João Lucas e o Poema do Destino
João Lucas vivia no limiar entre o real e o imaginário. Poeta desde os tempos da adolescência, carregava em si o peso de todas as perguntas que nunca haviam sido respondidas e as angústias que o tempo parecia intensificar. Era um homem doce, de fala suave e sorriso tímido. Quem o conhecia, mesmo que brevemente, sentia-se cativado pela sua presença tranquila e educação inquestionável. Ele era um daqueles que podiam carregar o mundo nas costas, mas ainda tinham força para perguntar como foi o seu dia.
Apesar de sua natureza sensível, João Lucas levava uma vida simples e discreta. Trabalhando como balconista em uma pequena lanchonete de bairro, passava os dias atendendo aos clientes com gentileza, mas sempre com os olhos distantes, como se sua mente estivesse longe, talvez escrevendo versos invisíveis que só ele conhecia. Seu maior sonho era viver de suas obras literárias, mas, como todo sonho, era algo que parecia distante e inalcançável. Suas poesias permaneciam em cadernos antigos, guardados em gavetas, onde raramente alguém além dele as lia.
Foi em uma tarde ensolarada, enquanto João Lucas saboreava um sorvete após o expediente, que o destino resolveu brincar com sua vida.
Na sorveteria, ele estava concentrado, rabiscando algumas palavras em um pequeno caderno enquanto derretia o sorvete no copo. Não muito longe, Patrícia, uma jovem de olhar curioso e espírito aventureiro, observava-o. Algo nele chamou sua atenção. Talvez fosse o contraste entre sua solidão e a suavidade com que se portava, como alguém que escolhe estar só, mas não por solidão amarga. Sem hesitar, ela se aproximou.
— Você é poeta? — perguntou Patrícia, com um sorriso acolhedor.
João Lucas levantou os olhos, surpreso pela interrupção, mas logo sorriu de volta. Aquela era uma pergunta rara, e a gentileza da abordagem desarmou qualquer hesitação.
— Gosto de pensar que sou, sim — respondeu, fechando o caderno. — Mas acho que ainda estou escrevendo o que gostaria de ser.
A resposta intrigou Patrícia, que sentou-se à sua frente sem esperar convite. A conversa fluía como se fossem amigos de longa data. Ela logo descobriu que João Lucas era diferente. Ele tinha uma alma profunda, uma visão do mundo cheia de nuances e reflexões que poucos conseguiam entender. Aos poucos, os encontros entre eles se tornaram frequentes, sempre regados a conversas longas e descontraídas.
Com o passar do tempo, Patrícia percebeu que estava se apaixonando. João Lucas, com sua maneira gentil e cativante, tinha conquistado seu coração de uma forma que ela não esperava. Ele era romântico, mas sem perceber o efeito que causava. Sensível, mas sem experiência com o amor.
Patrícia sabia que havia algo mais profundo em sua amizade, mas também notava a ingenuidade com que João Lucas encarava essas questões. Ele escrevia sobre amor como um tema abstrato, mas vivê-lo parecia algo distante. Nunca havia se envolvido em um relacionamento, e o amor para ele era um mistério mais complicado do que qualquer poesia que já tivesse escrito.
Certa noite, depois de mais um encontro regado a risadas e reflexões existenciais, Patrícia tomou coragem e abriu seu coração.
— João, você já escreveu tanto sobre o amor… mas será que já o viveu de verdade? — perguntou, com o coração acelerado.
Ele ficou em silêncio por um instante, refletindo sobre a pergunta. Olhou para o chão e depois para as estrelas no céu.
— Acho que escrevo sobre o amor porque é algo que não conheço... pelo menos não como nas minhas poesias. No fundo, sempre achei que o amor fosse para outros, não para mim.
Patrícia sorriu, com os olhos brilhando de emoção e carinho.
— E se eu te dissesse que o amor está bem aqui? Que ele está diante de você?
João Lucas a olhou, surpreso e confuso. Ele sempre foi tão envolto em suas próprias reflexões que não havia percebido os sinais. Sentiu o coração disparar, mas também um certo medo. Não sabia como responder a um sentimento tão grande e inesperado. As palavras, que sempre fluíram tão bem em suas poesias, agora o abandonavam.
— Patrícia… eu… eu não sei o que dizer. — Sua voz soou hesitante, e seus olhos mostravam uma mistura de emoções.
Ela colocou a mão sobre a dele, e disse com calma:
— Não precisa dizer nada agora, João. Só quero que saiba que o amor não é algo que você precisa entender com palavras. Às vezes, ele só precisa ser sentido.
João Lucas sorriu, ainda sem saber como lidar com aquilo, mas sentindo-se estranhamente confortado. Pela primeira vez, ele percebeu que o amor não era uma ideia distante, e sim algo que já estava presente, esperando que ele o reconhecesse.
A amizade entre eles continuou, agora com um novo significado. João Lucas ainda era o poeta sonhador, cheio de questões existenciais, mas agora havia uma nova página em sua história, uma que ele não sabia como escrever, mas que estava disposto a viver.
Talvez, pensou ele, o amor não precise ser entendido por completo. Talvez o verdadeiro poema do destino seja aquele que vivemos, não aquele que escrevemos.