A CAIXINHA DE MÚSICA
A mulher acorda. Dorme só. O marido está viajando, pois é vendedor. Ganha muito pouco, mal dá para as despesas do mês.
Acorda o filho para ir à escola. Prepara o seu café e ele toma, rápido. Beija a mãe e sai correndo em direção ao colégio.
Começa a arrumar a casa, sua rotina interminável: limpa, varre, lava. Quando se dá conta, é hora de preparar o almoço, pois seu filho está para chegar. Antes, se olha no espelho.
Ainda é bonita, apesar dos afazeres domésticos e do relativo desleixo que tem com sua aparência.
Penteia os cabelos. Abre a gaveta da carcomida penteadeira e retira uma caixinha de música, destas que não se fabricam mais.
Abre a sua tampa e uma melodia enche o quarto. A música a faz voltar para um tempo que não volta, seu tempo de juventude.
Namorou um rapaz algum tempo. Fora ele quem a presenteara com aquela caixinha de música, presente de um ano de namoro.
Porém, acabaram por se separar. Ela se casou jovem. Ele foi para a capital, onde trabalhando duro, conseguiu vencer na vida.
A mulher pensava alto: será que ele ainda se lembrava dela?
A campainha tocou. Ela foi atender.
Ao abrir a porta, deu de cara com seu antigo namorado.
Com a voz embargada, pede que entre.
O homem senta-se no sofá da humilde casa. Diz que está visitando seus parentes e revolveu também lhe fazer uma visita.
Começam a conversar sobre a vida e ela descobre que ele tem um bom emprego na capital, se casou e é pai de dois filhos.
De repente, se instala um silêncio no ar.
Ela diz que vai à cozinha, mas ele a segue.
A segura pelo braço e lhe pergunta:
- Você me esqueceu? Pois eu nunca te esqueci!
Lá dentro, a caixinha de música, misteriosamente, começa a tocar.
Falta pouco para um beijo. Nisso, o filho dela chega:
- Mãe, já cheguei! Já fez o almoço?
Os dois, como que despertos de um sonho, se afastam.
O homem sai apressado. Nem sequer se despede dos dois. O menino fica curioso:
- Quem era este homem, mãe?
- Ninguém, filho. Ninguém.
E esconde uma lágrima que rola em seu rosto.
2003