Um Romance Ideal
Ângelo e Leonor conheceram-se por acaso numa tarde chuvosa, em Lisboa. Ambos eram escritores, e o destino quis que se cruzassem num pequeno café de esquina, onde procuravam abrigo da tempestade que rugia lá fora.
Ângelo, um homem de cerca de 35 anos, com cabelos desalinhados e óculos que pendiam na ponta do nariz, sentava-se sempre à mesma mesa, próximo da janela. Ele gostava de observar a vida a passar, enquanto escrevia as suas histórias carregadas de melancolia e reflexões profundas sobre a solidão. Escrever era a sua forma de escapar ao vazio que sentia desde que perdera a sua musa, Clara, há alguns anos.
Leonor, por outro lado, era uma mulher vibrante e cheia de energia, com um olhar intenso e cabelos curtos e ruivos que contrastavam com os dias cinzentos os quais ela era apaixonada e adorava descrever em seus romances. Aos 30 anos, tinha já publicado três livros, todos de sucesso, mas faltava-lhe algo. Ela sentia que, por mais que escrevesse, não conseguia capturar a verdadeira essência do amor algo que nunca vivera na plenitude.
Nesse dia, a última mesa disponível no café era justamente ao lado de Ângelo. Sem outra opção, Leonor sentou-se, pousou o seu caderno, e não pôde deixar de espiar o homem concentrado na sua escrita. Curiosa, tentou ler as palavras que ele anotava com vigor, mas a sua caligrafia irregular tornava isso impossível.
Ângelo, distraído pela presença dela, olhou de relance e percebeu o interesse nos olhos dela. Algo na sua postura decidida e nas suas mãos rápidas sobre o papel chamou-lhe a atenção. Ele não resistiu:
— Também escreves? — perguntou, num tom baixo, quase tímido.
Leonor sorriu, sem levantar os olhos do caderno.
— É o que tento fazer. E tu?
Ele suspirou, fechando o seu bloco de notas.
— Eu escrevo sobre o que não sei viver.
A resposta, enigmática e cheia de dor, despertou a curiosidade de Leonor. Ela levantou o olhar e os seus olhos encontraram-se, como se por instantes pudessem ver para além do véu que cada um mantinha à sua volta.
A partir desse momento, começaram a conversar. Dia após dia, a chuva que parecia não parar tornava-se a banda sonora das suas trocas de ideias, reflexões e histórias. Cada um trazia um novo mundo à mesa do café, uma nova perspectiva sobre o que significava viver e amar. Ângelo era reservado, melancólico, enquanto Leonor era vibrante, cheia de vida e de esperança. Mas era justamente essa diferença que os atraía. Ângelo via em Leonor uma luz que pensava ter perdido para sempre, enquanto Leonor encontrava em Ângelo uma profundidade que lhe faltava.
Com o passar das semanas, tornaram-se inseparáveis. Mesmo sem o dizer em voz alta, ambos sentiam que algo mais profundo crescia entre eles. Porém, havia um obstáculo. Leonor estava noiva de um homem que, embora a tratasse com carinho, nunca tinha despertado nela a paixão que ela tanto procurava. E Ângelo, ainda preso ao fantasma de Clara, temia arriscar o coração novamente.
Num final de tarde, depois de uma longa conversa sobre os sonhos de cada um, Leonor, tomada pela coragem que os seus próprios escritos sempre exaltavam, olhou Ângelo nos olhos e perguntou:
— Achas que alguém pode escrever sobre o amor sem o ter vivido verdadeiramente?
Ângelo permaneceu em silêncio por alguns segundos, sentindo o peso da pergunta. Ele sabia que a resposta seria o ponto de viragem na história deles.
— Talvez possas escrever sobre o amor sem o viver… — começou ele, com a voz trémula — Mas nunca o capturarás na sua totalidade. Porque o amor não se descreve, sente-se. E, para o sentir, é preciso coragem.
Leonor sorriu tristemente. Ela sabia que a resposta era a verdade que ambos evitavam. Era preciso coragem para deixar o conforto das suas vidas seguras e embarcar numa aventura incerta. Era preciso arriscar.
Naquela noite, sem mais palavras, Leonor deixou o café. E Ângelo, pela primeira vez em muito tempo, sentiu que talvez ainda fosse possível voltar a viver uma nova história de amor — uma que ainda não estava escrita.
Dias se passaram, e Ângelo esperou ansiosamente por Leonor no mesmo café, mas ela não voltou. Durante esse tempo, ele escreveu uma carta. Uma carta que carregava o seu coração, as suas fragilidades e, finalmente, a sua confissão. Ele sabia que tinha de a entregar. Sabia que se arriscasse perder Leonor, voltaria a perder a si mesmo.
Quando finalmente a encontrou, a decisão estava tomada. Leonor, de olhos marejados, disse que o seu noivado tinha terminado. Entre lágrimas, confessou que não podia mais viver sem seguir o que o seu coração lhe ditava — a sua história com Ângelo.
Ali, no meio das ruas estreitas de Lisboa, sob uma chuva fina que caía novamente, eles finalmente se beijaram. E, naquele instante, souberam que estavam a escrever juntos o capítulo mais importante das suas vidas.
Assim como nas histórias que criavam, havia incertezas, dúvidas e medos, mas agora, ambos tinham algo que antes lhes faltava: o amor vivido, sentindo-o de forma plena, e, acima de tudo, a coragem para o escrever juntos.