conheci Paulo, deixei meu sol com ele, na esperança de aquecê-lo enquanto estou longe. Sinto falta do calor dele, mas, felizmente, ele sempre esteve ao meu lado, então bastava me aconchegar em seus braços para me aquecer.
A fila do ônibus finalmente começou a andar, e, em pouco tempo, estávamos guardando as mochilas no bagageiro.
- Pode sentar na janela - disse Paulo.
- Tem certeza?
- Claro! Vai lá!
Sentei-me ao lado da janela e me acomodei. Paulo sentou ao meu lado, e eu só conseguia reparar em como ele estava bonito. Era a primeira vez que viajávamos juntos. Eu estava voltando para casa, e ele iria comigo para procurar apartamento. Sentia que meu peito ia explodir de orgulho. Em tão pouco tempo, ele progrediu tanto e já estava pronto para sair da casa da mãe e vir para outro estado. Eu realmente estava feliz, e não era só porque moraríamos no mesmo lugar.
- Prometo não levantar para ir ao banheiro toda hora - garanti.
- Por favor! - riu, debochado. Ficamos em silêncio, ambos sabendo que eu provavelmente não conseguiria cumprir essa promessa.
Nossos amigos, que também voltavam conosco, passaram por nós tão rápido que mal os reconheci. Estávamos todos chateados e brigados, mas isso não conseguiu estragar meus momentos com Paulo. Tínhamos sempre tão pouco tempo juntos que, quando nos encontrávamos, ninguém conseguia estragar nossas aventuras paulistanas e nossas visitas ao MASP.
Do lado de fora, as ruas viraram borrões, passando rápido enquanto o ônibus ganhava velocidade. A ansiedade começou a diminuir, mas a vontade de ir ao banheiro tornou-se urgente. Olhei para Paulo. Ele estava deitado, coberto com a manta que trouxera, assistindo ao filme de terror que passara o dia baixando. Ele estava lindo, com o cabelo meio bagunçado e a bochecha rosada pelo sol do Rio, dias antes - aquele fim de semana tinha sido divertido. Eu queria dizer algo bonito, algo encorajador, mas não queria interrompê-lo enquanto ele finalmente conseguia relaxar - os últimos dias foram realmente difíceis para ele.
- Disse alguma coisa? - perguntou, ao notar que eu o encarava.
- Hã? Não, desculpa!
- Tá querendo ir ao banheiro, né?!
- Droga.
- Eu sabia!
Rimos juntos. Eu realmente não conseguiria segurar a viagem toda. Quanto tempo mais será que eu aguentaria sem dizer "eu te amo"? Eu o amava, mas por que não conseguia falar? Não queria que ele pensasse que eu não o amava. Não queria que ele fosse embora. O frio voltou a me atormentar, e nem a manta conseguia afastá-lo. Minhas mãos pareciam congeladas, e meu coração acelerado não conseguia bombear sangue suficiente, como se já estivesse congelado em metade do meu corpo.
- Vem cá, deita aqui! - disse ele, me puxando para perto do peito - É nossa primeira viagem juntos, né? Temos que aproveitar cada momento.
O calor dele, tão próximo de mim, me aquecia. Por um instante, era como se eu estivesse de volta ao Rio de Janeiro. Fechando os olhos, imaginava como seria nossa vida daqui para frente, juntos, sob o calor carioca, prontos para viver o resto de nossas vidas assim.
A viagem seguiu tranquila, e, enquanto o céu lá fora começava a ganhar tons de rosa e laranja com o amanhecer, minha mente não descansava. Passei sete horas de viagem me perguntando por que não conseguia dizer a Paulo que o amava, o que me deixava apavorado. Tinha medo de que ele fosse embora por não ter mostrado o suficiente, por não tê-lo deixado entrar o bastante em minha vida, quando o que mais queria era tê-lo sempre por perto. Talvez eu devesse parar de me preocupar tanto; afinal, ele estava se mudando para ficar mais próximo de mim. Mesmo assim, eu não conseguia dizer que o amava. Qual era o meu problema?
Quando o ônibus parou na rodoviária do Rio, minhas olheiras estavam escuras o suficiente para parecer maquiagem. Do lado de fora, o sol da manhã, quente e vibrante, expulsava o frio de São Paulo. Perto do ar-condicionado, já podia sentir o calor entrando. A luz solar, vinda da janela do outro lado, despertou Paulo, que dormia pacificamente com um dos fones no ouvido - o outro tinha caído no meio da noite, e eu o guardei para que ele não perdesse. Seu cabelo estava bagunçado de um jeito engraçado, e a expressão sonolenta, como de uma criança que dorme no sofá e acorda na cama, me fez odiar a senhora desconhecida ao nosso lado, que deixara a luz do sol entrar e acordá-lo. Eu a odiaria para sempre.
- Chegamos? - perguntou ele, ainda sonolento.
