AS LEMBRANÇAS DE UM AMOR

Já se passava das 10h de um sábado ensolarado quando Renata se sentou no banco da praça em frente ao hospital e chorou; chorou sozinha, saudosa e lembrando de momentos que ela jamais poderia aproveitar com ele. Doía demais sentir a perda que era recente. Ela iria remoer todas as lembranças vivas dentro dela e faria de tudo para alimentá-las e não se permitir esquecer de nada.

Outono. Fim de tarde e Renata caminhava pensativa pela orla. Pensava em seus planos que deram errado, nos amores incertos que ela conseguiu arrumar no passado, pensava nos amores que deram certo; ou melhor, no amor que deu muito certo: Rafael. O único a quem ela dedicou seu coração, seu amor, seus melhores sorrisos e suas lágrimas. Foi com ele que ela fez viagens, eventos em família e todas as loucuras, aventuras, tragédias e bons momentos que todo casal de verdade está fadado a passar juntos. Mas acabou. Rafael decidiu ir embora do país depois de receber uma proposta que ele tanto esperava. E ela, coitada, triste, infelizmente não poderia nem pensar em largar o seu emprego que muito lhe deu sustento e de onde ela juntava um bom dinheiro para abrir a sua própria agência, dentre outros motivos que a fizeram renunciar ao amor da sua vida, embora sua vontade fosse chutar o balde e só ir embora com ele. Destinos contrários e complicados. Foi o fim. E, no final, ambos optaram por seguir sua vida e suas decisões. Escolhas erradas ou não, talvez nunca saibam, mas naquele momento o que eles tinham era o fim de uma história que foi linda enquanto durou.

Ela pensava na saudade e no quanto ele a ajudara de diversas maneiras em situações boas e nos perrengues da sua vida caótica. Renata resolvera sair de casa aos 22 anos. Não tinha muita coisa e tinha um trabalho que pagava mal, mas ainda assim ela resolveu viver a sua vida do jeito dela e tentar se ajustar, pois não aguentava lidar com os problemas dos pais. Uma mãe alcoólatra em negação e um pai que não tinha controle dos problemas no casamento e ambos nunca a apoiaram. Hoje, aos 36, publicitária, com sua casa quitada, seu carro e Beto, o cãozinho vira-lata que ela encontrara na rua e que alegrava seus dias, ela ainda não sabia lidar com perdas. A luta foi dura, mas ela foi se reerguendo aos poucos, mesmo depois de tanto apanhar da vida. E por todas as coisas terríveis que ela precisou enfrentar, Rafael estivera com ela e agora não mais. Sofria calada pensando em todas essas coisas, pois ele sempre fora seu ponto de apoio. Seu porto seguro. O ombro que ela precisava para deitar a cabeça e dormir (ou chorar) no fim de um dia cansativo. Ele fora sua base, até que não era mais.

Renata se sentou na mureta da orla, contemplando a beleza de um pôr do sol lindo de outono, colorindo o céu com cores vibrantes de vermelho, alaranjado e amarelo... uma perfeição divina. Ela estava perdida em pensamentos literais, distraída, encantada com quele fim de tarde na praia, cabeça a mil e não percebeu o celular que vibrava insistentemente dentro da bolsa. A caminho de casa, parou num café para um lanche e verificou o celular que mostrava 13 chamadas perdidas de um número que ela não conhecia. Esperou chegar em casa para retornar a ligação e ficou muda ao ouvir a voz de quem a estivera ligando tanto. Chorou ao ouvir a voz de Rafael mais uma vez, depois de tantos anos. Rafael estava de volta ao país. Eles combinaram de se encontrar no dia seguinte, já que era final de semana e ela estaria livre do trabalho. Ela estava elétrica. Não sabia como agira nem qual seria sua reação ao revê-lo. Resolveu tomar um banho, organizar algumas coisas em casa para ocupar a mente e se sentou para ler, ou pelo menos tentou. Sua concentração era zero. A volta do amor da sua vida não saia da cabeça dela e de tanto tentar tirar aqueles pensamentos ela dormiu. O que ela não sabia era que esse retorno não seria tão feliz quanto imaginava.

Ao acordar, Renata conseguiu se orientar bem. Saiu para sua caminhada e praticou alguns exercícios físicos. Tomou seu banho como de costume e se arrumou para ir ao encontro de Rafael. Quando ela chegou, ele já estava lá. Ele se levantou ao vê-la e ainda sem acreditar naquele reencontro se abraçaram por alguns minutos. Ficaram sem palavras por algum tempo até que falaram juntos um tímido “oi”. E riram. Se abraçaram novamente e agora por mais tempo que ela conseguia imaginar. Pareceu até que o tempo havia parado para que aquele momento durasse tempo suficiente. Sentaram a mesa e fizeram seus pedidos. Conversaram bastante enquanto comiam. Colocaram todos os papos em dias. Falaram sobre todas as novidades na vida deles até que Rafael precisou falar o real motivo de seu retorno para casa: ele estava com câncer. Descobrira já a algum tempo. Renata chorava de soluçar. Ela estava inconsolável. Levantou-se e foi embora. Nem se despediu. Em casa se deitou e não parava de chorar. Ela não sabia o que fazer. Aquela notícia tinha sido arrasadora para quem acordou tão feliz. Rafael ligava sem parar, mas ela tinha deixado o celular na sala. Dias se passaram e ela ainda não se sentia melhor. Rafael havia mandado inúmeras mensagens, ela não respondeu nenhuma. Não tinha notícias nenhuma de Rafael. Ir para o trabalho a estava matando. Renata não sabia o que estava acontecendo e não fazia a menor ideia de quando tudo isso iria passar. Pediu folga do trabalho e resolveu viajar para tentar organizar seus pensamentos. Escolhera uma região montanhosa, longe da agonia da cidade e com muita natureza para recarregar as energias. Rafael não teve notícias dela desde o reencontro. Depois de uma semana desconectada do mundo, ela retornou com a cabeça um pouco mais tranquila, com as ideias organizadas e então ligou para Rafael. Quis deixar claro que lutaria ao lado dele contra aquela doença. Renata aceitou a doença de Rafael e estivera com ele durante todo o tratamento, idas aos médicos, em todas as quimioterapias e radioterapia que precisou fazer. Enfim, Renata não poupou tempo durante meses para lutar junto a Rafael, mas o problema é que os médicos haviam feito de tudo e ainda assim não teve melhoras. Rafael estava cada vez mais fraco e o câncer já havia se espalhado par outros órgãos. A equipe médica de Rafael já havia desacreditado. A doença estava em sua fase terminal. Renata não tinha mais forças nem lágrimas para choras. Ela perdera bastante peso. A vida teria lhe dado outra surra e dessa vez as marcas seriam eternas. Rafael morreu 1 mês depois. Ela estava com ele quando finalmente descansou. O sofrimento terminou, pelo menos para ele. Ela não sabia quanto tempo o sofrimento iria durar. Beijou a testa de Rafael, levantou-se e saiu. Sentou-se no banco da praça em frente ao hospital e chorou. Chorou por todas as memorias boas. Por todos os momentos ao lado de Rafael. Chorou para que a alegria pudesse voltar um dia, mas ela sabia que seria difícil esse dia chegar. Só restava continuar a sua rotina e ocupar a mente. Ela sabia que ele estaria ao seu lado aonde quer que fosse. Ele seria seu anjo protetor e só assim ela teria paz, mesmo que não tivesse o amor da sua vida outra vez.

Mário Henrique

12/08/2024

Mario Araújo
Enviado por Mario Araújo em 27/09/2024
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