EGBERTO E VERÔNICA

Meio a contragosto, Egberto acompanhou seus pais a festa de virada de ano na casa do tio Osmar, irmão caçula e bem sucedido, residia num verdadeiro cartão postal, ali pendurado na vertente oeste do Morro da Joatinga, próximo a saída do canal que liga a Lagoa da Tijuca ao mar da Praia da Barra da Tijuca.

Chegaram cedo e ficaram no deck da piscina apreciando aquele espetáculo da lenta transição que separa o final da tarde, do limiar dessa noite especial, efusivamente comemorada por todos.

Egberto nunca foi pessoa muito chegada ao convívio social, até participava de roda de amigos, logo cansava, preferindo a companhia de seus livros, não só os técnicos, ligados a paixão pela biologia, como também os de seus escritores favoritos. Tinha um hábito peculiar, esgotar a coletânea do autor, quando apreciava uma obra. Na biblioteca pessoal isso ficava evidente, onde dificilmente você encontraria apenas uma obra por autor.

Estava ele paralisado, assistindo ao sobrevoo singular de um bando de gaivotas diante daquela paisagem, foi subitamente interrompido pelo tio Osmar, queria lhe apresentar Verônica, amiga da tia Lúcia, logo deixou um em companhia do outro, saindo para dar atenção a outros convidados que iam chegando.

Verônica é dessas mulheres com presença marcante, que num primeiro momento, torna difícil estimar sua idade. Egberto, pessoa de sensibilidade aguçada, logo se encantou com o astral que naturalmente transmitia em seguida se assustou, quando relatou seu campo de interesse, a psiquiatria. Não é preconceito, mas o convívio contínuo com pessoas desequilibradas acaba interferindo no comportamento dos profissionais da área psi.

Ele aos 21 anos explicou para Verônica que cursava Biologia na UFRJ, mas que desde pequeno foi ligado nessa ciência, e não foram poucos os pobres dos insetos e aves que dissecou para melhor entender o funcionamento de seus órgãos internos.

Logo descobriram que não gostavam de bebida alcoólica, enquanto isso garçons ofereciam apenas dois tipos de bebida que não agradava a ambos: refrigerantes e as alcoólicas. Resolveu fazer um agrado a Verônica, para gerar uma surpresinha. Pediu que aguardasse, enquanto tentaria obter uma bebida especial.

Sabe aquelas barraquinhas onde um barman prepara deliciosas batidinhas de frutas, depois de um papo de convencimento, conseguiu meio a contragosto, que o profissional produzisse duas batidas sem álcool, retornou a companhia de Verônica com a novodade, dois copos de suco de lima da pérsia gelado.

Como o papo evoluiu de forma até certo ponto surpreendente, se tornaram necessárias novas paradinhas, para que se hidratassem naquela noite onde o calor permanecia inalterado, pouco se importando se o sol se punha há pelo menos cinco horas e o mar, que em tese sempre ajuda a amenizar a temperatura, não conseguira sequer recuar um grau, mesmo diante daquela imensidão de água salgada e fria à frente.

Muito a vontade, Verônica confidenciou a Egberto que desde sua separação, uma década atrás, não experimentou relacionamento sexual, canalizando sua energia para a profissão. Hoje era reconhecida como bam bam bam no assunto, se transformando numa espécie de referência para casos cabeludos.

Era comum entre profissionais da área a procurarem quando o bicho pegava. Egberto praticamente só ouvia, espantado com os detalhes que pontuava, enquanto Verônica empolgada trazia relatos quase inacreditáveis para pessoas como ele, sempre muito centrado em suas pesquisas biológicas. Se a intenção não era assustá-lo, o tiro saiu pela culatra.

Essa foi para ambos uma virada de ano pra lá de especial, a única interrupção na conversa aconteceu durante a tradicional contagem regressiva, que comemora a virada do ano.

O ano novo entrou, e um casal assíduo se formou, e foi se consolidando, à medida que iam ficando cada vez mais tempos lado a lado.

Não demoraram a aparecer os primeiros preconceitos, explicitamente dos pais de Egberto, que indignados, se referiam a Verônica como papa anjo, repetindo que ela teria idade para ser sua mãe, nunca namorada. Ele preferia se manter calado, para não piorar ainda mais o clima em casa.

Pelo lado dela, a implicância partia de seu seleto grupo de amigos, que rejeitaram de cara o Egberto, e nas poucas oportunidades vivenciadas em comum, todos deixaram claro seu preconceito, uma atitude até inesperada, para um grupo de adultos, em sua maioria formada por terapeutas.

A gota d’água que faltava para completar o copo cheio veio de forma avassaladora, para efetivamente configurar uma nova família, Verônica estava grávida e Egberto agora se mudaria para o simpático apartamento de térreo, num elegante prédio de três andares, na aprazível Rua Visconde de Albuquerque de frente para a diminuta Praça Baden Powel.

Nem mesmo a diferença de 25 anos entre os amantes, e muito menos o preconceito generalizado de amigos e parentes foi forte o suficiente, para separar esse casal, que agora pode ser visto passeando com um carrinho duplo de bebê, nas manhãs ensolaradas no calçadão do Leblon.

Alcides José de Carvalho Carneiro
Enviado por Alcides José de Carvalho Carneiro em 20/09/2024
Código do texto: T8156119
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