- Acabamos de chegar. Dormiu bem?
- Sim, apaguei no meio do filme. E você?
- Eu também! - menti - O pessoal já desceu; temos que pegar nossas malas.
- Pronto para mais uma aventura? - perguntou, estendendo a mão para mim com um sorriso bobo. Eu estava apaixonado por ele, e, mesmo sem conseguir dizer, ficava bobo ao perceber que ele ainda não notara. Eu iria para todas as aventuras do mundo com ele. Segurei sua mão e, sorrindo, respondi:
- Vamos nessa!
27/08/2023
A chuva não parava de cair há dois dias, alagando o Rio de Janeiro e isolando a todos em casa. Sinto como se cada gota de chuva fosse uma lágrima minha, que, em vez de sair dos meus olhos, caía do céu por mim.
Passei os últimos dias trancado em casa com minha família, distante de tudo e todos, inclusive de Paulo. Brigamos feio dias atrás. Palavras foram ditas, promessas foram quebradas, e decidimos dar um tempo, pelo menos um fim de semana separados, o que conseguimos, mas tem sido uma tortura para mim, até este domingo à noite. A chuva parecia o convite perfeito para um dia de filmes de comédia romântica - meus favoritos. As demonstrações de amor, o impossível se tornando possível, as trilhas sonoras, os opostos que se atraem; tudo fazia parecer que um relacionamento era fácil, que bastava amor para um casal ficar junto. Claro que, em um dia normal, eu não acreditaria nisso tão facilmente. Mas, após quatro filmes, chocolates e dias chuvosos longe de Paulo, eu acreditaria em qualquer coisa que dissesse que ficaremos juntos. Então, às dez da noite de um domingo chuvoso, chamei um Uber, pronto para fazer um gesto romântico. O carro demorava uma eternidade enquanto eu esperava na entrada do prédio. A chuva respingou em meus sapatos, e algumas gotas caíram nos meus óculos. Eu não sabia se era o certo ir até ele tão tarde, nem o que ele estaria fazendo, mas eu precisava vê-lo, precisava fazer um grande gesto romântico e dizer que o amo - mesmo estando de guarda-chuva.
A caminho de sua casa, minha cabeça não parava de pensar nas possibilidades. Será que ele me aceitaria de volta? Será que iríamos terminar? Será que ele estava dormindo ou saíra sem me avisar? Talvez não quisesse me ver. Precisava afastar esses pensamentos ou começaria a desistir, e eu não queria desistir de dizer "eu te amo" em alto e bom som, para que ele nunca mais tivesse dúvidas.
Quando o Uber parou em frente ao prédio de Paulo - a cinco minutos da minha casa a pé, mas a quase vinte minutos de carro - eu só consegui correr. Nem liguei para o guarda-chuva, nem me importei em ficar encharcado. O elevador estava no oitavo andar, então subi as escadas. Era apenas um lance, e, em todas as outras vezes, subi-las foi rápido e fácil, mas não agora. Cada degrau parecia multiplicar-se, e, sem fôlego, cheguei ao topo. Do corredor, vi a luz fraca da televisão sob a porta, enquanto o resto da casa estava apagado. Ele estava acordado, vendo algum filme. Ótimo!
Toquei a campainha uma vez. Ninguém atendeu. Toquei de novo e nada. Ouvi vozes, mas deviam ser da TV. Toquei uma terceira vez, e ouvi Paulo gritar:
- Já vai!
Ele estava perto. Meu coração acelerado parecia querer saltar do peito quando ouvi a chave girando na fechadura. Concentração. Era simples: só precisava dizer o que eu sentia. Contar que o amava, que não suportaria perdê-lo. Que minha vida não fazia sentido sem ele e que precisava dele ao meu lado. Tudo isso.
A porta finalmente se abriu, e lá estava ele. De pijama, o cabelo arrumado, e com uma expressão serena que logo se desfez ao me ver. Depois que seus olhos se acostumaram à luz forte do corredor, seu semblante se transformou em preocupação. Eu tentei ignorar.
- Paulo, eu vim aqui porque preciso te falar…
- Lucas, o que você está fazendo aqui?
- Eu precisava conversar com você. Precisava te ver, e pode parecer meio bobo, já que estou todo encharcado, mas esta é minha… grande… quer dizer, não sei se tão grande, mas minha tentativa de mostrar… - Antes que eu pudesse continuar, ele saiu para o corredor e fechou a porta atrás de si, o olhar preocupado ainda estampado em seu rosto. Parecia que escondia alguma coisa. Ou alguém. - O que aconteceu?
- Estou com outra pessoa agora, Lucas.
Então era isso. Ele estava realmente escondendo alguém. Mais uma vez, a chuva tomou o lugar das lágrimas e desceu pelo meu rosto como um choro silencioso.
- Entendi.
- Lucas, me desculpa, é que eu…
- Eu preciso ir.