Uma certa Tereza
Sempre faltará alguém no lugar de Tereza. Seu lugar será o mesmo, sempre frio e magro. Mas ela o ocupava inteiro. Seu tempo. Sua vida. Cabendo em cada vazio dele, feito um pedestal de arame, mas arame farpado, por ter ciúme.
Seu ciúme estrangulava-lhes a existência. Ambas. Eram dois apertados pela cinta-liga do amor obediente, obsessivo e enclausurado. Tereza desocupou a vida por competência da mortalidade. Seu lugar austero, mandão e rude, permanecerá.
Pra quê? Que foi feito da pobre Tereza? Qual era sua pobreza senão o amor resignado e opressor? O que será agora do seu mundo sem ela?
Tereza não era um sol comum, em torno do qual tudo gira. Era um sol maligno, ardente e vingativo. Era maninha, ingrata e inóspita. Tereza era uma faca de dois gumes. Um punhal maldito a estoporar a cara no quente e frio das injustiças.
Não era do bem querer, era antes do maldizer. E do atrevimento. Atrevia-se sempre a dizer o inaudito, porque sempre tinha uma novidade sobre a qual reclamar. Era de um azedume sem igual.
Mas fará falta. Sua soberba. Sua altivez. Sua cara de areia mijada. Porque era uma existência forte. Ranzinza. Seca. Dificultosa. Que subjugava quem estivesse perto dela. Tereza não foi, nem veio. Não vai e nem volta nunca mais.
A ele fará mais falta por conta do pedágio caro por sua frequentação. Tereza era seu território úmido, onde ele poderia entrar e sair quando bem entendesse. Nisso se davam bem. Era quando se conectavam fora do mundo e dentro das mais ligeiras apalpações. Para isso não havia desencontros. Só um torvelinho de braços, pernas, bocas ...
Após o amor ardente de Tereza, vinha sempre a cara amargurada de quem não alcançava o céu. Nem se muito tentasse. Nem se o céu descesse de dentro de seu corpo. Nem se fosse invadida por corpos alheios. Nem se muito imaginasse. Tereza sempre azedava. Sempre era azeda. Insatisfeita. Chata! Muito chata!
Mas Tereza morrendo seu lugar fica vago. Porque Tereza era vaga. E também era cheia. Calada e explosiva. Fechada e rancorosa. Sua única qualidade era ser eficiente. Não há pessoas eficientes como Tereza, nem tão amarguradas quanto ela.
Um dia Tereza morreu. Quase ninguém chorou, mas todo mundo deu falta. Quase ninguém foi ver a morta assassinada no caixão, segurando o punhal que a matara, o punhal de cara estoporada. O assassino, longe e perto.
Era uma vez Tereza. Morreu, Escafedeu-se. E seu lugar é um buraco fundo pra se fincar bandeira em honra do santo que a recebeu. Com certeza é um santo. Ele, contudo, não era.