O Essencial Fogo Da Paixão
A vida surpreende, as coisas acontecem, nada é pra sempre.
Toda escolha tem suas consequências.
A escolha entre a zona de conforto e jogar tudo pro alto não é fácil.
Até onde a insatisfação é aceitável?
Buscar a satisfação e seguir os instintos é irracional?
Ou o corpo fala mais alto e os desejos são irresistíveis?
Até quando dá pra resistir ao essencial fogo da paixão?
Ela sempre concordou com o verso de uma música que diz: “ser feliz é viver morto de paixão” . Acreditava nisso e os melhores períodos de sua vida ela viveu quando se encontrou apaixonada. Não só quando viveu paixões por homens, mas também quando se apaixonou pelo curso superior que fez, por um projeto, por uma pesquisa, por um trabalho, por um livro, pelos textos que criava, por pintura e mandalas, pelo seu jardim, por uma viagem e tantas outras paixões. Sim, era passional e quando se apaixonava mergulhava de cabeça. Então sentia corpo, mente, alma e espírito em perfeita harmonia. Não sentia dores de cabeça, tensão ou outro mal qualquer. Sentia-se mulher plena e absoluta.
Estava tão jururu. Parecia que estava tudo cinzento, sem graça e sem perspectivas. Optou por um trabalho que lhe dava um bom retorno financeiro, mas não lhe sobrava tempo para fazer o que gostava, estava em um casamento morno em que a paixão avassaladora do início já tinha acabado há muito tempo. Não estava disposta a trocar seu trabalho pois valorizava a independência financeira. Não queria sair de seu casamento pois apesar do sexo estar deixando muito a desejar há algum tempo eles se davam muito bem. Eram parceiros, companheiros, gostavam de conversar e trocar idéias, viajar e se divertir juntos. E se amavam.
Era uma mulher de quarenta e poucos anos, belo rosto, inteligente, corpo exuberante e perfeito para os padrões de beleza. Chamava a atenção e gostava disso. Era vaidosa e sabia se arrumar para valorizar seus dotes. Teve alguns namorados e viveu paixões que a deixavam na nuvens, mas aprendeu que a paixão acaba e com ela o prazer no sexo também diminuia e a deixava insatisfeita.
Estava casada há quase quinze anos com o homem por quem se apaixonou de maneira singular. No calor da paixão, se casou pensando que desta vez seria para sempre, que aquela volúpia jamais terminaria. Viveram alguns anos de puro êxtase. Um olhar, um roçar de mãos, um beijo já acendia a paixão que muitas vezes se estendia pela noite adentro ou pelo dia afora. Nos braços dele se sentia derreter de tanta vontade e gozo. Quando estavam juntos nem se lembravam que havia um mundo lá fora. Só os dois e a vontade de se dar prazer.
Com o passar dos anos a paixão foi se acabando e pra ela sexo só funcionava no fogo da paixão. O amor permanecia, mas a vontade já não era a mesma. Continuavam juntos, eram felizes, mas não havia a satisfação de tempos atrás. Nem pensavam em se separar, mas ela estava ficando apagada, murchando como uma planta sem água. Gostava de sexo, do carinho, do prazer. Tinha tudo em seu casamento, menos o essencial fogo da paixão. Mas achava que não valia a pena separar. Paixão não acontece todo dia. Além do mais, gostava dele, tinham afinidades, companheirismo. Pra que se separar? Melhor era seguirem juntos, mesmo num relacionamento morno.
A vida, no entanto, gosta de aprontar, tem suas armadilhas, gosta de dar uma sacudidela em que está quieto e acomodado, acordar quem está dormindo sem ver que o tempo passa e que todos nascem pra desfrutar das felicidades e dos prazeres. E um belo dia surge no setor onde ela trabalha um cara de vinte e poucos anos, universitário ia fazer um estágio logo ali bem perto. O que tem que ser não deixa pra depois. Logo no primeiro olhar ele já fez com que ela ficasse desconcertada. O que aquele garotão pensava? Ela bem podia ser mãe dele. Mas ela gostou. Há muito tempo ninguém a olhava assim. Ele não era um homem muito bonito, mas tinha seu charme. Apesar da ousadia do olhar, lhe pareceu um pouco tímido. E ela gostava dos homens tímidos que se atrapalham diante de uma mulher. Ela sorriu.
Com o passar do tempo eles foram se conhecendo, ele a devorando com os olhos e uma atração quase irresistível foi surgindo entre eles. Às vezes pensava que se chegasse perto não iria resistir e o beijaria ali diante de todos. Em casa tudo continuava como sempre. Um relacionamento morno e sem graça. Mas amava e respeitava o marido, não era mulher de trair. Algumas vezes quando estava em sua cama com ele pensava no rapaz e sentia que isso já era uma traição. Sentia-se envergonhada. Sentia inveja ao ouvir os gatos lá fora fazendo a festa. Os animais eram livres. Não conheciam casamento. Sempre pensou que o ser humano não nasceu pra ser monogâmico. Casamento era só uma convenção social.
Estava vivendo um conflito. Seu corpo pedia pra ceder e se entregar ao prazer do fogo da paixão. Sua razão a impedia de seguir os instintos. Dia a dia ela convivia com a paixão que lhe corroía. Aquele cara bem ali na sua frente provocando e convidando ao prazer. Ele sentia o quanto mexia com ela e cada dia mais se insinuava numa torturante tentação. Ela tentava nem olhar pra ele. Nem tinha como pedir pra mudar de setor e não tinha coragem de pedir a transferência dele. Poderia prejudicá-lo. Quando pensava que não resistiria mais, pensava no marido e no quanto eram importantes um pro outro.
Seguia sua vida, tentava se apaixonar por outras idéias, mas à noite na cama com seu marido era no rapaz cheio de amor pra dar que ela pensava. Quanto prazer aquela paixão poderia lhe dar. Tentava não pensar, tentava não sentir paixão por ele, mas não conseguia. Ia resistindo, mas não sabia até quando. De repente tudo pode acontecer e o essencial fogo da paixão dar as cartas para um jogo perigoso e fatal…